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Passos N.101, Fevereiro 2009

EXPERIÊNCIA - AS FÉRIAS DE SÃO PAULO

Uma experiência nova

por Carolina Oliveira

Os adultos de São Paulo promoveram quatros dias de férias em um hotel fazenda. Uma experiência para ajudar a reconhecer no cotidiano a Beleza de Cristo que se tornou palpável na natureza e nas testemunhas

“Aprender as coisas que pensávamos já saber”. Essas foram as palavras que nortearam os quatro dias que a comunidade de São Paulo passou na Fazenda Monjolinho, na cidade de São Pedro, a 180 km da capital paulista. De 09 a 13 de janeiro, mais de 150 pessoas visitaram cachoeiras da região e um cânion formado por diversas montanhas da Serra do Itaqueri.
Foram as primeiras férias que, oficialmente, a Associação dos Trabalhadores Sem Terra de São Paulo (ATST) e a comunidade de Comunhão e Libertação da cidade preparam em conjunto. Todos reaprenderam coisas que há muito haviam sido deixadas para trás: a experiência de dividir o quarto com os velhos amigos, a forma de aproveitar o tempo livre, de rezar e de cantar juntos...
Um dos momentos mais intensos desses dias foi o depoimento de padre Aldo Trento, missionário da Fraternidade São Carlos Borromeu no Paraguai. Ele contou sua experiência de amor e obediência à realidade. “Todos aqueles que eu encontro me são dados pela realidade. Como nasceu o abrigo para os velhinhos? Para comprar a casa, tive que comprar com a velhinha que estava lá dentro. Não havia programado. (...) Tudo aquilo que acontece entra no desígnio do Mistério. E o Mistério vai te conduzir por um só caminho: a realidade. Aquilo que nasceu depois, estava na mente de Deus, e não na minha. É por isso que eu digo que a depressão não é uma doença, mas uma graça.”
Outro momento marcante foi a reprodução do vídeo sobre a experiência de voluntários do Meeting Point Internacional, organização que atua em Uganda com portadores do HIV.
Para Elza Dias, da Associação, as férias foram tempo de reencontro com Cristo. “Foi a volta da razão de viver. (...) Posso ser capaz de viver em harmonia com as diferenças, com os erros, e alcançar a graça de me sentir acolhida, amada e finalmente me sentir filha de Deus. Não me canso de agradecer por essa graça”, disse a jovem.
Ser livre, pertencendo a certos relacionamentos. Essa foi a experiência de Elder Gonçalves, de São Paulo. “O pertencer aos amigos da Escola de Comunidade, que são aqueles que me foram dados, seguindo a companhia de Marcos e Cleuza, me abre àquilo que o Mistério está fazendo entre nós: o testemunho deles próprios, o padre Aldo e Carrón. Essa liberdade está me fazendo não reduzir as coisas (trabalho, movimento, vocação), desejar ser um só em tudo aquilo que vivo. Aonde vou ‘carrego’ estas pessoas comigo.”
Já Eugenia Llanas, da comunidade de São Bernardo, apontou dois momentos que foram bem marcantes durante os quatro dias de férias: “O que padre Aldo nos contou foi tão bonito que, depois de seu testemunho, eu não conseguia falar em outra coisa. Conversar com alguns amigos sobre isso ajudou-me muito a compreender melhor a grandeza de sua experiência. Também foi marcante quando, todos juntos, inclusive algumas crianças, já tarde da noite, depois de um longo dia de intensas atividades, rezamos o terço pela saúde do Luís Gustavo, internado na UTI. E, como, no restante dos dias, muitos queriam saber notícias dele e vinham nos perguntar. Como diz padre Carrón, uma vida assim me interessa, pois torna tudo mais bonito e verdadeiro, não importa a situação na qual nos encontramos – de férias ou cuidando dos doentes, como padre Aldo, ou ainda esperando que o netinho recém-nascido de nossa amiga sobreviva. Somos um povo, reunidos por Cristo, uma companhia de amigos guiada ao seu Destino. Cada dia que passa fico mais comovida pelo fato de Deus ter me chamado a viver esta aventura tão bonita”.


Um homem mendicante de Cristo

Como a obediência à realidade e o abraço dos amigos transformaram a vida de padre Aldo, do Paraguai

Padre Aldo passou dois dias nas férias. Em uma das noites contou a todos a sua experiência de 35 anos de encontro com Comunhão e Libertação. Encontro esse que reaconteceu após anos de silêncio e depressão com o padre Julián Carrón, com Marcos e Cleuza Zerbini.
“Tem Algo que vem antes, que não depende de mim, nem de você.” Esse foi o primeiro ponto ao qual ele chamou atenção. “E que Giussani e Carrón nos falam que se chama Mistério e que está presente na realidade. Isso vem antes de tudo. Depois vem um ‘eu’, que é chamado a tomar consciência desse Mistério através de um encontro. Não existe nada no mundo – nem a doença, nem a depressão que carrego comigo – que nos impede de ver isso que está dentro dessa realidade. Porque tudo aquilo que acontece é maravilhoso e extraordinariamente positivo.”
Quando criança, já era um homem inquieto. Entrou para o seminário com 11 anos e se ordenou com 21 e, tal qual a maior parte dos jovens da época, seu objetivo de vida se norteou pelo marxismo. Era professor quando, um dia, quatro de seus alunos, de 14 anos, disseram: “Professor, não é assim que se muda o mundo. O mundo muda se muda o seu coração, e o seu coração muda se encontra Cristo”. Mesmo com raiva, reconheceu que aquilo correspondia a seu coração e passou a segui-los. “Eles nunca me julgaram sobre o meu comportamento moral. Simplesmente me amaram como eu era. Então, os meus superiores, desesperados, me mandaram de volta para o norte da Itália. Lá, conheci Giussani. E Deus, que tinha me escolhido, começou a mudar o meu olhar.”

REALIZAÇÂO AFETIVA. Então, aconteceu que se apaixonou por uma mulher chamada Maria. Era viúva e tinha três filhos. Quando contou a Dom Giussani, nunca poderia ter imaginado uma resposta tão correspondente. “Ele me disse sorrindo: ‘Finalmente, que coisa bonita que aconteceu! Você vai se tornar um homem. Você pode mendigar Cristo vivendo esse sentimento que lhe foi dado. Lembre-se que essa é uma graça para você, para ela, para Igreja e para o Movimento.”
Após passar dois meses com Dom Giussani, ele o mandou ao Paraguai. “Não fui para Paraguai por Jesus Cristo, nem para ser missionário. Eu fui para ver se a minha pergunta encontrava uma resposta – ‘como um padre pode amar uma mulher pela eternidade?’ Por isso eu viajei, acreditando em um homem que me amou como nenhum outro. Um amor que agora experimento com Carrón, como continuidade daquela profundidade de intuição.”
Dom Giussani nunca deixou que padre Aldo cortasse o relacionamento com Maria. “Isso me deixava muito bravo, porque eu fiquei dez anos sem conseguir dormir. E ele me falou: ‘Essa é a realidade. Se você não passa pela realidade, nunca vai se tornar um homem. Na vida, você sempre fugiu da realidade; agora, chega. Maria é sinal do Infinito que você procura. Então, se você a elimina, elimina seu pedido, sua pergunta’. Um dia, lhe contei das noites de insônia e ele respondeu: ‘Se isso te serve para mendigar Cristo todas as noites, eu desejo que você não durma’. Por isso, a depressão nunca foi uma desgraça para mim. É por isso que digo que a depressão não é uma doença, mas uma graça. Porque tudo é desígnio do Mistério”.
E assim, sempre obedecendo à realidade, nasceram todas as suas obras no Paraguai. “Como nasceram as casas para os órfãos? Morrem as mães e ficam as crianças doentes de Aids: preciso responder. Obedecer à realidade sempre foi como ‘cuspir sangue’, nunca me deu descontos, mas me tornou um homem, me dá gosto pela vida. Ela que é a grande amiga que eu tenho – a realidade! –, que me fala através de tudo aquilo que existe, mas antes de tudo me fala através da consciência que são os amigos dos quais eu falei.”
O amor por Maria continuou, mas de outra maneira: “de um lado eu vi realizada a minha dignidade, um homem completo, porque em primeiro lugar, não perdi Maria, mas a amo a ponto de não precisar vê-la. E se cumpriu tudo aquilo que Dom Giussani falou. Agora, estou no Paraguai somente por Cristo. E para dizer obrigado àquela companhia da qual eu falei os nomes... por isso, meu único desejo é viver com esses amigos, para que a realidade se torne cada vez mais amiga, porque a realidade é Cristo. E, por isso, eu conheci Cristo: porque amei a realidade,porque é o jeito com o qual Deus me escolheu”.
E ele finaliza: “Por isso, estou cheio de comoção: porque me foram dados amigos que me ajudam a entender que a realidade é o corpo de Cristo. Fico comovido de estar aqui com vocês e com eles. E, por isso, pedi ao Marcos para vir às férias, para fazer parte da amizade com eles, porque eu preciso ser abraçado como Giussani me abraçou, para poder, no meu trabalho, abraçar a todos os homens que Deus coloca no meu caminho; porque, agora, me é pedido isso... A outros, são pedidas outras coisas. Mas, como o homem entende o que Deus está pedindo? Eu entendi isso através da obediência à realidade, do abraço de Dom Giussani e de uma depressão terrível, que ainda hoje deixa os traços na minha boca”.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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