AQUELA PERGUNTA ENTRE
AS MIL BATALHAS DA VIDA
Caro padre Julián, fui a Tókio a negócios. Sou artesão e trabalho sozinho há trinta e cinco anos. Há muito tempo, preparava essa viagem me dedicando e me aperfeiçoando o máximo possível para poder levar o meu melhor e, pelo menos como intenção, não precisar “bater às portas”, mas “derrubá-las”, ouvir os outros dizerem: “Nossa, como você trabalha bem”, e talvez assinar alguns bons contratos, daqueles que mudam a vida. Numa manhã, fui a um importante distribuidor, sem hora marcada. Cheguei por volta das 10h e, só ali, percebi que abriam às 11h. Precisava esperar uma hora, e isso me impactou terrivelmente porque entendi como sendo um obstáculo, um impedimento que se colocava entre mim e o objetivo. E percebi que, no fundo, vivo grande parte dos meus dias assim, como havendo um obstáculo entre mim e a meta que fixei, o roteiro que estabeleci, acabando, inexoravelmente, por não aproveitar nada. O fato é que deveria esperar e aproveitei para ler o texto da Jornada de Início de Ano que saiu em Passos meses atrás e que carregava comigo. Já no início, você perguntava: “O que é que nos faz ser, agora”? Tente imaginar: estava ali, absolutamente decidido, para levar para casa o resultado da vida! Por instinto, teria imediatamente guardado aquela pergunta no arquivo denominado “inutilidades” e teria seguido em frente, procurando algo mais “concreto”. Porém, quem sabe por que brecha aquela pergunta abriu um espaço e, naquele momento, renasci. Todos os dias, vou ao trabalho a pé. Uns vinte minutos de caminhada. Quase sempre acontece que, enquanto estou perdido em meus pensamentos, me surpreender com alguma coisa. Tomando consciência das coisas, dou-me conta também de mim. Volto a viver e, como diz o Evangelho, os olhos que não viam começam a enxergar e os ouvidos, a escutar. Renasço, saio do nevoeiro. E para tirar dessa palavra a falta de clareza e poesia inútil, renascer, para mim, significa “existir”, sentir de novo o sangue correr nas veias, enxergar, escutar, surpreender-me e me comover novamente, sentir a minha saudade ou tristeza, quando aparecem, mas também a paz pela misteriosa Presença que acontece no suceder das coisas. Existir. O círculo se fecha e volta a pergunta da Jornada de Início de Ano que me surpreendeu em Tóquio, enquanto jogava a última cartada. Que força é encontrá-la na experiência, entre as idas e vindas das minhas batalhas cotidianas! Que beleza quando as coisas não são um obstáculo, mas a possibilidade de renascer. Não tem nada haver com inutilidade! Muito diferente de algo muito frágil para sustentar a vida!
Marco, Ravenna (Itália)
UM CAMINHO
TOTALMENTE HUMANO
Quando participei da assembleia com Carrón em setembro, em São Paulo, foi profunda a alegria que senti com a experiência de minhas duas amigas e suas filhas ali comigo. É uma confirmação da experiência que faço com meus filhos, principalmente com o Pedro, portador de Síndrome de Down. Ele é meu filho, um homem com um cromossomo a mais; mas, como todos sabem, um olho torto já faz diferença, então ele mal sabe ler, tem um rebaixamento intelectual e as dificuldades inerentes à sua condição. Uma pessoa me provocou afirmando que o Pedro ficava quietinho em nossos encontros, e eu repliquei que ele não conhecia outra vida, pois desde cedo eu o levava aos encontros, quando ainda mamava. Entretanto, nasceu em mim uma sensação de não estar dando a ele uma vida real, de estar forçando-o a viver no Movimento, de que talvez ele só viesse por eu não lhe dar escolha. Em dezembro, aconteceu o retiro de Natal e, no mesmo dia, meus sobrinhos iam ao Parque Ibirapuera andar de skate. André, meu filho mais velho, queria participar do retiro, então insisti com Pedro que fosse com os primos. Afinal, andar de skate deveria ser “mais legal” que participar do retiro. Pedro recusou, e fomos dormir no sábado sem definição. No domingo, acordei cedo e novamente propus a ele que fosse ao parque; depois do retiro, eu o pegaria. Ficar o dia todo ouvindo o padre Vando, fazendo silêncio, comendo lanche e participando de assembleia deveria ser bastante entediante para quem não entende. Pedro ficou irredutível, queria ir ao retiro. Eu não conseguia entender, mas o levei. Ele sentou, ouviu, participou da missa, e viemos embora. Neste dia, também avisei a alguns amigos de que ele faria sua primeira comunhão no Natal, e várias pessoas comentaram como ele parecia feliz. Durante a semana, em casa, comecei a ouvir algumas falas e as músicas que cantamos no retiro. De início, pensei que fosse minha imaginação, dado que as músicas são conhecidas por mim há anos. Entrei no quarto e lá estava Pedro ouvindo as músicas e acho que até algumas falas do padre Vando, que ele tinha gravado. Fiquei impressionada, comovida, querendo chorar, porque de repente me dei conta do que é “um caminho totalmente humano”, uma frase que ouço há anos e que nunca havia ficado totalmente clara. Ali entendi que a pessoa não precisa entender tudo, “pois até os cachorrinhos comem as migalhas que caem da mesa de seus donos”, como nos ensina o Evangelho. Não existe dicotomia, existe apenas um caminho que é oferecido a todos. Meu rapaz fez sua Primeira Comunhão na noite de Natal, e foi maravilhoso. Ele ficou feliz de verdade, e percebo que, quando vamos à missa, ele é o mais feliz, pois sabe que vai comungar, e cresce em mim a gratidão ao padre Julián, ao padre Vando e a todos os nossos amigos que acolhem meu filho nesta companhia.
Cida, São Paulo (SP)
EU, ELE E UM CORAÇÃO QUE FUNCIONA
Caríssimo padre Julián, agradeço pelo trabalho que está nos propondo nos últimos meses e, através de você, também agradeço ao Papa Francisco, porque nas suas palavras durante a Audiência, percebi o mesmo convite à minha conversão. Conto um fato que, para mim, marcou uma reviravolta no trabalho cotidiano. Estava conversando sobre Deus e sobre o casamento com meu noivo, que não é cristão, e ficou evidente, como em tantas outras vezes, a diferença das nossas posições. Porém, desta vez aconteceu algo, porque ele me perturbava com suas provocações sobre o fato de que Deus não existe e dei-me conta de que normalmente o olho não por aquilo que é, mas por aquilo que eu gostaria que fosse e, no fim, perco o melhor. Graças às suas provocações eu, de fato, comecei a me perguntar: “O que estou defendendo? Um belo discurso ou um fato real?”. Eu sei que Deus existe por causa dos rostos e dos fatos que, naquele momento, poderia enumerar um a um: então, por que eu devo mudar o método e tentar convencê-lo com a dialética?! Percebi que estar com esse homem sem enganar, olhando-o por aquilo que é e com o meu coração “funcionando bem”, com toda a sua sede de verdade e de realização que nenhum discurso pode saciar, é ocasião privilegiada, para mim, de fazer novamente o trabalho de conhecer mais Aquele aconteceu e não se cansa de acontecer de novo, nem mesmo quando o reduzo a um “belo discurso”. Por isso, vejo como única esperança para mim e para todas as pessoas em minha volta, essa contínua conversão, esse contínuo deixar-se “descentrar” por Quem fez o nosso coração tão bem a ponto de não se deixar satisfazer por nada menos do que Ele.
Cecilia, Shangai (China)
É POR ISSO QUE VOLTEI
PARA PERTO DESTA COMPANHIA
Caro Julián, há algum tempo me afastei do Movimento porque estava muito desgostoso. Afastei-me de todos os meus amigos sem dar nenhuma explicação. Pensava que eliminando o lugar onde tudo pode ser olhado, também eliminaria os problemas. Comparando-me com os meus colegas, notava em cada um deles um mérito, um talento; em mim, porém, somente defeitos e todas as coisas que não sabia fazer. Meus dias transcorriam vazios e tudo era empobrecido por essa imagem que tinha de mim. Como consequência, até o estudo ia mal. Sempre me impressionou o trecho do livro O senso religioso onde Giussani diz que o homem é uno. Enfim, o juízo que tinha sobre mim condicionava todas as coisas. Discutia com Deus e o acusava de ter cometido um erro ao me criar. Algumas semanas depois, convidaram-me para a Escola de Comunidade da quarta-feira. Decidi ir só para evitar mais discursos, para ser deixado em paz. Mas, logo no início, uma frase me marcou: “Eu não existia, e Ele me criou”. Para mim, foi uma libertação. Parecia que você estava falando somente comigo. Ali, percebi mais uma vez que Cristo está sempre em ação, não nos abandona, mesmo se deixamos tudo. “Antes eu não existia e, depois, sim”. É uma coisa muito simples, mas não há nada mais evidente. Depois, pensei que se naquela noite tinha sido agarrado novamente por Ele, isso significava que ao me criar, me quis assim como sou. Entendi que o problema está em ser olhado, com todos os limites e defeitos possíveis, sabendo que não sou definido por eles, e consciente de ser necessidade infinita. Naquela noite, voltei para casa eufórico. Todavia, sabia que aquela euforia passaria logo, se eu não fizesse um trabalho. Era preciso algo que todos os dias me lembrasse das minhas exigências e da minha necessidade. Então, pouco a pouco, me reaproximei. Os Exercícios dos universitários foram fundamentais. Ali também, parecia que você falava para mim. Estava perturbado com o quanto Ele me conhece e sabia que tinha vindo me tomar novamente. Não importa o quanto errei ou quanto estive longe. É sempre possível retornar. A partir daquele momento, tudo renasceu: o relacionamento com os amigos foi retomado, e de modo mais verdadeiro do que antes, no estudo há uma curiosidade que antes não havia. Até a caritativa foi uma redescoberta. Fui falar com as Irmãzinhas do Martinengo e lhes contei tudo. No fim, uma me disse: “A criança que você acompanhava sempre pergunta por você”. Tinha ido lá só duas vezes e tinha muita dificuldade. Achava que não podia ajudá-lo no estudo. Ali, entendi que o problema dele, assim como o meu, não é conseguir fazer algo, mas ser olhado. Um mês atrás estava escandalizado porque todas as minhas certezas tinham caído por terra. Agora, agradeço todas as manhãs porque até essa circunstância, até o período mais doloroso foi um modo para vir me retomar, para me ajudar a reconquistar todas as razões. Sempre fico impressionado com aquilo que você diz sobre o cristianismo, ou seja, que se alguém tem a pretensão de chegar a um ponto de quietude, a vida torna- -se um túmulo. Para mim, tinha se tornado isso, fiquei fechado no formalismo, fazendo tudo porque “precisava”. Rezo para que Ele nunca me deixe ficar tranquilo.
Marco
DOMINGO NA CASA DE ROD
No verão de 2013, estava conversando com alguns amigos sobre a necessidade de fazermos caritativa. Depois de ter discutido um pouco, decidimos ir visitar, aos domingos à tarde, Rod, um tetraplégico que já era amigo de alguns de nós. O desejo de me deixar educar por um gesto de caridade contrastava, porém, com a vontade de passar o meu tempo fazendo outra coisa. Além disso, pensava que talvez algum outro gesto teria sido mais conveniente, mas ao mesmo tempo intuía que somente empenhando conscientemente meu tempo e minhas energias poderia ser educado por aquilo que estávamos por fazer. Falar com um amigo ajudou-nos a olhar com mais atenção para o nosso desejo, assim começamos a programar mais sistematicamente as nossas visitas. Sair de casa para ir visitar Rod tornou-se uma escolha consciente de dedicar o meu tempo a algo que estava além dos meus programas, desejando que, de cada visita, pudesse surgir algo novo. Olhando para nossos filhos, percebi que não há nada que desejo mais para eles do que essa abertura a algo diferente e maior do que nós, então eu e minha mulher decidimos levá-los algumas vezes, para passar a tarde com Rod. Um domingo, estávamos nove pessoas em volta de Rod, conversando com ele e cantando, acompanhados por um violão e um ukulele. Primeiro, pensei que aquilo era ridículo, quase estúpido, estarmos tantos fazendo companhia a uma única pessoa, mas, depois, percebi que Rod não tinha mais se lamentado, e que eu tenho muito mais do que nove amigos perto de mim. Comecei a desejar para mim, o mesmo senso de gratidão pela vida que ele tinha. Rod morreu na vigília de Natal. Quando recebemos a notícia, minha mulher me disse: “Perdemos uma das coisas mais bonitas que tínhamos”. É realmente verdade que a caritativa é uma das experiências mais verdadeiras e educativas que posso viver.
Lucas, Vancouver (Canadá)
TUDO NO ENCONTRO
Escrevo para contar aquilo que vivi no encontro com o Papa. Eu tinha mil “razões” para não estar lá, pois tinha acabado de chegar ao meu novo trabalho e meu chefe poderia não ver com bons olhos o meu pedido. Conversei com minha Fraternidade e eles me ajudaram neste passo. Falaram que nada mudaria no meu trabalho nestes dias e que eu abraçasse este momento que estava sendo dado para mim! Então, meu novo chefe me incentivou para que eu fosse. E, chegando em Roma, pude ver a grandiosidade da nossa experiência, do nosso povo, da nossa Igreja e do nosso Papa! Voltei para casa com o coração cheio da paz que o Papa nos transmitiu. Inegável meu novo início e o desejo de viver esta experiência cada dia mais. Este é o caminho que o Senhor me deu. Nada de novo! A novidade é o encontro que fiz.
Ana Beatriz, Rio de Janeiro (RJ)
Credits /
© Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón