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Passos N.174, Outubro 2015

MEETING 2015 - PADRE IBRAHIM

O perfume de Cristo entre as bombas

por Padre Ibrahim Alsabagh

Trechos da intervenção do PADRE IBRAHIM ALSABAGH, pároco da comunidade latina de Aleppo. No Meeting de Rímini deste ano, ele falou da vida “na linha de fogo”. Seu convento fica a 60 metros dos terroristas, ali falta de tudo e, mesmo assim, no seu testemunho é possível ver amor e perdão

Para introduzir a situação dos cristãos, de todo o povo sírio, só posso usar uma palavra: caos, desordem total. Aleppo está dividida em dezenas de áreas, controladas por diversos grupos jihadistas. Nós vivemos na zona da cidade sob o controle do Governo. Falta-nos tudo, começando pela segurança, porque há bombardeamentos dos milicianos que não poupam casas, mesquitas e igrejas, crianças e velhos. Várias zonas da cidade estão completamente destruídas, como a que fica junto a nós, a do cristianismo, da antiguidade, que agora só tem ruínas. Os bombardeamentos aproximam-se do nosso convento, da nossa belíssima igreja de São Francisco: estamos justamente na linha de fogo e não sabemos quando seremos atingidos. Estamos na mira. A hemorragia continua e vai semeando a morte: muitos mutilados, muita emigração, muito terror e amargura no coração.
O preço dos alimentos é exorbitante e é muito difícil comer. Os mais ricos já foram embora, conosco ficaram os mais pobres. Além disso, há falta de medicamentos e de serviços de saúde, porque muitos médicos deixaram o país. Há falta de água. E é uma falta mortal, que só tem piorado. Os grupos jihadistas controlam as estações de bomba e puxam a água para o rio para impedir que a gente beba. Nas casas não há nem água nem eletricidade. Temos uma sede incrível. E muitas pessoas morreram por causa disso.
Como se pode convencer um cristão a ficar? Por que deveria ficar? É melhor fugir. Ficamos surpresos quando descobrimos que muitos dos nossos jovens cristãos, com estudos superiores, aceitaram lançar-se ao mar para chegar a algum país seguro. São cada vez mais os que deixam o país ou irá deixá-lo. Para nós, cristãos do Oriente Médio, em particular de Aleppo, é como viver o Apocalipse, que eu medito quase todos os dias: os cavaleiros da morte, da sede, das doenças chegam de modo imprevisível, imprevisto. A instabilidade é total, contínua.
Como vivemos ali? O que nós frades, a apenas 60 metros das milícias jihadistas, podemos fazer? Os pobres olham para nós e esperam, esperam de nós muitas coisas. As respostas não só apenas “passivas” – em sentido positivo: tem que ter paciência, carregar a cruz de cada dia – mas também imediatas. A nossa resposta, que é a resposta da fé, da Ressurreição, significa também estar sempre atentos ao sopro do Espírito, às necessidades das pessoas, cristãs e muçulmanas. Quando uma senhora nos bate à porta pedindo água, não interessa se usa o véu ou não, interessa que tem sede. O mesmo com as crianças famintas, para quem escapa das bombas e precisa de segurança.
Eu e os meus confrades sofremos muito, não só pelo nosso sofrimento pessoal, que é muito valioso e importante, mas porque vemos o homem despojado da sua dignidade: é o sofrimento de Jesus crucificado hoje, na humanidade, no cristão como no muçulmano. Escutando profundamente a voz do Senhor e o clamor dos inocentes, conseguimos perceber como responder. É mesmo necessário, no momento da grande cruz, aprender de Jesus, que, durante a sua crucificação de três horas, soube pensar nos outros, no futuro de Maria, de João e na salvação dos que estavam aos seus pés, do bom ladrão; pensou, apesar do sofrimento, em como salvar, não só o mundo inteiro com a obra redentora, mas justo o que sofria com ele; pensava numa coisa belíssima: o perdão. Perdoar os crucificadores, mesmo quando eles não pediam.
A nossa resposta é criativa, vem da fé, do exemplo de Jesus. Por causa da falta de água contratamos motoristas e pequenos caminhões-cisterna para levar água às casas. Da última vez havia 500 famílias na lista e nós só conseguíamos chegar a 30 ou 40 por dia. Abrimos o poço do convento e, com voluntários, de manhã à noite, distribuímos muitos litros diariamente. Agradecemos a Deus por ter água potável. Vem gente de longe, da manhã até a noite. Vários anciãos não conseguiam levar sozinhos a água para casa e, assim, com um grupo de voluntários entre 12 a 18 anos, levamos para eles, pelo menos dia sim, dia não.
Estamos transformados: às vezes olho para mim e rio porque, amante do estudo e dos discursos teológicos, encontro-me trabalhando como bombeiro, enfermeiro e, só no fim, sacerdote; mas é muito bom porque é esta é a verdadeira experiência do consagrado, como a do leigo que se sente chamado a servir e a edificar a Igreja.
Reina o medo nos corações, o sofrimento é muito grande, não só para os cristãos como para os muçulmanos que sentem vergonha pelo que está acontecendo. Não sabemos quando irá terminar. Mas não importa quando e como termina, o importante é dar testemunho de Jesus Cristo, não o saber salvar a si mesmo. É preciso também pensar numa solução política, atuar, mas a nossa primeira obrigação é testemunhar a vida cristã, carregar a cruz amando, perdoando, pensando também na salvação dos outros.
Estamos a 60 metros dos terroristas que semeiam morte e terror nos corações. Porém todos os dias, na nossa comunidade, oferecemos o sofrimento pela salvação deles, rezamos por eles e os perdoamos. Uma senhora que vive perto da nossa igreja, onde a maior parte das famílias era cristã, queixava-se porque vieram muitos muçulmanos que alugaram ou compraram as casas dos cristãos. Ela sentia que tinha havido uma mudança enorme – o ambiente nas ruas, o olhar – e sentia-se incomodada. Disse-lhe: “Não será talvez o Senhor que permite que as pessoas mudem, o ambiente à nossa volta, para que o perfume de Cristo chegue também a eles? Não será uma belíssima missão que o Senhor ressuscitado está nos pedindo? Portanto, não há mal-estar, mas apenas o pensamento daquilo que nos pede o Mestre ressuscitado, de como podemos testemunhar a fé às pessoas que chegam”.
Temos tanto para transmitir! Eu aprendi, também com a história da Igreja, que um cristão não tem medo de nada, do confronto, da diferença, de abrir as fronteiras. Não tem medo de viver com ninguém. O cristão tem um tesouro tão forte no coração que pode dialogar com todos livremente sem perder a sua natureza; aliás, a sua natureza é feita de diálogo. É o que nós, cristãos, ali no meio da cidade semi-destruída, procuramos fazer com todos, e às vezes conseguimos transmitir valores sem sequer falar. Há poucos dias um muçulmano que sempre trabalhou conosco veio me encontrar: “Padre, estou vendo como as pessoas vêm tirar água, com um sorriso, com uma grande paz no coração, sem discussões, sem levantarem a voz... Eu já girei pela cidade de Aleppo e vejo o que se passa: matam-se para tirar água dos poços. Estou admirado: vocês estão cheios de paz, de alegria. Conseguem partilhar com os outros, até com muçulmanos, com tanta paz. Padre, vocês são diferentes”.
Muitos sonham em fugir: é normal, experimentam todo o mal que se possa imaginar. Mas nós estamos convencidos de que se o Senhor plantou, num certo dia da história, no início da Igreja, a árvore do cristianismo na cultura da Síria, no Oriente Médio. E nós cristãos de hoje não temos o direito de levar esta árvore e plantá-la em outro lugar, porque a vontade do Senhor é que demos fruto ali. Ali está a raiz da nossa fé, na terra por onde andou São Paulo: é a terra dos nossos mártires e muitas famílias estão convictas de que ficar é uma grande missão. Imaginem se todos os cristãos abandonassem o Oriente Médio e viessem para a Europa: quanto tempo levaria o Senhor, e o Seu Corpo Místico, a Igreja, para implantar de novo o cristianismo. A nossa presença é uma missão e nós permanecemos ali. Não nos rendemos: amamos mais, perdoamos e testemunhamos mais. Com a fé, a esperança e a caridade continuamos este nosso caminho que é uma Via Crucis.
Sabemos que a vida cristã não é um passeio, nem para vocês, aqui, para uma criança que tenta fazer um caminho sério com o Senhor, para quem vive na Itália, na Alemanha, nos Estados Unidos... É sempre caminhar pelo caminho estreito: tantas dificuldades, mas tantas vitórias. Começamos com o sofrimento, vivemos também a morte, mas não temos medo, porque temos a força da Ressurreição. Não é este o primeiro mistério cristão? Com a fé sabemos que os nossos sofrimentos têm um grande significado: significado redentor para nós e para os que nos matam, aliás para todo o mundo. Razão para viver, razão para morrer.
Em Aleppo eu vejo muito sinais da Ressurreição: ter, por exemplo, a missa cotidiana desde quando teve início esta crise até hoje, para mim é um milagre. Que ainda estejamos vivos é um grande milagre. Apreciamos mais o dom da vida. Temos sempre mais gratidão a Deus que nos dá muito.
Pensando na “falta”, que está no título do Meeting, posso dizer que ver nos cristãos, nos sacerdotes, nos bispos a busca de Deus, a sede de viver em comunhão com Deus, para mim é sinal da Ressurreição. Também nos irmãos de outras religiões vejo o despertar de uma grande busca, o sentimento de uma grande falta. Diante do fundamentalismo surgem perguntas essenciais: o caminho que fazemos será a verdade? Quanta busca de Deus, também entre os nossos irmãos muçulmanos: os que vêm bater à nossa porta, que se interrogam acerca de Jesus Cristo, que entram na igreja para escutar a Palavra. Tanto anseio, tanta sede que desperta. Na perseguição, nos sofrimentos que vivemos, estamos certos de que também isso é um grande sinal de que Jesus ressuscitado está presente, ainda ali, em Aleppo.

(Texto não revisto pelo autor)

 
 

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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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