Os atentados, os sequestros, o perdão. O pároco dos refugiados, PADRE DOUGLAS BAZI conta por que o seu povo não odeia
Padre Douglas Bazi não gosta de contar a sua história. Um pouco porque voltar àqueles momentos o faz sofrer ainda, um pouco para não acrescentar ódio ao ódio num Iraque que necessita de tudo, exceto de novas doses de veneno.
É 2006, ele trabalha numa paróquia caldeia de Bagdá. É preso, amarrado, vendado. Quebram-lhe o nariz e os dentes a golpes de martelo. O primeiro gole de água chega só no quinto dia. O revólver fica apontado para a sua cabeça. “Você não tem medo de morrer? Os outros nos suplicam para não matá-los, por que você não?”. E ele: “Os outros não sabem o que são a vida e a morte”. Um tormento que durou nove dias.
Em julho de 2013, ele é transferido para a igreja de Mar Elia, em Erbil, no Curdistão iraquiano. Hoje, seus paroquianos são, sobretudo, os refugiados de Mosul e Qaraquosh. Cinquenta famílias que escaparam dos horrores do ISIS (Estado Islâmico). No centro, há uma estranha alegria que esconde feridas indizíveis, como as dele.
O que pensou quando ouviu as palavras do Papa sobre os cristãos perseguidos?
Citei suas palavras na minha homilia de Páscoa. Eu disse que este é o tempo certo para o mundo entender que a paz é a única opção. A única que pode salvar a humanidade. O Papa nos guarda no coração e pensa profundamente em nós. A verdade é que não estamos tão preocupados com o perigo de sermos mortos, e sim que sejamos esquecidos. Os cristãos refugiados de Mosul não estão com raiva de Deus. Quando lhes pergunto o que pensam daquilo que aconteceu, respondem: devemos rezar pelos nossos inimigos, como nos disse Jesus; precisamos perdoá-los, porque não sabem o que estão fazendo.
Mas esse povo perdeu tudo.
Sim. Às vezes eles dizem: “Dia 6 de junho [o dia de 2014 em que o ISIS entrou em Mosul], perdemos tudo”. Mas eu respondo: “Não digam isso; digam assim: dia 6 de junho, Deus salvou a nossa vida”. Talvez, a fuga de Mosul não fosse a tragédia deles, mas a sua salvação.
Vocês não têm medo de morrer?
Se você olhar os vídeos do povo assassinado pelo ISIS, as vítimas estão muito calmas antes da execução. Eu sei o que isso significa: às vezes, ser morto é o melhor cenário, porque, quando você morre, passa para as mãos de Deus. É melhor estar nas mãos de Deus do que nas de certo tipo de gente. Penso assim: atiraram em mim, explodiram a minha igreja, sobrevivi a diversos atentados, fui sequestrado; no entanto, desejo sempre um futuro sem ódio.
Como é possível que vocês não sintam ódio?
A única resposta sensata é: porque somos cristãos. Quem sou eu para me lamentar? Quem sou para dizer a Deus: por que nos fizeste isso? Somos cristãos não somente quando as coisas vão bem. Ao Papa, eu gostaria de dizer: obrigado pela sua preocupação e pelas suas orações. Mas também: como cristãos no Iraque, não nos renderemos jamais. Eu sou um sacerdote caldeu, sei que a minha missão envolve o risco de morte. Mas sou chamado a cuidar do meu povo. E estarei lá onde a minha gente estiver.
O que você aprendeu nesses anos tão difíceis?
Depois do meu sequestro, há nove anos, me lembro que não dormi mais de duas horas por noite sem pesadelos. Ainda hoje não vou para a cama sem levar uma garrafa de água, porque me deixaram quatro dias sem água. Mas eu creio que a Graça de Deus não se transfere de pessoa para pessoa, ou de geração para geração, sem o perdão. Do contrário, transmitiremos o ódio e o nosso sentimento de vingança.
Parece quase impossível ouvir isso de alguém que sofreu tanto.
Não sou um herói. Sou simplesmente um cristão. Minha tarefa é cuidar da comunidade, da nossa Igreja. Depois, se a gente olhar a história da Igreja, os períodos de ouro foram os das perseguições. Foi nesses momentos que, de um modo especial, os cristãos mostraram ao mundo a face de Jesus.
Que episódio mais o impressionou nestes meses?
Um homem de Mosul me contou que, quando o ISIS chegou à cidade, o seu vizinho muçulmano bateu à sua porta dizendo-lhe: “Você precisa ir embora, e eu vou tomar a sua casa; se eu não o fizer, algum outro o fará. Se um dia eu revir você, eu o matarei”. O homem se prepara para partir, faz as malas, carrega a família no carro. Mas primeiro vai à porta do vizinho e bate. E ele: “Não lhe disse que eu o mataria?”. E o cristão: “Faz trinta anos que somos vizinhos, não gostaria de ir embora sem o saudar”. O muçulmano pôs-se a chorar: “Não, fique. Eu vou lhe proteger”. E o outro: “Não, éramos vizinhos. Agora não somos mais. A confiança foi rompida”.
Hoje foi lançado um alarme pelo possível desaparecimento dos cristãos no Oriente Médio.
A quem se lamenta por isso eu respondo: nós não pertencemos a esta terra, nós pertencemos a Jesus. Só se tivermos a consciência dessa pertença, poderemos testemunhar alguma coisa e sermos úteis ao nosso país. Mas hoje estamos diante de um dilema.
Qual?
As pessoas arriscam a vida e se quisermos salvá-las precisamos ajudá-las a fugir; mas, assim, a comunidade cristã desaparece. Por outro lado, se quisermos manter a comunidade, quem corre o risco de desaparecer é o povo, vítima de massacre. Eu digo: por que deixar as ovelhas no meio dos lobos? Alguém diz: “Ficaremos até a última gota de sangue”. Mas veja, o futuro a gente constrói transmitindo aos nossos filhos o amor, a graça e o perdão. Não com esse tipo de discurso.
E então?
Eu, como dizia, estarei com o povo. Aqui ou em outro lugar. Ao mesmo tempo, cuido dos menorzinhos. Eles são o futuro. A nossa “vingança” será fazer com que essas crianças cresçam de um modo honesto, educando-as na fé, com uma mentalidade aberta. Do contrário, o próximo ISIS, nós, cristãos, é que iremos criar...
Como, nesses anos, mudou a sua relação com Jesus?
Não sou um anjo. Cometi muitos erros na vida, e isso ainda me desgosta. No entanto, vejo que estou vivo. E digo para mim mesmo que ainda posso ser útil, posso fazer o bem. O mensageiro não é importante, o que conta é a mensagem. Se Jesus continua a me usar para difundir o Evangelho, também sou beneficiado com isso.
O que a Europa pode fazer, hoje, para ajudá-los?
Nós não estamos morrendo por falta de comida ou de remédios. Estamos preocupados com o nosso futuro. Não se trata de um problema de terra, ou de presença no Oriente Médio. Eu penso nas pessoas, nos cristãos iraquianos que sofrem no Líbano, na Jordânia, na Turquia. Abram vocês as suas portas. Deixem que eles cheguem sãos e livres. Que sejam acolhidos.
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