Eu sou de Jesus”, dizia o nosso Rolando. Quem apostaria no fato de que esse simples reconhecimento seria uma razão adequada para viver e para morrer? Diante do nosso possível ceticismo há um fato: Rolando Rivi estava tão pleno dessa experiência – que constituía o seu tecido humano até às vísceras – que nem mesmo a maldade dos homens pôde separá-lo de uma evidência tão indestrutível. “Não posso, não devo tirar a veste. Eu não tenho medo, eu sinto orgulho de carregá-la. Não posso me esconder. Eu sou do Senhor”.
Que experiência da relação com Cristo teve esse jovem para poder dizer isso! Tanto que a vitória de Cristo assim se manifestou diante de todos; tanto que nem o sofrimento pôde afastá-lo d’Aquele a quem pertencia.
O Papa Francisco recordava isso no dia da beatificação: “Um seminarista desta terra, a Emília, assassinado em 1945, quando tinha 14 anos, por ódio à sua fé, culpado apenas de estar vestido com a veste talar naquele período de violência desencadeada contra o clero, que erguia a voz para condenar em nome de Deus os extermínios do imediato pós-guerra. Mas a fé em Jesus vence o espírito do mundo! Rendamos graças a Deus por este jovem mártir, heróica testemunha do Evangelho. E quantos jovens de 14 anos, hoje, têm diante dos olhos esse exemplo: um jovem corajoso, que sabia para onde devia ir, conhecia o amor de Jesus em seu coração e deu a vida por Ele” (Francisco, Angelus, 6 de outubro de 2013).
Quem não desejaria uma vida assim? Uma vida tão unida? Tão plena daquela Presença que torna tudo diferente, que torna tudo fascinante, que torna tudo verdadeiramente novo? Justamente aqui, por desejo de Dom Massimo, Bispo de Reggio Emilia-Guastalla, hoje inauguramos a casa dos Memores Domini, que surge no lugar onde o beato Rolando Rivi foi sepultado e é venerado.
A realidade dos Memores Domini nasceu no seio do Movimento Comunhão e Libertação e reúne homens e mulheres que procuram viver, no mundo, o seu batismo através de uma dedicação total a Deus, praticando os conselhos evangélicos de pobreza, obediência e virgindade, como lhes testemunhou Dom Giussani. A experiência deles é definida pela tensão a viver quotidianamente a memória de Cristo e pela paixão de comunicá-Lo aos irmãos homens.
As pessoas que moram nesta casa de San Valentino estão aqui com o único objetivo de acolher os peregrinos que virão para honrar a memória de Rolando. Não é um simples gesto de generosidade a que são chamados os nossos amigos desta casa. A função deles é oferecer aos outros o que eles próprios receberam, compartilhando as dificuldades e as alegrias dos que se dirigem a eles, aprendendo a estar atentos aos que vierem a este lugar trazendo consigo uma pergunta, uma dor, uma esperança, um agradecimento. São chamados a fazê-lo vivendo eles próprios o que receberam, algo da experiência que o profeta Isaías descreve, como nos recordou o papa Francisco na Quinta-Feira Santa: “Pode uma mãe se esquecer do seu filho? Mas se uma mãe se esquecesse do seu filho, eu jamais me esqueceria de ti (cf 49, 15). Assim é o amor de Deus por nós” (Francisco, Homilia na Santa Missa da Ceia do Senhor, Roma, 2 de abril de 2015).
Inflamados por sua presença. Pensemos que consciência e intensidade se introduzem na vida ao se repetir toda manhã essas palavras. É o que eles farão, quando de manhã se reunirem para rezar as Laudes, como tantos de nós fazemos: para deixar entrar esse olhar. Como é diferente a manhã quando deixamos entrar esse olhar. Porque não existe a realidade, o mundo, a vida, a minha vida, a não ser que sejam olhados assim. Não como tantas vezes olhamos a realidade, com toda a nossa rejeição e o nosso mal-estar.
“Mesmo que o teu pai e a tua mãe te abandonem, eu não te abandonarei jamais”. Pensemos nesse “jamais”: qualquer que seja a circunstância que o espera ao se levantar, qualquer que seja o desafio a enfrentar naquele dia, qualquer que seja o peso que alguém carrega, tudo é desafiado por esse jamais, por essa Presença que é capaz de abraçar qualquer situação, qualquer circunstância, qualquer dor, qualquer prova.
Por isso, muitas vezes eles cantarão de manhã: “Retorne ao nosso caminho, inflame-nos sua Palavra”. É um hino do Mosteiro Trapista de Vitorchiano que mostra que, sem a Sua presença, nós perdemos a vida. Se Ele não retorna e não inflama a nossa vida, nós a perdemos enquanto a vivemos, mesmo fazendo muitas coisas e nos agitando, plenos de generosidade. Se bastasse a nossa ação para responder à necessidade ilimitada das pessoas que virão aqui para pedir, não teria sido necessário Cristo, a Sua morte e a Sua ressurreição, que celebramos na Páscoa. Ele veio, de fato, para responder ao drama do viver, o que nos leva a levantarmos todo dia com uma pergunta que é maior do que a nossa capacidade de resposta; com um desejo maior do que a nossa capacidade de responder. Cristo nos doa uma capacidade de acolhimento que não é possível a conseguirmos por nós mesmos. Pensemos nos que virão ao túmulo de Rolando com todo o seu drama, uma doença ou uma situação que “quebra as pernas”, como dizia o poeta Cesare Pavese. Nada poderá bastar a não ser uma resposta à altura da espera. Não bastaria uma boa palavra ou um pensamento devoto para reanimar a pessoa. O que Jesus fazia para levantar ou despertar as pessoas? Encontrava-se com elas, colocava diante dos olhos delas a Sua humanidade diferente, olhava-as como olhou para Mateus, olhava-as nos olhos como fez com Mateus, levantava os olhos para cruzar com o olhar de Mateus, ou de Maria Madalena, para que todos pudessem sentir a própria humanidade abraçada. Conseguia assim dizer aos homens coisas quase impensáveis. Como quando se dirigiu à viúva de Naim, que acompanhava o seu filho morto ao cemitério: “Mulher, não chores!”. Mas quem podia dizer isso, a não ser o único que conhecia o coração daquela mulher até o fundo e que sabia do que ela necessitava para não cair no desespero? Só um abraço infinito podia preencher o vazio daquela perda.
É possível fazer uma experiência semelhante hoje em dia? Ou é apenas uma coisa do passado, dos séculos passados?
“Eu sou de Jesus”, disse Rolando àqueles que o estavam assassinando. No nosso tempo, muito próximo a nós. É o milagre da santidade. Não do nosso esforço, não da nossa tentativa, sempre hesitante. É o testemunho que Cristo nos dá da Sua vitória em nós.
É disso que damos testemunho hoje. A força de Cristo é que fez de Rolando uma coisa tão unida a Si ao ponto de poder desafiar tudo, até mesmo a morte. É o testemunho de Cristo, capaz de tomar a vida tão profundamente ao ponto de fazê-la d’Ele mesmo, para levá-la a uma intensidade humana, a uma capacidade de viver como jamais alguém poderia sonhar para si.
Um jovem de apenas 14 anos estava tão pleno da afeição por Cristo que nem mesmo o perigo da morte podia separá-lo d’Ele. Em Rolando brilha a afirmação de São Paulo: “Quem nos separará do amor de Cristo? A tribulação, a angústia, a perseguição, a fome, a nudez, os perigos, a espada? (...) Mas em tudo isto somos mais que vencedores, graças àquele que nos amou” (Rm 8,35-37). É a vitória do amor de Cristo, tal como foi a vitória do amor de Cristo pelo Pai que O levou a enfrentar a morte sem fugir, como celebramos na Semana Santa.
Homens novos. Como não recordar, hoje, os muitos que foram “perseguidos, exilados, mortos, decapitados pelo único fato de serem cristãos. Eles são os nossos mártires de hoje; e são muitos, podemos dizer”, como afirmou o Papa; “e que são mais numerosos do que nos primeiros séculos” (Francisco, Regina Coeli, 6 de abril de 2015).
A vida de Rolando, justamente em sua etapa final, nos testemunha a inexorável positividade do real, que não significa fingir que tudo vai bem, mas refere-se ao tecido original da realidade, que não é feita para a morte, mas para a vida. Somos tentados a pensar que a vida não é positiva porque há sofrimento, o mal, os erros e a morte; é positiva porque o sofrimento, o mal, os erros e a morte não são mais a última palavra, a partir do momento em que Alguém morreu e ressuscitou para nos revelar o desígnio bom do Pai.
É impressionante, como vimos na vigília da Páscoa, que justamente no momento em que toda a realidade brilha com a luz de Cristo, a Igreja nos convida a olhar tudo, tudo o que nós não conseguimos olhar sozinhos, mas que, com a presença de Cristo ressuscitado, podemos olhar: a vida, a realidade, a dor, o mal, o sofrimento. A Igreja, na grande Proclamação pascal, dirige esse olhar pleno da luz de Cristo a tudo o que nós não conseguiríamos olhar verdadeiramente, e por isso somos muitas vezes tentados a fugir, não tendo a possibilidade, a luz para olhá-lo.
É em Cristo ressuscitado que se revela a positividade da realidade. E é reconhecendo Deus como autor e afirmação da vida humana, que não a abandona depois de tê-la chamado à existência, que podemos não sucumbir à ilusão ou ao medo frente às circunstâncias adversas, como foi para Rolando e como poderá ser para os nossos amigos da Casa, quando as dificuldades, o cansaço, as incompreensões emergirem ao longo da caminhada. O sinal maior de que Cristo está agindo é que quem O reconhece descobre em si a capacidade – que não é sua, tanto isso é verdade que fica admirado de ser assim – de estar firme diante dos desafios do viver. Até mesmo se descobre capaz de enfrentar o maior desafio que existe: a morte. Esse é o homem novo que Cristo veio gerar no mundo: um eu que não precisa cancelar nenhum aspecto da realidade para continuar a viver, mas que pode dar testemunho de que tudo é para o bem, até no último instante de vida, diante da fossa onde será depositado.
Então se começa a ver o que Cristo introduziu na vida, e por isso a questão decisiva é que o Mistério – esse TU que é a consistência de todas as coisas e que torna tudo positivo – se torne cada vez mais familiar para cada um de nós. Nós percebemos que Ele está agindo no meio de nós porque começamos a apreciar a vida, a olhar a realidade com essa positividade: a realidade é positiva porque aí está Cristo. “Mas a realidade é o corpo de Cristo” (Cl 2,17), diz São Paulo. A Igreja existe unicamente para que a experiência de Cristo se torne cada vez maior, para que cada um de nós possa viver o cansaço com essa plenitude, para que se dilate no mundo a força desta atração tão vitoriosa.
Então lhes desejo, amigos Memores, que cada peregrino possa ver, pelos rostos de vocês, que aconteceu alguma coisa, ver através do testemunho de vocês, fazendo as coisas que devem fazer, que algo grande tomou conta de vocês, sem dramas estrepitosos. Será um bem que se apresenta no horizonte das suas jornadas e que alcançará, se Deus quiser, aqueles que vocês encontrarão um a um. Dom Massimo disse: “Rolando obtenha para todos nós a alegria da fé, a alegria pela escolha, um privilégio que não vem dos nossos méritos, mas que para nós soa como responsabilidade, convite ao testemunho, doação de nós mesmos aos nossos irmãos”.
Desejo que os nossos amigos da casa de San Valentino colaborem com a missão da Igreja, segundo o que disse o Papa Francisco em Roma: “Assim, centrados em Cristo e no Evangelho, vós podeis ser braços, mãos, pés, mente e coração de uma Igreja em saída” (Francisco, Discurso ao movimento de Comunhão e Libertação, 7 de março de 2015). Que todos possam encontrar, ver, reconhecer isso nos rostos de vocês.
Obrigado
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