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Passos N.173, Setembro 2015

SOCIEDADE | EUA

Um chamado à conversão

por José Medina

A força do anúncio cristão é capaz de renovar o homem e levá-lo a descobrir uma plenitude de vida, prescindindo das circunstâncias favoráveis ou adversas. Artigo original em inglês, publicado no site ECHOES no dia 7 de julho de 2015

Na trilha da recente decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos sobre casamentos entre pessoas do mesmo sexo, na qual captamos outros sinais de uma sociedade que repudiou a autêntica mentalidade cristã, precisamos nos perguntar qual deve ser a nossa posição frente a tal reviravolta. Qual é a nossa resposta agora, na nova situação legislativa e nesse clima que, para nós, é uma provocação?
Para responder a essa pergunta cremos que seja útil rever como as comunidades cristãs foram chamadas a viver no curso da história e no momento atual.
Hoje, como nos tempos dos romanos, a fé se difunde como resultado do encontro com pessoas que vivem de uma maneira inesperada, mas fascinante, que não é resultado de uma ação política ou militar.
A força do anúncio cristão é capaz de renovar o homem e levá-lo a descobrir uma plenitude de vida, prescindindo das circunstâncias favoráveis ou adversas. Os primeiros convertidos ao cristianismo encontraram uma humanidade nova que os levou a “experimentar todas as coisas” das suas tradições e a “reter o que é bom”. Como consequência dessa radical mudança de mentalidade, eles influenciaram sociedades e nações, plasmando seus valores e regras.
Todavia, na ausência de uma vida cristã onde homens e mulheres se concebem constantemente em relação com o Pai, essas regras e valores aparecem como algo opressivo. Em particular porque as pessoas terminam por não ver mais esses valores morais como ligados à própria realização pessoal. É exatamente o que estamos assistindo hoje. Muitos dos nossos irmãos cristãos no Oriente Médio nos lembram constantemente que o cristianismo prospera apesar das condições sociais e políticas mais pesadas.
Uma entrevista com o Arcebispo Amel Shamon Nona, de Mosul, revela que a esperança e a serenidade deles vem do fato de “ter compreendido que é possível viver, até mesmo aqui [...]. Apesar do risco de ser morto dentro de uma hora ou de um minuto, é possível viver cada momento cheios de esperança e de alegria”.
Quando precisa enfrentar uma luta, a Igreja convoca as pessoas para uma renovação da fé, isto é, para redescobrir o que significa viver a vida centrados em Cristo. Continua o Arcebispo Nona: “Eu também comecei a viver assim, e... com o tempo percebi que também as outras pessoas mudavam; os fiéis precisavam dessa certeza. Eram eles que me diziam que sentiam a necessidade de ser mais apegados à nossa fé. Eram eles que me diziam que haviam recomeçado a viver em meio a tantas dificuldades... Isso se tornou possível por uma compreensão mais profunda da fé. É isso que nos dá uma visão mais clara da vida, mesmo que vivamos numa época plena de dificuldades”. Essa compreensão mais profunda da fé, que nasce do viver a vida em relação com Deus no momento presente, neste instante, tem também o excepcional poder de gerar uma plenitude de vida e uma esperança duradoura.
Por isso, não devemos olhar a situação atual em termos apocalípticos, mas antes vê-la como um convite a fazermos um juízo crítico sobre nós mesmos. Se as regras da nossa sociedade, que tempos atrás estavam enraizadas na tradição cristã, agora estão mudando, é porque nós estamos propondo um cristianismo que se reduziu apenas à escolha de um estilo de vida dentre muitos, em que parece ter se tornado prioritário lutar para afirmar os valores morais mais do que encontrar e seguir pessoas cuja vida é excepcionalmente plena de significado.
A legalização dos casamentos entre pessoas do mesmo sexo, por parte da Suprema Corte, não deveria ser vivida como um chamado à ação em defesa dos valores cristãos, mas antes entendida como um convite à conversão, a descobrir o método com o qual Cristo conquista o coração do homem e transmite a capacidade historicamente comprovada de construir civilização. A proposta cristã não perdeu o seu encanto ou a sua capacidade de comunicar uma plenitude de vida.
Vejo isso na experiência de um prisioneiro da Carolina do Norte, que enquanto estava cumprindo a sua pena, encontrou um grupo de pessoas e desde então consegue viver com alegria a sua condenação a uma longa pena, que de outro modo seria insuportável. Vejo essa plenitude de vida no rosto de uma mãe que carrega nos braços o seu filho agonizante. Ela havia escolhido ter esse filho, e não interromper a gravidez, embora sabendo que a condição genética dele lhe permitiria viver apenas algumas horas. Vejo essa plenitude de vida no modo como um estudante do ensino médio abraça e acompanha o seu pai toxicodependente, que o abandonou e maltratou durante anos. Sinto-o nas palavras comoventes de perdão de uma mãe enlutada, que assiste à proclamação da sentença de condenação do assassino do seu filho. As leis não podem nem constranger nem tutelar pessoas que vivem a realidade de um modo paradoxal: plenamente humano e, todavia, impossivelmente divino. A legalização dos casamentos entre pessoas do mesmo sexo, por parte da Suprema Corte, não deveria provocar uma defesa militante dos valores cristãos. Nós não somos chamados a manter de pé os restos de uma sociedade que era enraizada na experiência cristã, mas a revivê-la e reconstruí-la. Dizer às pessoas quais valores elas precisam abraçar não é uma coisa boa e nem mesmo eficaz.
Ao invés, somos chamados a viver e compartilhar uma plenitude de vida com todos, em qualquer circunstância, mais ou menos favorável. Por esse motivo, o convite à conversão não significa retirar-se de um ambiente hostil. Aliás, significa exatamente o contrário. Embora alguns julguem o testemunho público dos nossos irmãos e irmãs como ineficaz ou ingênuo, essa é justamente a função da Igreja na história dos homens: testemunhar incessantemente que a plenitude da vida só pode ser alcançada na total dependência do Mistério. Afinal, como cristãos não somos chamados a defender a Verdade como um conjunto de valores, mas sobretudo a encarná-la.


José Medina é um sacerdote que dedicou boa parte da sua carreira profissional ao mundo da Educação, primeiro como professor de matemática e de ciências e, depois, como diretor de escolas em Washington e em Boston. De origem espanhola, é membro da Fraternidade Sacerdotal dos Missionários de São Carlos Borromeu. Diplomado em engenharia civil na Universidade Politécnica de Madri, conseguiu o doutorado em Teologia na Pontifícia Universidade Lateranense de Roma, e o mestrado em Educação na Harvard Graduate School of Education. Atualmente padre José é o responsável nacional do Movimento católico Comunhão e Libertação nos Estados Unidos.


 
 

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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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