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Passos N.170, Junho 2015

MAGISTÉRIO

Que se espalhe a cultura da justiça e da paz

por Papa Francisco

Trechos do diálogo do Santo Padre com os membros da Comunidade de Vida Cristã – Liga Missionária Estudantil da Itália. Sala Paulo VI, Vaticano, 30 de abril de 2015

Como falar de esperança a alguém que foi condenado à prisão perpétua e de que modo quem está chamado a ocupar-se de quantos sofrem, pode afinar a própria consciência?
Papa Francisco: Gosto de dizer aos jovens: “Não deixeis que vos roubem a esperança!”. Alguns podem pensar que a esperança consiste em levar uma vida favorável, uma existência tranquila, em alcançar metas... É uma esperança controlada, uma esperança que só pode funcionar num laboratório. Mas se você está na vida e trabalha na vida, com tantos problemas, com tanto ceticismo que a vida lhe proporciona, com tantos fracassos, “de que esperança falas, Padre?”. (...) Há sempre algo que desilude a esperança, e assim não se pode... Mas a verdadeira esperança é um dom de Deus, é uma dádiva que nunca desilude. Como se faz para compreender que Deus não nos abandona, que Deus está ao nosso lado, que percorre o caminho conosco? Hoje, no início da Missa, foi lido o versículo de um Salmo realmente muito bonito: “Quando Tu, Senhor, caminhavas no meio do teu povo, quando Tu lutavas ao nosso lado, a Terra estremecia e os Céus rorejavam” (cf. Sl 68, 8-9.20). Sim, mas isso nem sempre é evidente. Só existe uma coisa da qual estou convicto: estou certo de que Deus caminha com o seu povo. Deus nunca abandona o seu povo. Ele é o Pastor do seu povo. Mas quando cometo um pecado, quando pratico algo injusto, quando vejo muitas coisas, interrogo-me: “Senhor, onde estás?”. Hoje em dia, há tantos inocentes que morrem: onde estás, Senhor? É possível fazer algo? A esperança é uma das virtudes mais difíceis de entender, (...) e a tentação [surge] quando estamos em dificuldade, quando vemos as brutalidades que acontecem no mundo, e a esperança parece esmorecer. Mas no coração humilde ela persiste. (...) O serviço é trabalho de pessoas humildes, como ouvimos no Evangelho de hoje. Jesus veio para servir, não para ser servido. E a esperança é a virtude dos humildes. Penso que este pode ser o caminho. Digo sinceramente: não posso dizer outra coisa. Humildade e serviço: são estas duas realidades que conservam a pequena esperança, a virtude mais humilde, mas aquela que nos dá vida.

Que contribuição específica pode oferecer um movimento de inspiração inaciana a favor da formação cristã de agentes no campo da pastoral, da participação e da educação dos jovens para o mundo?
Papa Francisco: O presidente recordou um lema inaciano: “Contemplativo na ação”. Ser contemplativo na ação não significa caminhar na vida olhando para o céu, porque se fizer assim certamente cairá num buraco... É necessário entender o que significa esta contemplação. (...) Nós servimos a um Senhor ferido de amor; as mãos do nosso Deus são mãos chagadas de amor. Devemos ser capazes de entrar nelas... E Bernardo acrescenta: “Tem confiança, entra na chaga do seu lado e contemplarás o amor daquele Coração”. Se te aproximares, se tocares as feridas da humanidade – e nisto consiste a doutrina católica – tocarás o Senhor ferido. Encontrarás isso no capítulo 25 de Mateus, e não sou herege quando o digo. Quando tocares as chagas do Senhor, entenderás um pouco mais o mistério de Cristo, do Deus encarnado. É precisamente esta a mensagem de Inácio: uma espiritualidade em cujo âmago está Jesus Cristo, e não as instituições, nem as pessoas, não! Jesus Cristo, mas Cristo encarnado! (...) É a espiritualidade inaciana que sugere ao vosso Movimento este caminho, indica esta vereda: entrar no Coração de Deus através das feridas de Jesus Cristo. Cristo ferido nos famintos, nos ignorantes, nos descartados, nos idosos sozinhos, nos doentes, nos presos, nos loucos... Ele está ali. E qual poderia ser o maior erro para um de vocês? Falar de Deus, descobrir Deus, encontrar Deus, mas um “Deus spray”, um Deus diluído, um Deus etéreo... Inácio queria que você encontrasse o Senhor Jesus Cristo, que o ama e que deu a sua vida por você, por todos, ferido por causa dos seus pecados, dos meus pecados... E as chagas do Senhor estão em toda a parte. (...) Apaixonar- -se por Jesus Cristo e pedir a Jesus Cristo que o escolha para segui-lo, para ser como Ele. E isso se faz mediante a oração, mas também tocando as chagas do Senhor. Nunca conhecerá Jesus Cristo, se não tocar as suas chagas, as suas feridas. Ele foi ferido por nós. Este é o caminho, a senda que a espiritualidade inaciana oferece a todos nós: o caminho... E vou inclusive um pouco além: você é formador de futuros sacerdotes. Por favor, se tiver um jovem inteligente, bom, mas que não tenha essa experiência de tocar o Senhor, de abraçar o Senhor, de amar o Senhor ferido, aconselha-o a tirar umas boas férias de um ou dois anos... e isso lhe fará bem. “Mas, Padre, nós somos poucos sacerdotes: temos necessidade de presbíteros...”. Por favor, que a ilusão da quantidade não nos engane, levando-nos a perder de vista a qualidade! Precisamos de sacerdotes que rezem (...); presbíteros que tenham inclusive a coragem de sofrer, de suportar a solidão e de oferecer um grande amor.

Que discernimento pode derivar da espiritualidade inaciana, como ajuda para manter viva a relação entre a fé em Jesus Cristo e a responsabilidade para agir sempre em prol da construção de uma sociedade mais justa e solidária?
Papa Francisco: Ouve-se dizer: “Nós devemos fundar um partido católico!”. O caminho não é este. A Igreja é a comunidade dos cristãos que adora o Pai, que percorre a senda do Filho e recebe o dom do Espírito Santo. Não se trata de um partido político. “Não, não digamos partido, mas... um partido somente dos católicos”. Não é útil e não terá a capacidade de envolvimento, porque fará o que não foi chamado a fazer. “Mas o católico pode fazer política?” – “Deve!”. Se não me engano, o Beato Paulo VI afirmou que a política é uma das formas mais elevadas da caridade, porque procura o bem comum. “Mas Padre, não é fácil fazer política porque, neste mundo corrupto... no fim não se consegue ir em frente...”. Quer me dizer que fazer política é um pouco como um martírio? Sim, é uma espécie de martírio! Mas trata-se de um martírio quotidiano: promover o bem comum, sem se deixar corromper. Buscar o bem comum, pensando nos modos mais úteis para isso, nos instrumentos mais proveitosos. Procurar o bem comum, trabalhando nas realidades de menor importância... mas é preciso fazê-lo. É importante fazer política: a política pequena e a grande. Na Igreja há muitos católicos que promoveram uma política não suja, mas boa; favorecendo também a paz entre as nações. Pensem nos católicos, aqui na Itália do pós-guerra: pensem em De Gasperi. Pensem na França: em Schumann, cuja causa de beatificação está em andamento. É possível tornar-se santo, fazendo política. E não quero mencionar outros nomes: são válidos estes dois exemplos, para quantos quiserem ir em frente no caminho do bem comum. Fazer política é um martírio: trata-se verdadeiramente de um trabalho para mártires, porque é necessário ter sempre, todos os dias, o ideal de construir o bem comum. É preciso também carregar a cruz de muitos fracassos, e inclusive suportar a cruz de numerosos pecados, porque no mundo é difícil praticar o bem no meio da sociedade, sem sujar um pouco as próprias mãos ou até o coração; mas deves pedir perdão por isso, pedir perdão e dar continuidade à obra. Mas que isso não te desanime! Continua, continua...
E lutar por uma sociedade mais justa e solidária. Qual é a solução que, hoje, este mundo globalizado nos oferece para a política? É simples: no centro, o dinheiro. Não o homem e a mulher, mas o dinheiro. O deus dinheiro. É ele que está no centro. Todos ao serviço do deus dinheiro. Mas para isso, descarta-se o que não é útil para o deus dinheiro. E o que o mundo globalizado hoje nos oferece é a cultura do descartável. Descartam-se as crianças, porque já não se fazem crianças ou porque se matam as crianças antes do nascimento. Descartam-se os idosos, porque... não são úteis... Mas agora que há falta de trabalho, vai-se à procura dos avós, para receber ajuda da sua pensão! Mas eles são úteis só momentaneamente. Os idosos são descartados, até abandonados. E agora o trabalho deve diminuir, porque o deus dinheiro não pode fazer tudo, e assim descartam-se também os jovens (...). Descarta- se... Mas este é o caminho da destruição. Eu, católico, olho da varanda? Não se pode olhar da varanda. Intrometa-se! Dê o melhor de si! Se o Senhor o chama para aquela vocação, vai em frente, faz política! Você sofrerá, talvez seja levado a pecar, mas o Senhor está contigo. Pede perdão e vai em frente. Mas não deixemos que essa cultura do descartável nos descarte todos! Não nos esqueçamos daquela palavra do Beato Paulo VI: a política é uma das formas mais elevadas da caridade.

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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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