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Passos N.176, Dezembro 2015

LONDRES

Perto dos distantes

por Luca Fiore

Um dia no subúrbio de Londres com padre JOSÉ “PEPE” CLAVERÍA. Para ver como é possível que em uma sociedade ultrassecularizada a fé volte a ser crível (e atraente) também “para os pagãos”

Zoe fala claramente: “Quando você diz que frequenta a igreja, que acredita em Deus e tenta educar os filhos de maneira cristã, acham que você é louca...”. Ela é uma jovem mãe, sentada no escritório do pároco da igreja de St. Edmund Campion, em Maidenhead, subúrbio fora de Londres, perto de Windsor, com cem mil habitantes. O sacerdote, missionário espanhol da Fraternidade San Carlo, chama-se José Clavería, mas é conhecido como “padre Pepe”. Zoe é filha de mãe católica, casou-se na Igreja Anglicana com um homem não religioso. Quando era jovem teve uma experiência negativa da Igreja, mas hoje se reaproximou. Também por mérito dos filhos, matriculados na escola católica que fica em frente à paróquia de padre Pepe. “As crianças traziam para casa tarefa de Religião e começaram a fazer perguntas que eu não sabia responder. Então pensei que eu também precisava saber um pouco mais sobre isso”.
Numa Inglaterra ultrassecularizada, assim como no Ocidente de hoje, há uma sede de significado que é diretamente proporcional à desconfiança em relação à Igreja. Assim, “quem tenta difundir a fé no meio dos homens pode realmente ter a impressão de ser um palhaço”, como escreveu Joseph Ratzinger em 1968 no texto Introdução ao Cristianismo citado por Julián Carrón na Jornada de Início de Ano de CL (ver Passos nov/2015). Trata-se do palhaço da parábola de Kierkegaard, enviado pelo diretor do circo em chamas para pedir ajuda no vilarejo. O palhaço já está vestido para o espetáculo e os habitantes o aplaudem pensando tratar-se de um truque para atrair o povo ao circo. Padre Pepe não quer colocar o nariz de palhaço; sabe que o risco de não ser entendido, de “ser tomado por louco” sempre existe. No entanto, não renuncia a tentar levar às pessoas o que tem de mais caro.

Xícara de chá. O dia do pároco de Maidenhead começa às 8h no pátio da escola elementar. As crianças brincam em uniformes cinza. Os pais empurram carrinhos, cumprimentam-se, alguns têm pressa, outros param para conversar. Padre Pepe conhece quase a metade das pessoas, pois desde a sua chegada, em 2013, visitou mais de duzentas casas de paroquianos. Ainda hoje, continua fazendo isso: “A próxima noite livre na agenda é daqui a um mês”.
Às 9h30 celebra a missa cotidiana que é frequentada por algumas mães e alguns aposentados que, depois, se encontram para uma xícara de chá nas proximidades da paróquia. Alguns ficam para uma partida de bridge, mas para amanhã está previsto um passeio pelo Tâmisa. Para o almoço, padre Pepe é convidado à casa de Daniela, uma jovem mãe da escola. Em casa, com ela, está Pippa, uma menina Down de dois anos, todos passados entre idas e vindas de hospitais. Daniela parece serena, mesmo quando arruma com delicadeza o pequeno tubo que sai do nariz da filha. “Foram meses difíceis para eles e nos vimos muitas vezes durante esse período”, conta o padre. Depois da visita, ele passa a tarde organizando as atividades ligadas à tarefa que o Bispo de Portsmouth lhe conferiu: é capelão de um programa diocesano de nova evangelização. À noite chegará de Londres um casal de amigos.
Tem muito trabalho, mas o que realmente encontra espaço no povo de Maidenhead? O que o conquista? Quem explica bem isso é Sam, 23 anos, que traz uma borboleta tatuada no pulso direito. Está com seu filho de 2 anos. Ela é a babá cuja história foi contada na Jornada de Início de Ano: “Pedi para fazer parte da paróquia porque alguns dos meus patrões a frequentavam. Nunca tinha visto uma abertura e uma cordialidade assim. Desejo-a para meu filho e para mim. Quero que ele possa ter alguém a quem se dirigir quando passar por tempos difíceis como aconteceu comigo. Alguém com quem falar de si, a quem fazer suas perguntas”. Sam não é batizada, é mãe solteira, nunca tinha frequentado uma comunidade cristã. No entanto, para padre Pepe aquela jovem mulher é, sobretudo, a sua simplicidade.
Também vem daí a história do casal não casado que pede o Batismo para o filho nascido de fertilização in vitro. Padre Pepe fica tocado com as lágrimas da mulher, que não o ouviu dizer: “Você vive em pecado”, mas: “Deus nunca perdeu você de vista”. Conta o episódio durante uma homilia, na missa dominical. Explica que o coração do homem não é movido pelas regras, pela ética, mas por uma atração. “No fim da missa duas pessoas se aproximaram e me perguntaram se na verdade eu tinha negado o Batismo por questões morais. Não tinham entendido nada. Estamos tão habituados a reduzir tudo à ética que nos parece estranho que alguém não aja assim. Por isso, um minuto depois tinham parado de escutar, pensando já ter entendido. É difícil atravessar essa crosta, mas me mantenho firme. Sem nunca justificar nada de imoral, mas apontando tudo para o fato excepcional de Cristo. Sem isso certamente o testemunho se torna ridículo”.

Funciona ou não? Padre Pepe observa que o empirismo não nasceu na Inglaterra por acaso: “Os ingleses são assim, se perguntam: Funciona ou não funciona?”. Muitos também se tornam católicos só por causa disso. Dizem: “Eu não sei muitas coisas, não entendo tudo, porém, quando estou com vocês estou melhor”.
E parece “funcionar” para o grupo de Escola de Comunidade dos “pagãos”, como os chama, brincando, o padre espanhol. Encontram-se há quase um ano às quartas-feiras à noite para ler os livros de Dom Giussani. Do grupo, participa Rob, que nunca teve uma educação religiosa. Ele é sócio de uma empresa que importa gêneros alimentícios e casou-se com uma mulher da República Dominicana. Um dia, o pároco foi à sua casa e o convidou para participar do grupo. “Comecei a vir porque desejo entender mais quem é Jesus. Se sou católico? Acho que estou me tornando...”. Vem também Andria, eslovaca batizada quando era pequena, que cresceu sem uma educação à fé. Casou-se com um mexicano e, também ela, através da escola dos filhos, começou a fazer certas perguntas. Robert, casado com uma mulher católica, aceitou o convite de padre Pepe depois de ter frequentado, na paróquia, um alpha course, curso de “alfabetização cristã” dirigido aos não crentes: “Tenho a sensação de que muitos católicos não encontram, indo à igreja, aquilo que nós, não católicos, estamos encontrando vindo aqui”.
Pete, gerente de uma grande loja, reaproximou-se da fé depois da morte da avó, que tanto insistira para que desde pequeno recebesse uma educação católica (ele é batizado na igreja anglicana). “Comecei a me perguntar por que ela se importava tanto. Tive vontade de descobrir o que era tão importante para ela”. Petra, que sempre foi católica, diz que até agora nunca tinha se dado conta de como Cristo pudesse ter a ver realmente com a sua vida. E, ainda, Anna, que não é tecnicamente uma “pagã”, no entanto – diz –, é surpreendente ver que as perguntas são as mesmas para todos. Alguns dizem: “É melhor do que ir ao analista e, além do mais, é grátis”, ou: “Aqui há a resposta para o vazio que tentava preencher com homeopatia e técnicas psicológicas”.
Anna tem duas filhas: Maggie, de 12 anos, e Martha, de 15. A mais velha começou a frequentar o grupo dos colegiais que se encontra com padre Pepe uma vez por mês. São 35 jovens. Muitos de Londres, cinco ou seis de Maidenhead. Martha está entusiasmada. Quando voltou das férias de verão, disse à mãe: “Se eu fosse adulta, entraria para CL, o que você está esperando para fazer isso?”. Para Anna, tudo começou quando padre Pepe pediu que recebesse em sua casa o grupo dos “pagãos”. Ela aceitou, mas durante o encontro ficou na cozinha aguçando os ouvidos para ouvir do que falavam: “Fiquei maravilhada com a beleza de uma noite de cantos organizada na paróquia. Havia um clima que nunca tinha vivido. Fiquei muito curiosa”. Para ela, educada em uma família católica inglesa, a fé sempre tinha sido uma coisa privada. No fim, começou a frequentar a Escola de Comunidade. A amizade se aprofundou e, quando ficou sem trabalho, contra qualquer previsão sua, se viu ajudando na paróquia. “Nunca teria pensado que o único trabalho não remunerado que já fiz seria o que mais me satisfaria profissionalmente”. Nestes dias, por exemplo, está ajudando padre Pepe a organizar uma visita a Calais, porto na costa francesa de Manica através do qual milhares de clandestinos tentam alcançar a Grã Bretanha. Anna não se reconhece mais: “É incrível aquilo que está acontecendo comigo e com minha filha, ao mesmo tempo”.
Padre Pepe, como se faz para não fazer o papel do palhaço de Kierkegaard? “Procuro me interessar pelas pessoas que encontro, entender suas vidas, seus problemas. Vou até suas casas. Se você não conhece a pessoa é impossível ter um relacionamento com ela de modo profundo. Mas também preciso me envolver do modo como sou, sem esconder minha vulnerabilidade, minhas perguntas. Se tenho alguma necessidade, peço ajuda. Acredito que essa partilha é o que torna possível um testemunho incisivo”.

Bonito e visível. Um envolvimento real com a vida das pessoas. Mas não só: “O que conquista mais são as coisas visíveis. A paróquia já esteve mal em relação ao mobiliário e à beleza dos espaços comuns. Propus uma ação para torná-los um pouco mais bonitos, mas muitas pessoas foram contra. Comecei arrumando o meu escritório. Limpei, pintei, coloquei belos quadros na parede. Agora, quando as pessoas entram, dizem: ‘Está muito bonito!’. Quando veem, se convencem”. Visibilidade. Quando vemos uma coisa bonita, ela se torna desejável. Como naquela vez em que um dos paroquianos da “velha guarda”, que há meses observava o que o novo pároco estava fazendo, entra na igreja num sábado de manhã e vê trinta e cinco jovens de 13 a 17 anos rezando os Salmos juntos. O homem foi até padre Pepe e confessou: “Em quarenta anos nunca vi uma coisa assim aqui. Talvez você tenha razão”.
Pete, um dos “pagãos” da quarta-feira à noite, conta que aquele encontro já se tornou a sua noite livre. Assim, ele que tem vida social intensa, normalmente recusa os convites dos colegas para uma noitada no bar: “Desculpem, esta noite tenho um encontro na paróquia”. Os colegas olham para ele com assombro e respeito.
Impressiona também a história do sem teto algeriano que padre Pepe hospedou durante um mês em sua casa. “Quando ouvi o apelo do Papa à acolhida, logo tentei entender como isso seria possível. Olhei em volta, perguntei para os paroquianos quem estaria disposto a hospedar alguém. O convite caiu no vazio. Depois, soube desse homem que dormia debaixo de uma árvore. Ficou comigo, dormiu na minha casa. De dia, ajudava na paróquia, o fiz até cozinhar para o pessoal da Escola de Comunidade. Os paroquianos viram que era possível: se renderam. Agora, depois de mim, uma família irá acolhê-lo. Quem sabe, talvez seja o início que levará ao nascimento da Cáritas na paróquia”.

Seguir um Outro. Para padre Pepe a “maldade dos tempos” não parece incutir temor, ao contrário. Sob certo ponto de vista, diz, é mais simples. Os distantes estão de tal forma longe que estão voltando. “Tudo bem, hoje acontecem coisas muito tristes que são produto de uma secularização profunda. Mas, paradoxalmente as pessoas têm menos preconceitos, porque já não se sabe mais nada do cristianismo. E aqueles que se reaproximam começam a desabrochar. É belíssimo. Sobretudo para mim, porque realmente vejo neles Cristo em ação. Mesmo que sejam apenas tentativas, iniciativas muito débeis que podem terminar em nada. Mas não são nada, são algo. E eu sou chamado a olhar e seguir esse algo”. Seguir? Por quê? “Sigo aquilo que um Outro está fazendo neles. Deus os dá a mim e seu testemunho é uma ocasião para a minha conversão. Uma ocasião para mim”.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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