Tem início mais um mandato presidencial de Dilma Rousseff no País. Como olhar com esperança o futuro, e que tipo de diálogo queremos estabelecer para o crescimento das pessoas e desenvolvimento da sociedade
Em 1º de janeiro realizou-se a cerimônia de posse do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, reeleita por estreita margem nas eleições realizadas em outubro.
Diante da disputa mais acirrada da história recente e de uma sociedade cujo tecido social deu mostras de fragmentação, ouvimos falar frequentemente sobre a importância do diálogo no embate político sem, entretanto, vermos explicitado como ele deva ocorrer. A própria presidente reeleita propôs um diálogo com a oposição logo após ser declarada vencedora sem, entretanto, definir com clareza o que desejava.
Que diálogo nós queremos? Qual o trabalho humano necessário para que possamos propor um relacionamento?
A dor maior do homem é sentir-se incompreendido, só. O homem que olha sinceramente para si se depara com uma profundidade própria aparentemente inapreensível por outrem, situação particularmente acentuada em meio ao individualismo moderno. Para além de sua máscara social, o homem moderno traz dentro de si a dor maior do mundo: uma solidão flagrante.
Entretanto, para além da solidão, ele intui a presença de um Outro, quase a consciência de um chamado efêmero, uma resistência instintiva à violência máxima de afirmar a ausência de sentido da vida.
Como bem o expressa Pavese, “não sente você também, alguns dias, um silêncio, uma apreensão, que é como a marca de uma tensão antiga e uma presença desaparecida?” (Diálogos com Leucó). Como entrar em diálogo com essa modernidade marcadamente só, mas, simultaneamente, consciente de um chamado profundo do Mistério para um relacionamento, modernidade cuja descrença na possibilidade de uma resposta leva a calar essa voz profunda? De onde pode nascer uma consciência, uma certeza de que o homem não está só?
A abertura ao diálogo é uma posição pessoal. A abertura ao diálogo sempre parte de si, do contrário será apenas uma pretensão sobre os outros e sobre como eles devem pensar. Ela só é possível se o homem compreende que seu valor não se dá pelas circunstâncias, mas por sua condição inextirpável de lugar onde se revela um Outro maior que ele mesmo, que seu valor não depende daquilo que faz, mas daquilo que é: esta é a posição da criança, cuja consciência do próprio valor não decorre dos próprios atos – aliás, bem pequenos do ponto de vista humano, histórico – mas de sua importância para a mãe. A consciência do próprio valor decorre sempre da consciência do valor da própria vida para um Outro que sofre comigo e a quem a minha vida interessa. Apenas assim é possível ser livre de pretensões sobre a realidade – meu valor, e o do todo, não depende mais dos meus atos! – e aberto ao diálogo em todas as ocasiões.
O diálogo só é possível se há consciência da própria identidade. Todo diálogo depende do silêncio, pois é no silêncio que o homem descobre a si mesmo e a origem de seu valor. O diálogo pressupõe o silêncio da descoberta de si; apenas o homem consciente de si é capaz de comunicar, pois compreende também a origem do valor do outro e que, sob um ethos aparentemente diverso, todos trazem dentro de si a mesma urgência: o homem não deseja menos que tudo em tudo.
É dentro dessa dinâmica que se deve estabelecer toda política. Caso contrário, ou seja, na ausência de um valor universal a ser proclamado, todo o agir é determinado subjetivamente: é o princípio da disputa do poder pelo poder, do homem lobo do homem. É o “nós contra eles” tão vivo em nossa última disputa eleitoral.
Que diálogo nós queremos? Todo gesto humano implica um juízo, uma tomada de posição com relação à realidade. Mesmo a decisão de continuar vivo traz em seu bojo uma decisão sobre a existência: viver vale a pena; um tiro na cabeça não vale a pena.
Da tomada de consciência acerca da própria decisão de existir – afinal, ainda não demos o tiro fatídico – segue a compreensão de que, para além de toda a política partidária, de todo conflito entre situação e oposição, está o homem: se todos compartilhamos a mesma urgência, se existe um valor universal a ser proclamado, então a consciência do próprio valor também afirma a origem do valor do outro.
Assim, diante da atual desagregação, particularmente aguda durante o período eleitoral, a preocupação da política deve ser exatamente a reconstrução desta identidade fragmentada do homem, o resgate de seu valor para além da ideologia. O chamado primeiro é o da educação para a consciência de si como comunicação direta com o infinito bem, única forma de afirmar o próprio valor de maneira indissolúvel – todo o restante é secundário, descartável. A aula ou o trabalho diário, o cuidado com os filhos ou a responsabilidade com uma comunidade, tudo existe para educar o homem ao seu próprio valor. Neste ponto, é particularmente temerária a posição da presidente quando afirma que “os homens não são virtuosos, ou seja, nós não podemos exigir da humanidade a virtude, porque ela não é virtuosa [...], e por isso que as instituições têm que ser virtuosas” (Discurso da presidente Dilma Rousseff na VII cúpula Brasil-Europa em Bruxelas, 24/02/2014). Se o homem não pode ser educado a olhar para si, se não é virtuoso, a única alternativa é vigiá-lo. No limite, o que resta é o controle absoluto – nos moldes da inesquecível obra 1984 de George Orwell. Se, de fato, a educação é impossível, já estamos todos condenados: a estatura humana é irrevogável e, se não for bela, então será terrível.
O chamado a uma posição concreta. Diante da divisão do país durante o período eleitoral e da retomada dos escândalos políticos após as eleições, muitas vezes prevalece a tentação de desistir do Brasil, de desistir de educar sob a alegação de que “nada vai mudar”. Como vencer o desânimo se percebemos que a história se repete, não como farsa, mas como contradição entre o desproporcional desejo humano e a tentação perene de sua redução a um esquema, como nos mostram o recrudescimento dos totalitarismos, o atentado em Paris, os conflitos no Oriente Médio?
Felizmente, o Papa nos tem recordado que o valor fundamental a ser resgatado não é o êxito, mas a caridade, a consciência do compartilhamento de um destino comum e de um mesmo coração. Se o homem possui um valor inexorável, sua preocupação não é estar entre os vencedores, mas ir às periferias da existência. Diante dos saques entre vizinhos ocorridos em sua cidade natal durante a greve policial, em dezembro de 2013, o genial Francisco conclamou os cristãos a “tomar chimarrão com seus vizinhos”: se o valor é dado por um relacionamento, então a primeira obra é a verificação da contemporaneidade disto na própria vida – a construção de si mesmo. Daí segue a missão: educar todos para esse relacionamento, construir as pontes para que cada homem possa verificar sua existência.
“Onde está o teu irmão? [...] Esta não é uma pergunta posta a outrem; é uma pergunta posta a mim, a ti, a cada um de nós”. A homilia do Papa Francisco em Lampedusa, porta de entrada dos imigrantes africanos na Europa, no dia 8 de julho de 2013, nos indica o caminho. Em sua visita à cidade, onde foi “chorar os mortos que ninguém chora” – aqueles que padeceram no mar ao tentar a travessia – o Papa nos lembra que, enquanto homens, somos chamados à compaixão, à abertura da própria vida. Nas apaixonantes palavras de Clarice Lispector: “Cada ser humano recebe a anunciação e, grávido de alma, leva a mão à garganta em susto e angústia. Como se houvesse para cada um, em algum momento da vida, a anunciação de que há uma missão a cumprir. A missão não é leve. Cada homem é responsável pelo mundo inteiro” (Anunciação).
Não como um moralismo, mas como consciência de que aí reside a única possibilidade de sentido, de salvação. Como afirmou o Papa João Paulo II na homilia da missa para o início do seu pontificado, dia 22 de outubro de 1978: “Não tenhais medo!”
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