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Passos N.171, Julho 2015

IGREJA - Óscar Romero

Germe de reconciliação

por Julián de la Morena

O bispo ÓSCAR ROMERO, foi beatificado no dia 24 de maio. Ele foi assassinado enquanto celebrava a missa. A escolha de Papa Francisco confirma o martírio do pastor salvadorenho, defensor do seu povo oprimido

Uma grande notícia percorreu toda a América Latina. No dia 24 de maio deste ano, a Igreja Católica beatificou o arcebispo Óscar Arnulfo Romero, assassinado pelo ódio à fé, em El Salvador, no dia 24 de março de 1980, enquanto celebrava a missa, e por isso foi declarado mártir.
O testemunho cristão de Dom Romero durante sua vida e sua morte é inegável. Ele sabia do risco que corria, porém decidiu livremente permanecer em sua diocese. Um mês antes de sua morte, ele escreveu: “Ele (Cristo) acompanhou os mártires e, se for necessário, eu vou senti-Lo muito perto de mim quando eu der o último suspiro. Porém, mais valioso do que o momento de morrer é entregar-Lhe toda a vida e viver por Ele”.
O Papa Francisco assim descreveu Romero: “Um bispo zeloso que, amando a Deus e servindo aos irmãos, converteu- se em imagem do Cristo Bom Pastor. Em tempos de difícil convivência, Dom Romero soube guiar, defender e proteger seu rebanho, permanecendo fiel ao Evangelho e em comunhão com toda a Igreja. Seu ministério distinguiu-se por uma especial atenção aos mais pobres e marginalizados. E, no momento de sua morte, enquanto celebrava o Santo Sacrifício do amor e da reconciliação, recebeu a graça de identificar-se plenamente com Aquele que deu a vida por suas ovelhas”.
O Arcebispo beatificado é um dos mártires mais famosos do século XX. João Paulo II já o havia considerado um dos novos mártires, durante a celebração do Grande Jubileu, no Coliseu Romano, dia 7 de maio de 2000. Ninguém permaneceu indiferente diante do seu martírio e beatificação. Sua figura, tanto em vida como depois de sua morte, foi exaltada por uns, também manipulada, incompreendida por outros, no terreno político e na Igreja, e por isso muitas vezes sua pessoa foi vítima de calúnia e de ódio, chegando-se ao extremo de se fazer dele uma caricatura. Sua fama, que foi grande em vida, não esmaeceu com seu assassinato, sua memória permaneceu viva. Tudo indica que a missão do nosso mártir não se interrompeu com sua morte, mas se dilatou antes e depois da beatificação. E cumpriu-se assim o que ele havia escrito: “Senhor, eu estive disposto a dar a vida por Ti. E já a dei!”.
Romero foi um homem de profunda fé, que se referia a Jesus como “alegria cristã de minha vida”, que escolheu como lema episcopal “Sentir com a Igreja”, que aprendeu nos exercícios espirituais de Santo Inácio. Manifestou uma especial fidelidade aos Papas que conheceu, desde Pio XI até João Paulo II, o que o levou a dizer: “A glória maior de um pastor é viver em comunhão com o Papa”. Escreveu em suas anotações: “Que paradoxo... na medida em que cresce em mim a adesão a Roma, identifico-me mais com minha nova diocese e minha pátria”. No clima da guerra fria que assolava o mundo, coube-lhe viver uma época de grandes convulsões em se país.

As denúncias. Seu temperamento conservador não o impediu de ser audaz nas denúncias frente a uma situação de injustiça e violência institucional que vigorou em El Salvador durante os anos de seu ministério episcopal. Sua se voz levantou especialmente depois da morte do padre Rutilo Grande (+ 1977) para defender a paz e a justiça, para defender a Igreja e os camponeses num país onde não se respeitavam os direitos humanos e se assassinava impunemente. Os dados são assustadores: “A partir de novembro de 1979, mais de seiscentas pessoas eram assassinadas mensalmente; os esquadrões da morte, as polícias ou os militares decapitavam e esquartejavam os corpos. Morreram 75 mil pessoas na guerra civil que arrasou o país; 80% delas eram civis”. Grande parte da violência em seu país estava respaldada pelas instituições governamentais, enquanto a guerrilha também incrementava a violência. Muito eloquente e desafiador foi o célebre chamamento às forças da ordem pública para que não disparassem contra o povo: “Em nome de Deus lhes suplico, lhes rogo, lhes ordeno: cessem a repressão”.

A entrega. O sangue de Dom Romero, como o sangue dos mártires do século XX nos campos de concentração nazistas, ou nos lagers na URSS ou nas selvas tropicais da América Central, deram testemunho do caráter irredutível da pessoa humana. Sua entrega e até seu perdão aos seus assassinos nos deixaram o legado de que o homem não pode ser explorado, manipulado ou privado de sua dignidade em nenhuma circunstância, e que nenhuma ideologia pode apropriar-se do homem. A mesma experiência continua a nos ser comunicada pelos mártires de hoje, tão numerosos em locais que vão da Coreia do Norte ao Iraque.
A maturidade da fé de muitos cristãos, em El Salvador – fala-se em mais de quinhentos mártires –, põe em evidência que o amor a Cristo não se separa do amor ao irmão.
Porém, qual o desafio que nos dirige o testemunho do mártir Romero? O Papa Francisco sintetizou-o na carta que divulgou no dia da beatificação: “A voz do novo Beato segue ecoando hoje para nos recordar que a Igreja, convocação de irmãos em torno de seu Senhor, é família de Deus, na qual não pode haver nenhuma divisão. A fé em Jesus Cristo, quando é bem compreendida e assumida até suas últimas consequências, gera comunidades artífices de paz e de solidariedade. A isso é chamada hoje a Igreja em El Salvador, na América e no mundo todo: a ser rica em misericórdia, a converter- -se em germe de reconciliação para a sociedade”.
Nessas palavras do Papa vemos claramente uma bússola para não deixarmos que se perca o testemunho de Dom Romero e para sermos construtores de paz e justiça, do Chile ao México.
A beatificação de Dom Romero, com todas as implicações do seu testemunho, cheio de alegria, consolo e esperança para a Igreja na América Latina e no mundo, frente aos novos desafios modernos, é acompanhada com as palavras de seu salmo preferido: “Sob o amparo do Altíssimo, não temerás o terror noturno; Deus meu, confio em Ti” (Salmo 9).

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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