Na zona Oeste de São Paulo, uma obra nascida para ajudar na formação dos microempresários. Histórias de pessoas que lutam pelo seu sustento, com confiança, e são exemplos de vida
Seria melhor um 4x4, mas o Fox 1.0 consegue subir as ladeiras cheias de lombadas do Sol Nascente. Estamos em uma periferia que não é só existencial, na zona Oeste de São Paulo: para os funcionários dos prédios chiques da Berrini, a Lapa é periferia extrema, um outro sistema solar; para o moradores desse bairro, é o centro do centro da cidade, aonde vão para fazer compras importantes.
Os consultores da “A Aventura de Construir” (AADC) estão visitando a Osvaldina, uma costureira que trabalha em casa. “Quero investir mais em mercadorias, mas não tenho capital”. Na conversa, saem outros problemas: sem formalização não dá para ter uma máquina para cartões de crédito, não está claro como fazer a empresa ser conhecida pelos potenciais clientes, entre outros.
Osvaldina não é única: nas áreas da Associação dos Trabalhadores Sem Terra (ATST), os microempreendedores são muitos, até acima da média de um País como o Brasil onde as microempresas geram mais de 70% das vagas e 40% dos salários. O método da Associação ajuda os moradores a criarem entrosamento entre eles muito antes de começar a morar no mesmo bairro – quando o GPS escolhe caminhos “originais”, dá para ver o quanto as áreas construídas pela Associação são visivelmente melhores do que as dos vizinhos – e pode ser que esse capital de confiança ajude a criação das empresas. Com certeza, não resolve todos os problemas: “Vi muitos amigos pegar indenizações ou aposentadorias, montar um negócio próprio e perder tudo por falta de organização e de conhecimento”, diz a “presidenta” Cleuza Ramos. Isto não se diferencia da situação nacional, em que 25% das microempresas fecham antes do segundo aniversário.
Respondendo à realidade. A AADC, desde 2012, oferece seus serviços aos microempreendedores das áreas da ATST. Fundada pela Fundação italiana “Umano Progresso”, no começo deveria ser um banco para oferecer microcrédito, mas Silvia Caironi, a responsável da obra – uma profissional com o DNA de gerente de projetos e com experiências no Banco Mundial e na Cáritas do Peru –, reconheceu que essa não era mais uma exigência: o Governo Federal e o Estado de São Paulo já ofereciam empréstimos com juros extremamente baixos para os microempreendedores. O que faltava era chegar até os destinatários para que eles conhecessem as possibilidades, e acompanhá-los depois do empréstimo para que eles pagassem as parcelas e não acrescentassem dívidas à difícil situação inicial. Assim, a AADC começou a subir com frequência as ladeiras das áreas, aonde a burocracia não chega.
O objetivo não é acumular números, embora eles sejam expressivos, considerando o breve período e o tamanho bem pequeno da AADC: mais de 900 empreendedores contatados – 10% deles tomando empréstimos –; mais de 50 palestras com presença de mais de 400 pessoas muito mais fidelizadas que em iniciativas similares; mais de 200 empreendedores acompanhados pessoalmente.
É uma atitude bem pé no chão e atenta aos sinais que vêm das pessoas e das situações concretas, a qual vira inteligência e adaptação contínua das iniciativas e dos métodos: desde ajudar a obter um empréstimo, passando por ensinar o fluxo de caixa ou as bases da comunicação, até as assessorias individuais para entender quais são os pontos críticos ou as oportunidades do negócio. Fica sempre mais claro que o fator fundamental é a educação do empreendedor, e – sendo assim – “É evidente que se trata de um trabalho de ‘um a um’, então muito devagar, porém pontual!”, diz Cinzia Abbondio da “Umano Progresso”.
Outra caraterística importante da AADC é a sua capacidade de trabalhar com outras organizações. Para os empréstimos, atua como facilitadora do Banco do Povo Paulista e da Caixa Econômica Federal, para os métodos de suporte com a Aliança Empreendedora, para as palestras inicialmente com o SEBRAE e, nos últimos meses, desenvolveu muitas outras parcerias com vários especialistas. Na área do empreendedorismo, eles são gigantes – o SEBRAE, por exemplo, está presente em todos os Estados do Brasil com mais que 5000 funcionários e 8000 consultores – e a AADC os aborda com a humildade de aprender tudo o que é preciso. Ao mesmo tempo, eles reconhecem na AADC uma presença séria e interessante com a qual trabalhar: no final de um curso piloto de educação financeira, fruto da parceria com a Aliança Empreendedora, Edilsa – gerente de um restaurante e assessorada pela AADC – foi escolhida pelo SERASA para dar um depoimento na Rede Globo.
O que a AADC não é: perfeita. Nenhuma parte desse processo é sem erro, esforço e correção, mas a atitude é sempre, originalmente, positiva: “O homem afirma a si mesmo afirmando a realidade, e isso faz toda a diferença do mundo”, diz Silvia.
Um método de trabalho. Essa atitude realista não é setorial, pois o real inclui empreendedores e parceiros, funcionários da AADC e voluntários da ATST, cada um deles virando fonte de aprendizado, cada um tocado e mudado por essa posição original. “Para mim”, comenta Adriano Gaved, consultor de empresas, “o trabalho com os microempreendedores – da maneira escolhida pela AADC – é superinteressante: uma pessoa chega lá com os seus Drucker e Porter na cabeça e vê o quanto eles são úteis para entender o que os empreendedores experimentam e, ao mesmo tempo, quanto várias premissas são diferentes. Não dá para aplicar receitas prontas: sem curiosidade real e gosto de aprender, não se pode fazer esse trabalho”. “A minha satisfação é ver o empreendedor contente porque é capaz de concretizar algo no seu empreendimento”, fala Matilde. Carlos acrescenta: “A beleza de trabalhar na AADC é que as decisões e ações são feitas sob uma visão humanista. A realidade das coisas e a vontade do indivíduo são os pontos de partida para a mudança do status quo. É um método de trabalho que se carrega para toda a vida”.
Uma abordagem assim é estritamente profissional, mas tem efeitos – não esperados – para além do âmbito do trabalho. Em primeiro lugar, o nascer de uma confiança absolutamente não natural em pessoas que experimentaram e experimentam abusos e violência. Ou uma retomada da esperança: “Eu estava quase desistindo da minha empresa. Participando das capacitações, eu reacendi o espírito do trabalho e tenho hoje o apoio de toda minha família”, colocou em uma reunião Arthur Cazella, artesão em plásticos, empreendedor que recebeu auxílio e participou das capacitações da AADC (“Nunca falamos com ele de coisas fora do âmbito técnico”, surpreende-se Silvia). Ou o silêncio que acompanhou as imagens das obras de Claudio Pastro na palestra sobre a beleza e o trabalho, na confraternização de final do ano.
Na reunião de avaliação, no final do ano, o que saiu como aspecto mais impressionante foi ver como tudo isso não é uma teoria aprendida e aplicada. É mais a natureza de um filho que se expressa, livre e criativamente.
Depois de um ano, Osvaldina acabou de quitar o empréstimo – antes do prazo – e obteve o segundo, para comprar uma máquina para imprimir sobre as camisas. “Assim, eu faço a produção e meu filho faz a parte de design”. É uma notícia que não vai sair no Jornal Nacional, mas é essa construção de um tecido são, de pessoas responsáveis, que é o fator fundamental para um Brasil mais rico e humano.
*Texto escrito por vários autores e organizado por Adriano Gaved.
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