Buscavam a felicidade
O Papa Francisco, referindo-se ao naufrágio no qual morreram cerca de 700 imigrantes clandestinos na costa italiana, em 19 de abril, disse: “Dirijo um urgente apelo para que a comunidade internacional aja com decisão e rapidez, a fim de evitar que semelhantes tragédias voltem a repetir-se. São homens e mulheres como nós, nossos irmãos que procuram uma vida melhor, famintos, perseguidos, feridos, explorados, vítimas de guerras; procuram uma vida melhor. Procuravam a felicidade”.
Com a globalização, migrantes em fuga de guerras, perseguições, pobreza ou catástrofes naturais procuram melhores condições de vida em países da União Europeia, nos Estados Unidos e até no Brasil (que recebe grande quantidade de refugiados das regiões em conflito da África ou que fogem da pobreza na América Latina). Porém, “a globalização nos torna mais vizinhos, mas não obrigatoriamente mais irmãos” (Bento XVI, Caritas in veritate, 19). A acolhida aos refugiados se tornou não apenas um problema socioeconômico, de oferecer abrigo, alimento e trabalho para os que chegam, mas também ético e político, de reconhecimento do seu direito de procurar uma vida melhor (ou simplesmente de fugir da morte certa) e do dever da comunidade internacional de dar-lhes abrigo.
Enquanto refugiados continuam chegando em massa na Europa, principalmente na Itália, é evidente o desconforto dos governantes e de boa parte da população diante do problema. O governo inglês e o alemão, por exemplo, se propõem a dar auxílio aos refugiados, mas não querem dar asilo a eles em seu território. As direitas de vários países, como a França, alegam que os migrantes estão “roubando empregos” da população local.
O problema de fundo é a “cultura do descarte”, a perda da percepção do valor da vida e da pessoa humana. O aborto, a eutanásia, a exclusão social dos doentes e a falta de acolhida aos refugiados são sintomas de uma mesma postura cultural, da mesma incapacidade de acolher o outro de forma gratuita e desinteressada, de ser solidário para com outros que sofrem. Quando nos comportamos assim, fazemos do outro objeto para nós mesmos e para o mundo, mas não percebemos que também estamos permitindo que o mundo, e os que detêm o poder, façam de nós mesmos objetos, criando o paradoxo de uma sociedade que se desumaniza apesar de ter cada vez mais recursos para atender às necessidades humanas.
Somente a gratuidade e a acolhida permitem que nós reconheçamos a dignidade e o valor do outro – e quem não reconhece a dignidade e o valor do outro acaba perdendo a consciência da própria dignidade e do próprio valor. Deus é o primeiro que nos acolhe e a experiência de ser acolhido por Ele levou os cristãos, ao longo da história, a construir grandes obras sociais e a reconhecer a universalidade dos direitos humanos. Essas obras e esses direitos universais estão na origem das políticas públicas e da jurisprudência dos Estados modernos. O drama da não acolhida aos imigrantes mostra como tudo isso pode ser perdido sem a consciência de que somos relação com o Infinito e fruto de seu amor.
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