Três dias “em busca do rosto do homem”. Entre cientistas, empresários, estudantes... E muitas pessoas comuns. Viagem (com surpresas) por um tema que hoje, nos Estados Unidos, suscita debate
É possível organizar um evento, mas não é possível organizar um encontro. O encontro é imprevisível, não se organiza ao redor de uma mesa, é um excedente na soma dos fatores, como uma operação refeita mil vezes na qual as contas não batem. No New York Encounter, vê-se o imprevisível fruto desse excedente, vemo-nos diante dessa conta que não bate. Não se organiza, acontece.
Este ano, o título foi “Em busca do rosto do homem”, uma viagem pelo tema da identidade que permeia, em diversos níveis, o debate americano. O ponto de partida do diálogo é uma frase de Dom Giussani: “Nada é tão fascinante como a descoberta das reais dimensões do próprio ‘eu’, nada é tão rico de surpresas como a descoberta do próprio rosto humano”. Depois, é só acompanhar aquilo que acontece.
Assim, nos três dias do evento (de 16 a 18 de janeiro), há palestras, exposições; há um novo local luminoso no coração de Chelsea, bairro de artistas e lofts pós-industriais; há professores de fama internacional e a sociabilidade de um espaguete à matriciana; há música e testemunhos; há a tensão ao sublime e o trabalho simples de um batalhão de mais de trezentos voluntários vestindo camiseta roxa. No entanto, todos esses elementos não são suficientes para explicar o contragolpe sofrido por Brad Stuart, médico convidado para falar sobre o cuidado com os idosos e que se declara ateu: “Posso realmente dizer que participar do New York Encounter, embora apenas por um dia, foi um evento que mudou a minha vida”.
Quando assistiu ao documentário pelos sessenta anos do Movimento, A bela estrada, ficou tocado: “This is it!”, é isso o que estava procurando. E pensar que quando visitou o site do Encounter, cheio de sinais de pertença à Igreja, por um instante pensou em não comparecer. Acabou que, para conseguir assistir ao documentário até o fim, deixou de almoçar. Ele foi convidado para o evento, pela maneira humana e inteligente com a qual propõe o acompanhamento de pacientes mais idosos em suas casas ao invés de interná-los em um hospital e, naquele dia em Nova York, foi o início da intuição de que a humanidade que coloca no trabalho não está em contradição com o cristianismo.
É o que disse com uma frase eficaz o Arcebispo de Nova York, o Cardeal Timothy Dolan, em sua saudação inicial, sobre o carisma de Dom Giussani: “Para ele, Deus e o homem não são como água e óleo, mas mais como o gim e o vermute”. Uma inversão de perspectiva: “Se essa é a Igreja, então me interessa”, comentava Stuart com alguns.
O encontro – encounter, justamente – acontece assim, por excedência e contragolpe. O mesmo contragolpe que sofreu Martin Nowak, professor de Biologia e Matemática em Harvard, que participou de uma mesa redonda sobre a evolução humana, o lugar concreto do emergir do rosto do homem, que pode ser reduzido às leis biológicas ou observado através da mais ampla lente da razão: “O que sei, depois desses dois dias, é que preciso estudar Giussani”, disse o cientista.
Estradas tortuosas. O que é o homem? Esta é a pergunta que sempre fascinou o paleontólogo Richard Potts, curador da Human Origins Program, uma exposição no Smithsonian Institute sobre a origem do homem, que teve mais de 25 milhões de visitantes; e a pergunta torna-se um grito mais pessoal e íntimo nos testemunhos de pessoas que, em circunstâncias diversas, foram transformadas pela presença de Dom Giussani. Muitas vezes, sem nunca tê-lo encontrado. Por isso, Kim Shankman, decano do Benedictine College, no Kansas, pode dizer que seu filho John, que ficou em coma aos 16 anos por causa de um acidente de carro, “é um testemunho da positividade da realidade”, porque “pertence a um Outro que nos salva”.
Os contornos de um Outro afloram na filigrana do rosto humano. E, às vezes, para encontrar esses traços, são percorridas estradas tortuosas e se agarra àquilo que se pode; há um grande empenho na criação de novos direitos para reconstruir os pedaços que faltam daquele rosto, explicaram a vice-presidente da Corte Constitucional Italiana, Marta Cartabia, e a professora Jennifer Nedelsky. Ou “se preenche o vazio da existência estando constantemente conectados”, outro substituto da conexão infinita que cada um almeja e que o sociólogo Christian Smith tentou analisar junto com a pesquisadora Donna Freitas.
“Entender a nossa humanidade significa entender a nossa dependência”, disse o Cardeal Sean O’Malley, Arcebispo de Boston, no encontro sobre deficiência com Timothy Shriver, fundador das Paraolimpíadas, que traz documentada sua pertença à família Kennedy no discurso e no queixo quadrado. John Fitzgerald era seu tio, mas ele falou mais sobre Rosemary, a tia que nasceu com uma grave deficiência e com a qual aprendeu “o amor incondicional”. Jean Vanier, teólogo e fundador da comunidade “A Arca”, que acolhe pessoas deficientes, contribuiu com o debate por meio de uma comovente entrevista via vídeo.
A chave. Que o rosto humano emerja na dependência é uma hipótese arriscada e fascinante, que desafia a razão humana em todos os níveis, como lembrou Lorenzo Albacete em um vídeo de 2004, intitulado “O que é o homem para que cuides dele?”, e que foi projetado como homenagem a este grande amigo morto recentemente. Chegando até o mistério da encarnação: “A chave da vida cristã é esta: antes de se tornar o centro do cosmo e da história humana, Cristo foi o grumo de sangue no ventre de uma mulher”, dizia Albacete.
Mas, que instrumentos temos para verificar a hipótese vertiginosa da irrupção do eterno na história? Padre Julián Carrón falou sobre a infalibilidade do coração no encontro de encerramento intitulado “Em busca de um novo início”. O coração não nos deixa na incerteza, reconhece a correspondência objetiva, mas “é preciso aprender a usar esse critério”. Uma questão de educação e de liberdade porque “o método de Deus é o de mendigar a liberdade, de passar por aí para se revelar”.
O nosso problema, acrescentou padre Carrón, “é a simplicidade do coração. Para nós, parece pouco, mas é tudo. E, atenção: é um problema de conhecimento, não de ética. Não é uma questão de coerência, mas de um relacionamento”. Como uma criança, que “tem certeza quando está com a mãe e não quando é capaz de fazer algo”. O coração é como a corda humana que vibrou dentro daqueles que participaram do New York Encounter, com seus irredutíveis excedentes e seus contragolpes - ora visíveis e evidentes, ora escritos nos sorrisos dos voluntários que nos acolhiam na entrada, nos jovens que trabalhavam nas cozinhas, nas conversões que só os olhos dos anjos veem, no mistério do sofrimento de Frank Simmonds. Frank foi um dos responsáveis da comunidade de Nova York, depois de um passado de drogas e prisão. E é um dos rostos do vídeo dos 60 anos do Movimento. Doente há muito tempo, morreu na manhã de segunda-feira. Esperou o fim do Encounter para apresentar-se em seu encontro definitivo com o Mistério.
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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón