“Isto me liberta, alguém para seguir”
Oi, Julián, escrevo de uma cama, onde preciso ficar deitado do lado esquerdo para que meu pulmão chiante fique grudado nas costelas. Neste momento meus amigos da universidade devem estar ouvindo você em Rímini e, pensando no que estou perdendo, me dá uma tristeza no coração que não sentia há anos. Fazia tempo que não perguntava de maneira tão urgente sobre o significado das coisas, o porquê daquilo que me acontece. Nestes dias, não podendo fazer outra coisa, estou lendo muito, e pensando muito também. Percebo, mais uma vez, quão pouco sei gostar da minha namorada e da minha família; escuto música clássica (eu, que cresci escutando só punk) e me comovo, porque exprime a minha mesma urgência atual. Olho para fora da janela e penso em todos os projetos que tinha feito: os Exercícios em Rímini, visitar meu irmão em Madri, passar algumas semanas na África ajudando o pai médico de um amigo meu, ir ao Peru, do qual Dado fala tanto, esquiar... porque, estar parado é, sem dúvida, o maior sacrifício que me poderia ser pedido. No entanto, no fundo do coração, sinto uma gratidão imensa pela minha vida. É exatamente isso que me comove: reconhecer dentro desta dificuldade, um pedido de sentido incessante: mas, por quê? E, se não sei amar até o fundo, há alguém que me quer bem; e agradeço a Nossa Senhora, a quem confio esses relacionamentos tão queridos. Porque, mesmo que não consiga entender a música clássica, choro ouvindo este CD! E, embora quando estão em casa, façam uma bagunça tremenda, eu não poderia imaginar uma família tão bonita! E muito mais. É incrível como essa situação dobra o meu orgulho diante de uma gratidão imensa. Porque não consigo fazer outra coisa a não ser pedir tudo; e se me operarem, precisarei pedir ajuda até para ir ao banheiro. É realmente grande a vida e é real-mente bonito descobrir como, aos poucos, na dificuldade e na dor, assim como através das pessoas mais queridas, transparece algo a mais naquilo que acontece. Quando, quinta-feira de manhã, os médicos me disseram que eu precisava ficar no hospital, depois de alguns instantes de desconforto, disse a mim mesmo: “A vida nunca me traiu, porque deveria começar exatamente agora que está ficando fascinante?”. Porque estou gostando muito de viver. E, então, tomei essa situação como um desafio: “Vejamos se aquilo que acontece me faz apreciar menos as coisas!”. Como é interessante crescer em um desafio, mesmo deitado e com um buraco no pulmão. Escrevo, porque vejo que você me faz companhia nessa “gostosa” urgência da vida! Porque, olhando para você e algumas outras pessoas, é possível perceber que este pedido que agora sinto tão forte, e que não quero abandonar, encontra uma resposta. Isso me liberta. Alguém para seguir.
Giacomo, Milão – Itália
O nosso nada diante do tudo
No dia 7 de novembro, fomos chamados ao hospital porque nossa mãe tinha passado mal e estava inconsciente; soubemos que ela estava em coma em estado gravíssimo, pois havia se rompido um aneurisma no seu cérebro, que ninguém sabia que existia até então. Começamos a entender que ela poderia morrer a qualquer momento. Daí, começou a semana mais difícil de nossas vidas, porque, enquanto os médicos começaram o protocolo de morte cerebral, ainda restava um fio de vida nela, que garantia sinais vitais mínimos, mas que a sustentou até a sua morte, no dia 14 seguinte. Pedimos, insistentemente, um milagre a Nossa Senhora e a Dom Giussani, e ele aconteceu: o milagre foi reconhecer concretamente a Presença do Senhor entre nós, o que transformou nossas vidas nesses dias, tornou o relacionamento com nossos irmãos e nosso pai mais verdadeiro. Era impossível desviar o olhar, porque a realidade gritava, minha mãe em coma gritava: existe um grande bem escondido aqui, mesmo com a dor. A cada dia que passava, agradecíamos a Ele e pedíamos para aceitar docilmente o modo como Ele havia escolhido para nos chamar para Si. Os dias continuam difíceis, com muita dor e muitas lembranças, mas também com uma grande certeza de que nada que poderíamos oferecer a nossa mãe chega aos pés do que ela possa estar vivendo agora – contemplando o rosto do Senhor e na companhia de Nossa Senhora, que ela tanto amava e respeitava. Os amigos do Movimento, sempre presentes nesses dias, nos ajudaram a entender até o fundo o que estava acontecendo – nossa mãe estava entrando na vida! Nesses dias, lembrar do que Dom Giussani escreveu sobre a oferta, muito nos ajudou a entender o que acontecia: que o Mistério, mesmo que incompreensível, é palpável e nos chama a Si; Ele nos ama e nos quer, por isso chamou nossa mãe, e ela, antes que nós, já experimenta a Sua plenitude.
Sérgio e Silvana, Salvador – BA
Como se diz Passos em coreano?
Em dezembro, contamos como nasceu a comunidade da Coréia do Sul. Agora, do ímpeto missionário daquele pequeno núcleo de pessoas, chega até nós um presente: a edição coreana de Passos. Um simples mas preciosíssimo impresso de quatro páginas, distribuído nas paróquias e nos lugares de trabalho. Abaixo, o que nos escreveu Eugenia, de Seul, “motor” da nova edição.
Todos os meses, Francesco Berardi nos trazia Traces (a edição em inglês de Passos). Comecei a traduzir alguns artigos para o coreano por conta própria, até que disse a ele: “É um instrumento missionário importante. Por que não tentamos fazer uma edição nossa, traduzindo alguns artigos?”. E assim, com a ajuda dos amigos italianos, nasceram estas quatro páginas. Neste primeiro número, na página 1 escrevemos um breve editorial sobre o que é CL; nas páginas centrais há o testemunho de Vicky no Meeting; na última página, a mensagem de Bento XVI, no mesmo Meeting.
Eu, muçulmana, sinto-me
em casa nesta companhia
Caro Carrón, sou uma jovem iraniana, muçulmana, e moro na Itália há cerca de dez anos. Sendo extrovertida nunca tive dificuldades em me adaptar nos vários ambientes sociais e encontrar “amizades”, mas apesar disso sempre havia algo que me fazia sofrer muito. Este “algo” era o não poder manifestar aquilo com o qual cresci e que é determinante na minha vida: minha fé. Todas as vezes que se falava sobre religião eu explicava a todos, sem ter medo de preconceitos, que eu tinha uma fé grande e a reação dos moços e moças da minha idade me deixavam sempre muito perplexa. Tinha o forte desejo de compartilhar com eles a minha fé e a constância com a qual a vivia no cotidiano. Devo esta minha sensibilidade, em grande parte, aos meus pais. Eles foram, durante um longo tempo, meus “únicos amigos”. Depois, encontrei os jovens de Comunhão e Libertação, na universidade! Um dom do Senhor. Finalmente conheci jovens que, como eu, viviam a fé na vida de todos os dias, rezando, por exemplo, antes de comer ou indo à Escola de Comunidade todas as semanas. Quando voltei das férias, Susi me apresentou Max, Gabri, Luca, Monica, Elisa, Maria Chiara e Benni. Pouco a pouco, conheci muitos outros jovens que me maravilharam. No período de um ano, tive uma transformação inacreditável, que me levou a amadurecer muito. Aprendi a avaliar o “desprazer” que sentia quando via meus amigos e aqueles que me eram caros, fecharem os olhos diante de fatos que testemunhavam claramente as obras do Senhor. Em suma, eu, uma moça de religião diferente, encontrei jovens cristãos que me acolheram com grande cordialidade não obstante a minha “diversidade”. Na companhia destes jovens, sinto-me “em casa”.
Mina, Gênova - Itália
Traços inconfundíveis
Foi bonito ver uma procissão de padres, leigos, crianças e adolescentes acompanhando padre Stefano que, depois de três anos de missão em Petrópolis, voltava para a Itália. No aeroporto, ele mostrava para nossas crianças aquele mundo de caminhos, com esteiras que eles nem sabiam que existia. Diante daquilo, lembrei do que Dom Filippo nos falou na Escola de Comunidade: para eles, aquela amizade, aquelas novidades, eram pedacinhos de infinito, eram passos ao destino. Também me lembrei do padre Aldo: quem olhou essas crianças de tal forma? Quem os valorizou assim? Nem eu que sou a diretora da creche. Eu achava que a nossa missão era educar, mostrar boas maneiras, modificar aquelas vidas erradas e mal formadas. Quanta pretensão! Pobre de nós, se não fossem pessoas como Dom Giussani e Dom Filippo no nosso caminho. Quando padre Stefano veio nos ajudar, eu comecei a observá-lo, acho que não perdi uma palavra, uma bronca, não desviei meu olhar desse homem porque ele mostrava, através do seu viver, a beleza, uma grandeza que me feria. Agora, posso entender que essa beleza era a que, ultimamente, ele repetia tantas vezes para nós: é aquela que te escancara para o infinito. E aí, padre Stefano vai embora e eu me encho de tristeza e medo porque não quero tratar e ver ninguém ser tratado como antes dele chegar. Quero continuar a me deixar educar, para viver dessa forma e educá-los assim. Não quero ver esta história acabar. Quero continuar seguindo o Movimento, não porque convém à creche, mas porque é, para mim, o único caminho que corresponde às minhas necessidades e às necessidades daquele povo que tanto amo. É o jeito de viver a Igreja como realmente é. Lá, no aeroporto, as crianças se revezavam nos braços de padre Stefano: duas a duas, de cada vez; cada dupla, um pouquinho. Um homem bem vestido chegou perto de mim e perguntou: “Quem é esse homem que essas crianças abraçam e choram? Nunca vi isto? Adultos chorarem timidamente, aqui, vi várias vezes, mas uma cena bonita como esta, nunca vi”. E completou: “É um padre? Deve ser um homem muito bom”. Este fato me provocou, porque este homem, sem saber, reconheceu os traços inconfundíveis de Cristo. E assim foi nosso padre Stefano mostrando Jesus com a vida. Por isso, tenho por ele uma enorme gratidão.
Carminha, Petrópolis – RJ
A realidade grita
Conheci o Movimento no curso de Crisma, mas estive afastada por 10 anos. Agora, estou de volta há, aproximadamente, dois anos e meio e, nestes últimos meses, me surpreendi com fatos concretos que me aconteceram e renovaram a minha fé. No final do ano passado, estava me sentindo um pouco “morna”, me perguntando o “porquê” de eu estar nessa “companhia”. No trabalho, tinha mil coisas para fazer: fechar projetos, analisar números, participar de reuniões... Além disso, na minha vida particular, tinha que resolver algumas coisas, tomar algumas decisões; quando percebi, estava participando dos gestos quase que de uma forma burocrática, muito mais pelo chamado de alguns amigos do que por reconhecer, de fato, por que eu tinha que ir, participar! Mas, nesse mesmo tempo, começamos a trabalhar o texto de Carrón, “É a realidade que grita: Ele existe!”, e, no início de dezembro, pude ver “a relação entre a razão e a experiência”. Através dos fatos, minha fé foi renovada! Naquele período, minha irmã teve um filho. Depois de uma gravidez complicada – que deixou todos tensos, e a única coisa que minha mãe pedia era para que rezássemos –, ele nasceu! Diante disso, não pude negar a beleza do que havia acontecido: o milagre da vida! E, como a Cleuza disse uma vez, reconheci que nós somos muito frágeis, “nossa vida está como que suspensa por um fio e é um Outro quem a faz, quem a sustenta!”. Além disso, pude verificar um outro milagre: depois do nascimento do meu sobrinho, meus pais que não se falavam durante anos, pois desde a separação não conseguiam mais se relacionar, nem estar no mesmo local (isso desde que eu tinha 3 anos), voltaram a se falar! Um dia, voltando do trabalho, falei com meu pai ao telefone... Ele estava na casa da minha irmã, iria ficar lá naquela semana para ajudar um pouco, e minha mãe também! Eu me dei conta de que, através do amor por essa criança e de tanta preocupação, o que seria um mal aparente (os problemas de saúde da minha irmã), se tornou um dispositivo que unia outra vez meus pais. Cristo, através dessa criança, mudou a vida dessas duas pessoas. E eu não pude negar a Beleza (com “B” maiúsculo) do acontecido: Cristo se faz presente por meio dos fatos e me tira da inércia, me faz ver além da aparência das coisas do meu dia a dia, da superficialidade da minha “vidinha burguesa” (como dizia padre Paulo, no retiro de Natal). E só sou capaz de reconhecer esses fatos por estar em uma companhia que me ajuda a julgar minha vida com a razão, a ter “coragem de usar a razão dessa forma”, como nos diz Carrón. E então, reconhecendo tudo isso, também pude responder à minha pergunta inicial: o “porquê” de eu estar nessa companhia. E como Cristo não deixa nada inacabado, o Natal foi, pela primeira vez, com a família toda reunida.
Rafaela, Rio de Janeiro – RJ
Um encontro que muda a perspectiva
Há alguns meses, em uma paróquia de Latina, um grupo de vinte pessoas que não são do Movimento, se reúnem todas as semanas para ler o livro “É possível viver assim?”, de Luigi Giussani. Uma delas, escreveu esta carta.
Caro padre Giuseppe, estes dias têm sido realmente difíceis para mim. Depois da maravilha inicial, a consciência de que existe uma realidade tão grande com a qual me relacionar me agrada e me assusta ao mesmo tempo, porque sinto que a minha consciência deve responder por tudo o que não quis ver até agora. Mas é bonito acordar de manhã e ter vontade de Deus. Há três meses, era uma pessoa diferente: tinha tudo, mas tinha perdido a mim mesma porque não havia nada que me tocasse realmente, tudo parava na superfície. Precisava do trabalho – até 15 horas por dia –, tinha necessidade de estar no meio das pessoas, do rumor, de voltar para casa à noite quando todos estavam dormindo, tão cansada a ponto de me iludir que amava a vida porque conseguia preencher cada minuto do meu dia. Na família, as discussões, que nasceram com a adolescência, tinham se tornado muros enormes. E, quando eu ficava sozinha, aquela solidão que vem de dentro me assaltava. Acredite, passaram-se poucos meses desde que comecei o percurso de fé que o senhor conhece, e me parece que se passaram anos. Só agora entendi que posso mudar partindo daquilo que tenho, porque eu realmente tenho tudo. Agora, passo mais tempo com a minha família. Recuperar um diálogo morto e sepultado é difícil, mas não impossível. Meus pais sempre foram os mesmos e são maravilhosos assim como são. É a perspectiva com a qual vejo as coisas que mudou. Tenho novos amigos que me mostram, com suas próprias vidas, que é possível viver buscando Algo, mas este algo deve ser a verdade.
Palma, Latina – Itália
No fim do dia
Que diferença grande terminar o dia cheio de gratidão por aquilo que se é ou com raiva por aquilo que não se conseguiu fazer. Para terminar o dia com o coração grato, preciso aprender a oferecer o dia ao Senhor assim que me levanto, quando saio de casa, quando ligo o carro, abro a porta do escritório ou começo a primeira reunião do dia. Por isso, é importante aceitar a realidade assim como é, não inventá-la, não imaginar as coisas, sem “moldá-las” dentro da nossa medida. E para que esta postura seja natural, e não forçada, é preciso atravessar a dor, a tristeza, a pretensão, a desproporção, a insatisfação pela realidade. Mas se a pessoa é fiel ao seu coração, entende que não é ela que a determina, mas o relacionamento com o Mistério. Somente o Senhor determina a minha vida.
Miguel Angel, Madri – Espanha
Credits /
© Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón