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Passos N.101, Fevereiro 2009

CULTURA - PETER HODGSON

"É uma honra ter amigos assim"

por Marco Bersanelli*

Um físico de fama mundial, professor em Oxford durante quase meio século. Mas também um grande homem de fé, como ficou evidente no relacionamento com esse grande cientista falecido em dezembro, que dizia ter encontrado no Meeting “o ponto mais alto da vida”

“Foi o ponto mais alto de toda a minha vida”, disse Peter, cumprimentando-me, comovido, depois do Meeting de Rímini de dois anos atrás, o último do qual participou. Físico nuclear de fama mundial, professor em Oxford por mais de cinquenta anos, Peter Hodgson viajou meio mundo, convidado pelas mais prestigiosas universidades da Europa e dos Estados Unidos, colaborando com pesquisas científicas de ponta. Morreu no dia 8 de dezembro último, enquanto passava férias na África do Sul com a mulher. Eu o encontrei pela primeira vez em Paris, em 2002, num congresso científico. Em pouco tempo, tornou-se um verdadeiro amigo para mim e para muitos de nós. “É uma felicidade, uma honra ter amigos assim.” O peso das suas palavras era semelhante à leveza de seu olhar sereno e profundo, típico dos grandes. Antes de conhecê-lo me disseram que era um cristão empenhado, que tinha até organizado uma associação de cientistas católicos. Depois, descobri que era, sobretudo, um grande homem.
Começou sua carreira estudando a desintegração nuclear causada pela radiação cósmica para, depois, aprofundar várias pesquisas sobre a estrutura do núcleo atômico e sobre as reações nucleares. Mas, além de um grande físico, Peter foi um estudioso de amplo respiro, chegando a aprofundar de maneira aguda e original a natureza e as raízes históricas do conhecimento científico. Usando sua vasta cultura humanística, além de científica, Hodgson mostrou como este modo particular de conceber e observar a natureza, a que chamamos ciência, tem seus pressupostos racionais e antropológicos na época cristã medieval.

MUNDO ORDENADO. “A ciência nasceu uma vez só na história”, dizia. Lembro das conversas apaixonadas enquanto preparávamos juntos a Mostra de Euresis – “Nos ombros dos gigantes” –, para o Meeting de 2005. “As razões são tanto de ordem material como cultural”, dizia. Quanto às primeiras, sublinhava como, na Europa Medieval, tinha-se alcançado um certo desenvolvimento social e instrumentos linguísticos (escrita e matemática) adequados, e que as abadias e primeiras universidades medievais eram lugares capazes de transmitir e difundir o conhecimento. Mas não é tudo. Outras civilizações antigas, na Grécia e na China, por exemplo, tinham conseguido um nível de desenvolvimento análogo e, no entanto, ali, a ciência conheceu apenas um maravilhoso sobressalto sem nunca chegar a um amadurecimento. Eram necessários, também, pressupostos culturais precisos.
De fato, sublinhava Hodgson, nem toda concepção do mundo, do homem e de Deus permite levar a sério aquele tipo de atenção e de questionamento sobre o real que abre ao método experimental. É preciso, antes de mais nada, a convicção de que a realidade material seja digna de ser conhecida. Isso pode parecer óbvio, mas de fato não é. A visão dos gnósticos ou dos epicuristas, por exemplo, – que predicavam a indiferença ao mundo físico, cujo conhecimento era considerado inútil ou danoso – era incompatível com o surgimento da ciência. Além do mais, é preciso o pressentimento de que o mundo seja ordenado, e de que esta ordem seja acessível à razão humana. Misteriosa correspondência, pela qual Einstein observava: “A coisa mais incompreensível do universo é que ele seja compreensível”. Não basta reconhecer a regularidade do movimento dos astros, é preciso admitir a possibilidade de que esses movimentos sejam decifráveis, pelo menos em parte. Enfim, era necessária a persuasão de que o conhecimento dos fenômenos e das leis da natureza tivessem uma utilidade para o sujeito e para a comunidade humana, eventualmente não imediata.
Hodgson observava que “a concepção judaico-cristã, no período medieval, apresentava, pela primeira vez, todos esses requisitos simultaneamente”. Nela, a realidade é boa e ordenada porque criada por um Deus pessoal e racional, que livremente dá o ser para realizar um projeto bom sobre a criação. O mundo físico, cada criatura ou fenômeno, é significativo enquanto sinal do Criador. Além disso, o universo foi criado por Deus, mas é distinto d’Ele: a criação é livre iniciativa do Mistério. “O Deus dos hebreus é muito diferente do deus de Platão ou do primeiro motor de Aristóteles... [Ele] criou um mundo completamente distinto de si mesmo.” Então, para conhecer o universo não é suficiente meditar ou deduzir, é preciso ir ao encontro da realidade, observar o dado oferecido pela natureza. É na visão judaico-cristã que “o conhecimento é sempre um acontecimento”, um encontro com o real.

REALISMO. Mas foi exatamente o advento do cristianismo que provocou a revolução cultural decisiva. “A encarnação, o acontecimento em que o próprio Deus se faz homem, eleva a materialidade do real ao inverossímil”, dizia Hodgson. “Desde então, a história não foi mais uma infinita série de ciclos, mas uma história linear com um início e um fim. O conjunto de crenças sobre o mundo, tiradas dos ensinamentos de Cristo, no fim, levaram ao nascimento vital da ciência na Alta Idade Média e seu crescimento subsequente no Renascimento.”
Hodgson também foi testemunha e defensor apaixonado do realismo como condição para um uso saudável da razão e, portanto, também do conhecimento científico. “Pode-se ignorar a realidade durante um tempo – dizia –, mas quanto mais tempo ela é ignorada, mais tremendo será o acerto de contas.” Em uma recente conferência em Trieste (Itália), disse: “A verdade do cristianismo, da teoria atômica ou do sistema heliocêntrico, não se apoia sobre uma coisa só ou alguns argumentos lógicos. Apoia-se, ao contrário, em qualquer caso, sobre um enorme acúmulo de experiências pessoais... [sobre a] convergência de um vasto número de indícios separados, não sendo nenhum resolutivo por si só”.
Peter Hodgson descobriu e fez sua uma concepção ampla de razão. Assim, encontrando o carisma de Dom Giussani, imediatamente sentiu-se em casa. Tanto que, no ano passado, em Londres, aceitou com entusiasmo, apresentar o livro Educar é um Risco com Julián Carrón. Em Peter, a vastidão do conhecimento mantinha toda a audácia do olhar simples sobre a realidade, de modo que qualquer aceno seu parecia subentender “como é belo o mundo e como é grande Deus!”.

*docente de Astrofísica na Universidade dos Estudos de Milão

Peter Hodgson foi físico nuclear, mas dedicou especial atenção à história da ciência na Idade Média e a Galileu, escrevendo vários artigos e livros sobre esses temas. Lecionou na Universidade de Oxford por 40 anos, foi membro do Conselho da Associação de Cientistas Atômicos e editor de sua revista por algum tempo. Escreveu cerca de 300 artigos científicos e 16 livros. Foi ainda consultor do Pontifício Conselho para a Cultura, do Vaticano.

 
 

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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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