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Passos N.99, Novembro 2008

EXPERIÊNCIA / LOS ANGELES

Como nasce uma comunidade

por Paola Bergamini

O trabalho e a vida na paróquia, o lanche na praia e as festas de casamento. Circunstâncias normais que, para um italiano que se transferiu para Hollywood ou seus arredores, se tornam ocasiões de encontro. E de risco. Assim, na capital do efêmero, esboçou-se uma presença estranha...

Los Angeles. Nos estúdios Walt Disney, seção movie (cinema), o ar é pesado. A notícia é oficial: a direção decidiu reduzir o pessoal em 300 pessoas. Guido, na escrivaninha, espera sua vez de ser chamado pelo chefe. Sabe, com certeza, que está na lista dos demitidos porque é o último que chegou. Trabalha na Walt Disney há quatro anos, mas só há seis meses foi transferido para aquela seção. Contam apenas estes últimos meses. No final do dia, a responsável o chama; é o último. "Sinto muito Picarolo, sinto muito mesmo...", tem os olhos marejados. "Eu também sinto, não apenas porque preciso procurar outro emprego. Para mim, o trabalho é expressão daquilo em que coloco minha afeição e, aqui, isso foi possível". "Percebi isso. Trabalhar com você foi diferente. Por isso, consegui que você possa ficar mais um ano (normalmente, nos Estados Unidos, fica-se apenas duas semanas; nde) e quero ajudá-lo a encontrar um novo emprego". O responsável do departamento de Recursos Humanos, presente às conversas, fica pálido: nunca aconteceu algo do gênero, no máximo, algumas lágrimas, reclamações, acordos sobre semanas devidas. A lógica tipicamente americana do lucro, do poder, caiu por terra. Entrou em jogo outro fator: uma afeição pela realidade, pelo outro, reverberação do abraço de um Amor maior. Desde 1994, quando me formei em Economia e Comércio, disse sim a Carlo Wolfsgruber, que me propôs ir para Nova Iorque, onde padre Marino tinha solicitado a presença de uma casa do Grupo Adulto. Não sabia nada... nem inglês. Disse sim a um olhar de bondade sobre mim". Guido contou-me isso em La Thuile, na Assembleia Internacional, onde nos revimos depois de quinze anos. Enquanto falava, percebi que seu olhar se tornava mais límpido, mais amoroso.

Dentro das circunstâncias
Dois anos com padre Marino, depois, o emprego em uma empresa de telecomunicações "com colegas mais jovens no comando. Mas a vida passava por ali, inclusive pelas fotocópias que eu tinha que fazer todos os dias". Depois de seis meses, o diretor o chamou: "Preciso de um homem de confiança em Los Angeles. Observei como você trabalha, confio em você, mas aqui não há oportunidades. Quer ir?". Em Los Angeles não havia nada: não havia comunidade do Movimento. Guido escreve a Dom Giussani pedindo para ir, por duas razões: 1. A possibilidade de aprender uma profissão. 2. Levar para lá a beleza da experiência que está vivendo. Depois de alguns dias, através de Giorgio Vittadini, vem a resposta: "É uma coisa grande. Dom Giussani lhe agradece. Em breve, Los Angeles terá uma casa do Grupo Adulto". Durante um mês, todos os finais de semana, acompanhado por Salvatore, voa a Los Angeles para encontrar uma casa e definir o trabalho. Depois, a partida. Nos primeiros três meses, mora sozinho. "Naquele período sempre pedi a companhia de Cristo na minha vida e só o fato de pedir, faz com que você não esteja sozinho. Não era uma espera que paralisava a vida. Cada dia se apresentava rico de ocasiões para ficar perto dEle". É uma maneira diferente de abraçar a realidade, que se vê no trabalho, na paróquia que Guido começa a frequentar, nos relacionamentos de todos os dias. Depois de três meses, passa a morar com Carlo, que veio a Los Angeles por oito meses para trabalhar em sua tese e, depois, chega definitivamente Mauro. A casa estava formada, Dom Giussani tinha razão. Depois de um ano, Guido muda de emprego para poder permanecer em Los Angeles. É uma empresa em expansão e o ritmo de trabalho é frenético: 12 horas por dia, inclusive sábados e domingos. Como conseguiu resistir? Guido sorri: "Não é questão de resistência, mas de viver até o fundo. Nunca pensei: fora daqui está aquilo que me interessa, que pena que tenho pouco tempo livre. O estar ali era total. Então, à noite, quando se fazia tarde, saía para buscar comida para todos para fazermos uma pausa juntos e conversar um pouco. E as pessoas começaram a perguntar sobre meus amigos, sobre o que fazia em casa ou... o que penso dos pobres do Terceiro Mundo e eu respondia que aos domingos fazia caritativa com as crianças, falava daquilo que me é mais caro. E começaram a me convidar para jantares italianos em suas casas". Assim, floresceram relacionamentos inesperados; assim nasceu a comunidade de Los Angeles. Sem inventar nada, sem fazer grandes discursos.

Casamentos, refeições, férias...
Como com Jennifer. Mauro a conheceu em um casamento e a convidou para almoçar em sua casa. Ela contou sobre sua situação familiar difícil: divorciada, com dois filhos. Começam a lhe fazer companhia. Guido, sempre que pode, atravessa a cidade para ajudar as crianças na tarefa. Ela recebe um convite para ir à Escola de Comunidade. Mas, quem ficaria com as crianças? Não pode pagar uma baby sitter. Os amigos alternam-se para que ela possa ir. Quando surge o problema de mudar as crianças de escola e Jennifer não pode pagar, Guido telefona para seus amigos da Fraternidade na Itália e pergunta se podem dar uma ajuda. Agora, há uma ponte que liga Milão a Los Angeles: Jennifer escreve a Laura contando-lhe dos filhos, da Escola de Comunidade, das dificuldades no trabalho... da vida. Por que se faz tudo isso, se não por causa do reconhecimento de uma Presença que se embrenha nas circunstâncias da vida. E a muda. Como com Brenda, colega de Mauro no trabalho que é convidada para a Escola de Comunidade. "A Brenda astrofísica que, em Liege, tanto impressionou Marco Bersanelli pela maneira com a qual enfrentava o trabalho, é ela", me explica Guido. Padre Roddy, ao contrário, duvidava um pouco desses italianos. Um dia, fazem-lhe uma proposta: "Por que não vem conosco às férias?". Não os deixou mais, porque "aos 70 anos, o encontro com o Movimento fez-me redescobrir a origem da minha vocação". Há também Nancy. "Eu a conheci na Walt Disney", conta Guido. Mais uma mudança de emprego? "Na Itália, não estamos habituados, mas nos Estados Unidos é bastante normal este turn over. Depois, no meu caso, a empresa estava falida". Nancy era protestante. Tornaram-se amigos. Depois de três anos, participa de um gesto do Movimento: a caritativa. Depois de um ano, vai pela primeira vez à Escola de Comunidade. Em abril último, tornou-se católica. "Antes, pensava que eu era a autora do meu destino, agora, vivo apoiada em um Outro", comentou alguns dias depois.

A cidade do efêmero
Para Claudia, de origem salvadorenha, que fugiu para os Estados Unidos na década de 80 por causa da guerra civil, a proposta foi feita pelo pároco da Igreja de São Sebastião: "Há um grupo de italianos que se encontram todas as quartas-feiras. Por que não vem conhecê-los?". Junto com o marido Edwino, uma quarta-feira aparece à reunião. Estes italianos são diferentes: usam palavras como Mistério, razão, Dom Giussani. Nunca mais nos afastamos desses novos amigos. "Era impossível. O desejo de voltar à reunião era para voltar àquela Presença que começava a se revelar em nossa vida", escreveu Claudia.
Nestes anos, duas Casas do Grupo Adulto foram formadas e os encontros se multiplicaram: com Beth, Paul, Christine e tantos outros. Conhecidos em festas, no trabalho ou em outras mil circunstâncias normais da vida. "Convidamo-los para jantar em casa ou para ir à praia em um bonfire (fogueira, nde) ou para surfar. Los Angeles é a cidade do efêmero, da aparência. Pode-se ficar parado no desdém um pouco moralista ou, no encontro com as pessoas, esta aparência pode ser abraçada. E, depois... se temos as praias mais belas do mundo, não devemos aproveitá-las?". Tem razão, Guido.
Mas, como terminou a história na Walt Disney? "Saí de lá". E agora? "Essa é uma outra aventura. Sobre a qual vou lhe contar". Ri, mas são os olhos que sorriem. Quase como se abraçasse o mundo.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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