Passos N.175, Novembro 2015

DESTAQUE

Santos Luís e Zélia: amigos a serem seguidos

> por Paola Bergamini

Durante o Sínodo, os pais de Teresa de Lisieux tornaram-se santos. Os primeiros cônjuges canonizados juntos. Adele e Valter Schilirò (cujo filho foi salvo pela intercessão deles) contam como estes santos mudaram suas vidas

“Fiquei muito surpresa ao ver que, contra toda esperança, conseguiu realizar alguns negócios. Foi Nossa Senhora das Graças que o protegeu. (...) Hoje estou tão feliz em pensar que vou revê-lo que não consigo trabalhar. Sua mulher, que o ama mais do que a própria vida”. Quando Zélia escreveu essa carta ao marido, ela e Luís, pais de Santa Terezinha, estavam casados há anos. Mas, como é possível, quando o fascínio da paixão já terminou pela ação do tempo e a vida, como no caso deles, é colocada diante de uma dura prova, afirmar “amo você mais do que a minha vida”? De onde nasce essa dedicação, essa confiança total? Há algo de outro que sustenta. No início, como agora.
O casal Martin foi elevado aos altares no dia 18 de outubro. E não é por acaso que isso aconteceu nesta data, ou seja, durante os trabalhos do Sínodo sobre a família. Foi o próprio Papa Francisco quem quis essa canonização para apresentar um modelo e dar concretude ao que o Sínodo discutiria. “É o primeiro casal canonizado enquanto esposos: um grande sinal para as famílias cristãs que normalmente não têm apoio e precisam ir contra a corrente para viver e educar os filhos na verdade com aquele amor que Deus nos doou em Cristo”, afirmou padre Romano Gambalunga, postulador da causa.
A beatificação aconteceu há sete anos, pela cura milagrosa de Pietro Schilirò, nascido com uma grave malformação pulmonar (ver Passos nov/2008). Para Adele e Valter, os pais do pequeno, que moram em Monza, Itália, o encontro com os Martin mudou, e muda, suas vidas. Adele conta: “No início, não sabíamos praticamente nada sobre a vida deles. Para conhecê-los, começamos a ler as Cartas familiares”. E logo descobriram algo: a normalidade de sua vida familiar. “As preocupações com o trabalho, as doenças dos filhos e até coisas mais concretas como a mudança de casa eram, mesmo que vividas em outra época, as mesmas que nós vivíamos”. Onde está a extraordinariedade? “Na consciência de que o Senhor se ocupava de suas vidas. Essa certeza, não apenas os fazia viver positivamente as situações difíceis, mas os tornava capazes de encontrar soluções. O relacionamento deles tinha o ímpeto sempre novo daquele primeiro Amor que os tinha chamado a viver a vocação matrimonial”.
Esta, para Adele e Valter, foi outra descoberta: nunca considerar óbvia a relação. E também ter cuidado, estima pelo outro, porque é um dom para a própria conversão. Não é possível dormir com o coração cheio de raiva por causa de uma briga. Valter continua: “Basta pouco. Um dos dois dizer: ‘Vamos fazer uma oração juntos’. Papa Francisco nos ensina isso. A canonização dos Martin nos diz que somos todos chamados a ser santos. A vocação e a missão da família na Igreja e no mundo contemporâneo passa por esse chamado à santidade dentro do cotidiano”. Assim, a vida muda até nos particulares.

O telefone que toca. Uma noite, Valter volta para casa desanimado: no trabalho, a situação está pesada. Quando começa a se lamentar, Adele o detém: “Você tem todas as razões do mundo, mas, você confia no Senhor? Acha que Ele não cuida mais de você? Amanhã, você pode voltar ao trabalho com o coração cheio de rancor ou pensar que há um desígnio maior, que devemos descobrir e pedir juntos”. Como fizeram por Pietro. Nestes anos, o casal Martin, através de Adele e Valter, tornaram-se companheiros de caminho de muitas pessoas. Com a notícia do milagre e, mais ainda, depois da beatificação, o telefone da casa deles passou a tocar com mais frequência. Recebem chamadas da Itália e também do exterior, de paróquias, centros culturais ou simplesmente de amigos convidando-os para falar sobre o que aconteceu com eles e o que mudou na vida cotidiana. Valter explica: “Falar da nossa história e tornar Zélia e Luís conhecidos torna-se ocasião muito concreta para uma reflexão sobre a vocação matrimonial. O outro não só é um bem, mas nos chama à conversão do coração. Faz com que levantemos os olhos quando preferiríamos nos acomodar porque a mudança, às vezes, é difícil. Um exemplo são os filhos. Você volta para casa cansado querendo ficar tranquilo. E eles colocam diante de você problemas, discussões. Então, basta uma palavra ou um olhar de minha mulher para me fazer entender o dom, a riqueza que eles são para a nossa vida. E tudo recomeça”.
Nestes anos aconteceram encontros inesperados, mas não apenas encontros “públicos”. Muitas vezes, quem os procura são pessoas solteiras ou casais que estão atravessando momentos difíceis. Querem encontrá-los. “Basta pouco para que entendam que nós, certamente, não somos ‘a família feliz’ sem preocupações. Ao contrário. As discussões e os problemas existem, como existiam na casa dos Martin. Por isso, dizemos para rezarem para Zélia e Luís, para olhá-los a fim de vislumbrar aquele Amor que parece ofuscado”, diz Valter.

Voltar a viver. “Ao reconhecer que ainda é preciso aprender a amar, podemos olhar para Zélia e Luís como amigos a serem seguidos. Nós propomos apenas isso, não somos psicólogos e não temos a pretensão de resolver o problema dos amigos. Mas pode ser uma centelha de esperança, de um caminho mesmo dentro da dor de uma possível necessidade de um afastamento temporário”, afirma Adele.
Acompanharam um casal de amigos, cujo casamento estava em crise e depois de algum tempo a mulher escreveu: “Ler sobre a vida conjugal dos Martin me deu a esperança e a força para tentar caminhar novamente com o meu marido, porque o caminho que eles propõem é para todos. Esta foi uma experiência fundamental para a minha vida, independente do êxito. Agora que estamos separados e que o meu matrimônio mudou dolorosamente de forma, o fato de ter-me confrontado com a vida deles me permite, de modo paradoxal, levantar-me todas as manhãs confiando tudo Àquele que nos ama. Assim é possível voltar a viver”.
Outra amiga, Verônica, fica grávida e o namorado a abandona. Sente-se sozinha e começa a rezar a Zélia e Luís para que a sustentem. A gravidez transcorre serenamente. Uma amiga que está finalizando o curso de obstetra se torna seu anjo da guarda: a acompanha para os exames de ultrassom e consultas médicas. Até o nascimento de Zélia Maria. Ela confia a criança aos pais de Santa Terezinha e pede a eles para encontrar um pai para seu bebê. E isso acontece.

“Não sei o que fazer”. Outra história é a de Marco, amigo de Adele e Valter que se reaproximou da família após saber do ocorrido com Pietro. Pensava em se dedicar ao Senhor na virgindade, mas depois decidiu deixar esta estrada. Naquele momento difícil a companhia da família Schilirò foi muito importante. O bem que querem a ele lhe deu forças para viver. “Não sei o que fazer. De um lado gostaria de me dedicar ao Senhor totalmente, mas do outro conheci uma moça pela qual nasceu um afeto imprevisto e correspondido”. Adele lhe diz: “Zélia e Luís, antes de se casarem, tinham buscado se dedicar a vida consagrada”.
Para Marco tudo se torna claro e simples: Jesus estava esperando por ele e era inútil buscá-Lo em outros lugares. Ele se casa e Zélia e Luís entram na sua família. “Rezo a eles por minha mulher, que não é crente, pelas pessoas que sofrem, mas também pela vida de todos os dias. E já estão realizando um milagre: me ajudam a acolher e amar a minha mulher, o seu valor absoluto, desejando que se realize o seu destino e a sua felicidade”.
Para Adele e Valter cada encontro é um dom: “Que não nos deixa tranquilos. Mas assim a vida familiar é uma bela aventura”.

APROFUNDAMENTO
- A homilia de Papa Francisco na canonização do casal Martin