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Passos N.168, Abril 2015

VIDA DE CL/ 2

Por que aqui?

por Alessandra Stoppa

Dentre as mil iniciativas dedicadas, em fevereiro, aos dez anos da morte de Dom Giussani, uma ocorreu numa cidadezinha rural entre Barcelona e os Pirineus. Onde algumas famílias largaram tudo para ir trabalhar nas escolas. Assim, “Deus toca o intocável”...

Apesar de todo o esforço, não se consegue juntar as peças desta história. A primeira pergunta que parece não ter resposta é: por que aqui? Sant Hipòlit de Voltregà é uma cidadezinha com pouco mais de três mil almas, no coração da Catalunha e da planície de Vic, terra de santos e de salames, a meio caminho entre Barcelona e a fronteira francesa, aos pés dos Pirineus. Nessa região, teve início a chamada Reconquista. No entanto, hoje, o cristianismo quase desapareceu ali. Quase.
Na casa de Ferrán e Teresa, não há espaço nem tempo. A minúscula cozinha apronta pratos como se fosse um restaurante, há lugar para qualquer um que passe por aqui, a qualquer hora: os amigos começam a chegar quando ainda está escuro, para rezar as Laudes juntos, a mesa fica arrumada até tarde da noite. No dia seguinte, tudo de novo.
Ferrán Riera e a mulher, cinco anos atrás, deixaram Barcelona, a casa, o trabalho e os parentes a fim de responder ao convite do Bispo de Vic para trabalhar em duas escolas da Diocese. “Viemos para Sant Hipòlit junto com nossos filhos e outras três famílias e dois jovens professores”, contam eles. “Aos poucos, nestes anos, chegaram outras treze famílias...”, formando esta comunidade de CL no meio da Catalunha rural: mais de sessenta pessoas entre adultos e crianças. Nem todos trabalham nas escolas, mas formam um corpo só.

Um mosteiro de famílias. Hospedam em suas casas, como filhos, alguns jovens que começam a ensinar nas escolas, mas acolhem sem problema também os que chegam para a “Semana Dom Giussani”: de 6 a 15 de fevereiro. O evento comporta uma série de encontros e uma mostra no teatro da cidade para tornar conhecida a vida de um padre que nem eles próprios conheceram. Ferrán e os seus amigos encontraram o Movimento quando Giussani já tinha falecido. “Em 2007, fizemos a primeira Escola de Comunidade. Éramos pais e mães, todos convertidos já adultos, pessoas que buscavam algo: queriam ser parte da Igreja”, conta Joan Lluís Pijoan, um dos primeiros a chegar aqui, onde nada se perdeu da experiência que tinham começado a viver em Barcelona.
“Se houvesse apenas um pai pedindo escola cristã para seu filho, eu tenho ordem do Bispo de mantê-la aberta”. É o que Ferrán e o amigo Lluís Seguí ouviram de Jordi Bosch, que era o administrador das duas escolas, numa noite de novembro de 2009. Fez contato com eles para ajudarem no projeto educacional, porque se encontravam sempre no âmbito escolar. Dali a pouco, Ferrán se torna diretor pedagógico dos dois institutos: a Escola Mare de Déu de la Gleva, em Sant Hipòlit, e a Escola Llissach, em Santpedor, a cinquenta quilômetros uma da outra, com cerca de seiscentos alunos, dos 3 aos 16 anos. “A situação educacional aqui é desastrosa”, diz Ferrán. “Na educação, a Catalunha está no final da fila da Espanha, e a Espanha está no final da fila da Europa”.
Também Teresa, que era farmacêutica, pôs-se a ensinar. “Aqui a nossa vida se complicou bastante: o trabalho, os problemas econômicos, a casa sempre cheia. Mas quando comecei a impor limites, me sentia triste. No entanto, estes últimos cinco anos são os mais belos da minha vida”.
Meri e Paco, jovens esposos de Barcelona, não tinham nenhuma ligação com a escola, mas ouviam os amigos falarem do projeto educacional. De repente, Paco percebe que é isso que deseja para os filhos e para si mesmo: “Meri, prepare as malas. Vamos com eles”. Tinham uma vida cômoda, e Paco não é alguém que gosta de mudanças. “Pensei comigo mesma: o que será que meu marido viu para chegar a isso? Quis entender, e estamos aqui”. Aqui, onde cada um está encontrando o seu lugar, sem nenhum projeto prévio.
Eva veio de Barcelona com os três filhos. Separada e sem trabalho, hoje é a segunda mãe de todos os filhos dos outros. Um “mosteiro de famílias”, como o chama Glória, médica apaixonada pela vida e por Dom Giussani.

O intocável. Roman é o último que chegou. Estuda na universidade, aqui perto, e encontrou CL há dois anos. Diz logo que está aqui por três motivos: nunca viu um relacionamento entre professor e alunos como nessas escolas; quer ver se o Movimento serve para a sua vida; e quer se tornar “um homem como eles, que não tremem diante das coisas”. Não é que esses homens que ele observa têm na boca e no coração uma coragem especial. “Toda a vida está se concentrando numa só coisa”, diz Ferrán: “A misericórdia do Senhor. É isso que permite que a minha humanidade cresça”.
A “Semana Dom Giussani” também é isso. “Os nossos gestos podem nascer de um nervosismo, porque queremos colher o fruto do que fazemos. Ou podem ser a expressão de um relacionamento que nos faz viver”.
Impressiona, na sala municipal, ouvir Dom Gaetano Corti falar em catalão. Josep Maria Sucarrats, diretor das escolas médias de Saint Hipòlit, está explicando a mostra “A realidade jamais me traiu” e confessa o seu temor: “A gente não pode explicar a vida de quem nos deu a vida”. Ao invés, justamente com essa dor, comunica uma grandeza que nunca termina de descobrir. “Pense que eu estou entendendo agora, aos 60 anos, uma coisa central”, lhe diz Franco Nembrini (diretor da escola italiana La Traccia di Calcinate, em Bérgamo), que é um grande amigo da comunidade daqui e é um dos relatores da Semana. “Giussani não diz que educar é fazer com que os jovens se tornem cristãos. Antes, é introduzi-los na realidade. Que confiança total! No coração deles e na realidade feita por Deus”.
A caminhada nas duas escolas e no povoado é dura, sob muitos aspectos; não falta hostilidade à fé e à sua presença, mas a mostra, mesmo para quem montou painel por painel, é uma libertação. Ferrán diz: “Tomar consciência do amor imerecido e incompreensível que nos alcançou, com Giussani, desperta em mim o desejo de viver tudo. E a segurança de que vence quem abraça mais forte”.
À noite, há o encontro “Por que a Igreja?”. Um dos convidados avisou que não viria, mas aqui até o imprevisto é bem recebido. No teatro, estão os amigos de várias partes do mundo, alunos e pessoas da cidadezinha. Nembrini, José Miguel Oriol, editor de Madri, e Enrico Magistretti, arquiteto de Milão, relatam seus encontros com Giussani, o que isso acarretou na vida deles e na vida da Igreja. No meio do diálogo, a pergunta do moderador agita: “Mas Giussani morreu, e eu?”. A resposta é, mais do que as palavras, uma amizade que chega até aqui e agora. Oriol diz: “Pertencemos a uma misteriosa comunhão que faz o mundo, por força de um Acontecimento na história”.
Há também um breve vídeo de Josep María Ballarín, sacerdote e escritor famoso em toda a Espanha, que teve a oportunidade de se encontrar com Giussani. “A gente sentia paz quando ele estava por perto. E não possuía o jeito de um fundador: nele havia a distância de quem sabe que a obra vem de Deus. À Igreja, doou a experiência de uma amizade que, em vez de aprisionar, nos faz livres”.
Uma amizade que não permite que o padre Joan Prat, jovem sacerdote de uma cidade vizinha, se sinta sozinho: “A Igreja precisa do Movimento, porque é uma companhia também para nós padres. Estas famílias me convidam para entrar em suas casas e me remetem a Cristo”.
Depois das atividades dialogamos, sem cansaço, sobre a vida. Há também amigos italianos, que trazem uma história simples de voluntários no Meeting de Rímini. Todos aqui. “Mas por que justamente aqui?”. No dia seguinte, também Enric Vendreli, diretor geral dos assuntos religiosos do Governo da Catalunha, não está muito convencido. Com ele, diante de duzentas pessoas, estão o Bispo de Vic, Romà Casanova, e o prefeito e deputado do Partido Socialista catalão, Sergi Vilamala. É o encontro conclusivo da Semana. O Bispo e o prefeito se confrontam com o livro de Nembrini A arte de educar, de coração aberto, falando de si mesmos e da necessidade terrível de sentido e de pessoas que têm uma esperança.
Enfim, a missa. O Evangelho é o do leproso curado por Jesus. “Deus toca o intocável”, diz o Bispo. “Eu pedi durante cinco anos, diante do Santíssimo, que chegassem famílias cristãs. Deus é grande. Sejam fiéis ao carisma de vocês: sejam o que são. Sigam a sede que Dom Giussani carregava no coração e o seu amor pela realidade”. Ao ouvi-lo, Lluís Bou se comove. “Hoje me sinto mais filho da Igreja e de Cristo”. Aos 30 anos, de Maiorca, Lluís encontrou o Movimento na universidade enquanto vivia dilacerado, sempre no limite. Hoje é o único Memor Domini homem de toda a Catalunha, e mora na casa de Ferrán. “As contas não fecham. Só sei que estudei jornalismo e agora leciono. A pergunta Por que estou aqui? está cada vez mais aberta”. Não porque não exista uma resposta, mas “porque a vida é verdadeiramente, em todos os momentos, o misterioso chamado, a misteriosa relação com o Pai”.

Nada como antes. Para a missa, está presente também Jordi Bosch, o ex-administrador que deu início a essa história. Hoje não trabalha mais na escola, mas nessa aventura “encontrei tudo”, diz. “Sempre vivi a fé como um ato de vontade: o encontro com o Movimento me deu a fé verdadeira. Nada mais é como antes”. Tem 50 anos e há um mês se casou com Mariví; juntos se inscreveram na Fraternidade. “Não podemos mais viver sem o olhar que Giussani colocou na nossa vida”, diz ela, que era ateia. Outro exemplo é Ferrán, que, quando se casou, tinha decidido não ter filhos, porque não fazia sentido colocar alguém no mundo, e estava convicto de que “a única Igreja que ilumina é aquela que queima”. Quando sua filha Anna, de 10 anos, lhe perguntou Por que estamos aqui? , pôde lhe dizer somente a verdade: “Não há coisa maior para a nossa vida do que construir a Igreja”. Deus toca o intocável.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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