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Passos N.168, Abril 2015

ASSEMBLEIA AMÉRICA LATINA

A verdadeira suerte

por Alessandra Stoppa

Uma semana depois da Audiência com o Papa, a Assembleia de Responsáveis de CL reuniu no Brasil trezentas pessoas de toda a América Latina. Três dias para testemunhar o que aconteceu durante o ano. E evidenciar “a nossa sorte”

Tudo na nossa vida começa com um encontro”, disse o Papa. E não antes, não depois: agora. A Audiência aconteceu há uma semana e Alexandre, médico de São Paulo, conta sobre o encontro com alguns alunos seus. “Já podemos todos ir para casa”, diz padre Julián Carrón depois de tê-lo escutado, desafiando os trezentos participantes da Assembleia de Responsáveis da América Latina (Aral), vindos de vinte países. Alexandre é professor na Faculdade de Medicina, onde o clima é tenso, pois os movimentos estudantis se multiplicam para lutar por todo o tipo de direitos. Fala da amizade que nasceu com alguns alunos que lhe procuraram com uma pergunta: “Queremos ser médicos mais humanos, como o senhor: é inato ou é possível aprender?”.
Ouvindo a sua história, Carrón vai mais fundo: “Nós realmente acreditamos que a fé tem uma atração? Dois mil anos depois, acontece a mesma coisa. O último que chega percebe a novidade que tomou a nossa vida, a diversidade com a qual fazemos as coisas. Ficamos inquietos diante dos desafios, pensamos que a alternativa seja a luta frontal ou a impossibilidade de sermos nós mesmos na realidade. Respondemos às aparências, mas, ao contrário, é preciso apenas viver o tesouro que nos foi dado”. É assim que se abre no outro uma luta, como no coração daqueles estudantes, uma luta que o mundo não vê, mas que de repente explode em pedido: “Quero manter contato com o senhor”. É o “método de Deus”. Esse tema voltará muitas vezes durante a Assembleia, que começou com o vídeo da Audiência com o Papa. Foram três dias dominados por aquele fato, que continua acontecendo aqui. “O ponto de partida é esse: o que nos aconteceu em Roma?”. Ou a dez quilômetros de distância. Eram quatro e meia da manhã do dia 7 de março e Silvia acompanhava a transmissão ao vivo na sala de sua casa em Lima, no Peru. Quando a transmissão terminou, seu marido Ivan, grande e forte, chorava. Disse apenas: “Meu coração explode por causa do modo como Cristo me ama”. “Fomos a Roma para sermos abraçados por Sua Presença dentro das circunstâncias em que nos encontramos”, diz Carrón: “O Papa fez acontecer aquilo que dizia a nós”. Alguém que chega e me ama, mesmo sabendo tudo sobre mim, mesmo assim me chama, espera em mim, espera algo de mim. “Naquele sábado, fui alcançado novamente pelo olhar que, um dia, transformou a minha vida”, diz Bracco, responsável pela comunidade do Brasil: “Exatamente quando estava perdido nas minhas coisas, como Mateus”. Como Abraão. “Escolhe a mim, a você, a cada um de vocês. A eleição de um homem”, diz Carrón: “Assim, Deus muda o mundo, mesmo que pensemos que isso não tenha incidência. A única coisa que é preciso fazer é nos convertermos: viver com a consciência de sermos amados é o fato político, cultural e social mais relevante que existe”. Em muitos dos países representados na Aral, o cotidiano é feito de grandes provações. Mas o modo com o qual Deus age desarma como um abraço desarma a violência e é tão desproporcional quanto um pequeno povo de jovens, mães, pais e missionários espalhados pela vastidão da América Latina.

Fé e rock. Os amigos venezuelanos vivem uma carestia (ver p. 14). Padre Leonardo é de Caracas: “É a realidade que me descentra. Tudo o que está acontecendo me leva a reconhecer mais a ternura da misericórdia sobre a minha vida”. A unidade renovada da comunidade, a ponto de ficarem na fila da farmácia procurando não só os medicamentos que precisam para si, mas pensando nas necessidades de todos; a ternura com a qual se percebe olhando para o chefe de polícia em um confronto com os estudantes; os amigos que não têm dinheiro, mas pagam o Fundo Comum “porque o Movimento lhes dá, em retorno, a vida”. E aqui, na Aral, chegam bolsas e malas de outros países, com comida e remédios. “Sentimo-nos como os primeiros cristãos”: diz, comovido, Alejandro, que acabou de ganhar um par de calças jeans de um amigo colombiano.
Oliverio tem 39 anos e vive em Coatzacoalcos, Estado de Vera Cruz, entre os mais violentos do México. Trabalha na empresa do pai que, alguns anos atrás, foi sequestrado e morto. Escutando o Papa, lembrou-se de sua história: “Tocava em uma banda, usava drogas e bebia. E a morte do meu pai salvou a minha vida, porque foi aí que encontrei o Movimento. Tudo o que tenho hoje é por causa dessa misericórdia”. Agora, ele também é pai de três filhos e, com alguns empresários, tocados pelo seu desejo de arriscar, iniciou um projeto para ajudar sua cidade e, mesmo vivendo em um lugar tão massacrado, não perdeu a paixão pela vida (e nem pela música, pois acabou de gravar um disco de rock). Padre Julián de la Morena, responsável por CL na América Latina, fica impressionado com esses amigos cada vez mais envolvidos nas realidades de seus países: “No caminho, nos tornamos mais conscientes de que toda a nossa contribuição é a construção do povo: um povo que carrega nos olhos a experiência de João e André”.

Tapinha nas costas. Nos três dias de encontro, começam juntos o caminho que o Papa propôs e isso é feito tendo presente a “preferência do Mistério” que, como diz Carrón, alcança a cada um “não com um tapinha nas costas, mas através daqueles que nos falam de Cristo e da sua misericórdia, daquilo de que precisamos para viver. Ficamos confusos quando falamos de preferência porque não conhecemos a nossa necessidade: somos preferidos porque O encontramos! A nossa sorte está toda aí”.
Santiago, 33 anos, argentino que mora no Uruguai, pergunta o que quer dizer: “Sejam livres!”. Ele conta: “Fui mandado embora do meu emprego, e, de forma alguma, me sinto livre. O que significa sê-lo?”. Carrón responde: “O Papa disse: sejam livres! Então, comece agora: seja livre, a partir deste momento. Arrisque. Exatamente a partir dessa frase, faça uma hipótese partindo da sua experiência. Melhor errar do que não ser livre. Por isso, me diga você: o que a proposta do Papa diz a você e à sua situação? Onde você encontra a liberdade?”. Santiago conta que começou a procurar outro emprego, mas que isso não o deixou livre. E que rezou muito, o que o deixou “um pouquinho livre...”. Responde Carrón: “Ficamos encurralados duas vezes. Além de perder o trabalho, também temos o problema de não conseguirmos ser livres. Então, leiamos o que o Papa diz sobre a liberdade: ‘Giussani educou para a liberdade, guiando ao encontro com Cristo, porque é Cristo que nos confere a liberdade autêntica’. É um fruto do nosso esforço, das nossas energias? Não. Então, o que nos dá liberdade?”. Comece a pensar no encontro de João e André com Jesus: o maravilhamento que os deixa plenos de silêncio, aquela despedida sem se despedirem porque são uma coisa só e, depois, André, que chega em casa e abraça a mulher chorando: “O que aconteceu?”. Era ele, mas era outro. Assim, Carrón deixa evidente a todos que não somos livres, mas libertados, que a liberdade é toda dada. “Você precisa verificar isso na sua experiência”, diz a Santiago: “Pode ver se você se percebe livre, não na teoria, mas realmente, e de onde nasce essa liberdade. Não posso, eu, responder. Não posso lhe poupar disso. Este é um exemplo do trabalho que devemos fazer com a proposta do Papa”.
No dia da Audiência, Cleuza e Marcos Zerbini também estavam presentes em Roma. “Fiquei comovido ao ver aquele povo”. Assim que começa a falar, as lágrimas escorrem pelo rosto de Marcos. Ele, que conhece as grandes multidões através das milhares de pessoas da Associação dos Trabalhadores Sem Terra: “Mesmo vindos de todas as partes do mundo, éramos uma coisa só. O problema não é pertencer a um povo, mas dar-me conta disso. Não considerar isso óbvio”.

Na foz. “A beleza daquilo que me aconteceu precisa de tempo”, diz Cleuza: “Agora, só sei que vivo com outro coração; em qualquer lugar que eu esteja”. No dia seguinte ao encontro de Roma, já estava imersa nas reuniões de trabalho: “Mas era a mesma coisa que estar na Praça. Se Cristo é o meu centro ou não: isso faz a diferença”. Faz um exemplo simples, como ela: “Ficamos hospedados no hotel de amigos, mas eles estavam viajando. Tinham preparado tudo para nós, em um terraço naquele lugar belíssimo... No entanto, não foi tão bonito como das outras vezes: porque faltavam eles. Com Cristo, é a mesma coisa”.
“Deixemo-nos desafiar pelas coisas bonitas que acontecem: pelas ações de Deus”, é o convite que volta nas Assembleias, onde emergem problemas, perguntas e cresce o desejo de não querer sentir-se seguros e suficientes, mas saídos de si mesmos. Giovana, uma brasileira que acabou de se formar, se vê “descentrada” da companhia “porque ela não resolve os meus problemas como espero, mas me sustenta”. Enquanto Horácio, que estava escrevendo um artigo desesperador sobre a situação política da Argentina, para de escrever e descarta o comentário redigido: “Essa análise me ajuda no relacionamento com minha mulher? Ajuda-me a viver?”. A pessoa vale mais que o mundo inteiro, e a presença ativa de Deus está nas dobras das vidas que são compartilhadas nos cafés, almoços e jantares. Os jovens universitários vieram ao encontro pela primeira vez e padre Marco, em missão há anos trabalhando com eles, olha-os, agradecido: “A beleza deles faz tudo valer a pena. É isso que me ajuda e me faz desejar dar a vida, como os testemunhos que vejo aqui: uma corrente de sim, que permite o meu”.
Claudia, de Macapá, na foz do Rio Amazonas, também está na Aral pela primeira vez. Depois da projeção do vídeo sobre Dom Giussani, na última noite, sente-se como quando encontrou o Movimento: “Tudo o que esse homem disse, até o fim de seus dias, é para mim: queria dá-lo a mim. Fez -me entender a dimensão do sacrifício de Cristo para a minha vida”.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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