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Passos N.177, Fevereiro 2016

O ANO DA MISERICÓRDIA

Os 14 sinais da graça

por Paolo Rodari

Dar de beber a quem tem sede. Dar bons conselhos. Dar pousada aos peregrinos. Perdoar as ofensas... O Ano Santo coloca no centro as obras de misericórdia corporais e espirituais. O teólogo ANDREA GRILLO explica como nasceram e o que significam

Andrea Grillo é professor ordinário de Teologia dos Sacramentos e Filosofia da Religião no Pontifício Ateneu Santo Anselmo em Roma. Ensina Liturgia no Instituto de Liturgia Pastoral da Abadia de Santa Justina em Pádua, no Instituto Augustinianum em Roma e no Instituto Superior de Liturgia de Paris. Com ele falamos do Jubileu da Misericórdia, em particular das obras de misericórdia que, segundo o que escreveu Francisco numa mensagem enviada a Dom Rino Fisichella, se podem viver “em primeira pessoa” para obter a indulgência jubilar.

Professor, quando e como nasceram as obras de misericórdia?
São fruto de uma longa história, na qual as “práticas penitenciais” foram a via principal com que o cristão respondia à graça do Deus que perdoa. Antes de existir o confessionário existiam as “obras de misericórdia”! Mais do que obras são formas de atuar. Mais do que ações pontuais, são indicações legitimadas e eficazes de “outras prioridades”, ou melhor, de “prioridade do outro”. São formas de esquecimento de si.

Em que sentido são formas de esquecimento de si? O que significa?
Significa que a comunhão, que é o dom fundamental oferecido por Deus aos homens e mulheres, se acende no momento em que cada indivíduo descobre no outro o princípio da própria identidade. Deus e o próximo são a “raiz do Eu”. Para entrar nesta experiência é preciso viver esquecidos de nós mesmos. Só não ficando agarrados a nós próprios é possível chegar a amar o próximo como a si mesmo e, portanto, amar também a si mesmo.

Sete são obras de misericórdia corporais e sete espirituais, por quê?
Como qualquer boa tradição, é fruto de diversas contribuições. Incluindo uma “sistematização ordenada”, que parte dos textos da Escritura e depois acrescenta ou explica, conforme as diversas circunstâncias da história. A fonte das obras de misericórdia corporais é o Evangelho de Mateus, capítulo 25, mas sem nenhum fundamentalismo. A verdadeira tradição nunca é fundamentalista!

Dentre estas catorze obras, há algumas com um valor especial em relação às outras? E por que são precisamente estas e não outras?
Não, não há nenhuma mais importante. A primazia é o dom de si que Deus faz ao homem. Por isso todas e cada uma são apenas imagens, sinais, traços da grande graça de Deus. O elenco não é taxativo, mas exemplificativo; não encerra a tradição numa estância aduaneira, mas abre a Igreja sobre uma praça em festa.

Frequentemente a prática penitencial é vista do modo oposto: uma mortificação mais do que uma festa, uma ascese até difícil e exigente. Em que sentido, então, praticar as obras de misericórdia equivale a abrir-se a “uma praça em festa”?
A “fraternidade mística” – como Francisco a define na Evangelii Gaudium – é a “forma primordial” da comunhão eclesial. A fé leva-nos a viver as relações com os outros, o tempo e o espaço que temos ante nós, sem medo, acima de tudo sem medo da morte, mas também sem medo do outro e do diferente.

Das sete obras espirituais, as que têm talvez um significado menos fácil de compreender são “dar bons conselhos” e “instruir os ignorantes”. O que significam exatamente?
Significam que na dúvida e no conhecimento não fomos deixados sozinhos. Transferem a perspectiva do juízo sobre a incapacidade do indivíduo para a comunhão de uma relação que promove todos. No conselho e no ensino, quem dá é o primeiro a receber. Esta inversão é muito importante.

As obras corporais exigem ação em favor dos pobres, de quem nada tem, de quem sofre, como por exemplo os presos. Pode-se dizer que sem estas obras corporais, as espirituais ficam incompletas?
Certo, é assim. O princípio de encarnação nos leva ao espiritual pela mediação do corpo, abre-nos às lógicas do invisível graças à força e à eloquência do visível.

A indulgência durante o Jubileu é obtida confessando-se, recebendo a Eucaristia, rezando pelas intenções do Papa e fazendo um ato de caridade e de penitência. Por que também se pode obter a indulgência por viver uma obra de misericórdia?
É preciso distinguir os “regulamentos eclesiais” do sentido teológico e espiritual dos atos. Na realidade a indulgência é a remissão da pena temporal, ou seja, melhor capacidade de responder ao perdão já recebido. Insistindo demais nas “condições” da indulgência corre-se o risco de convertê-la num “mérito”, contradizendo o seu sentido.

Francisco quis este Jubileu extraordinário dedicado à misericórdia. Dá a impressão de que quer libertar a Igreja de muitos adornos e rigorismos próprios do passado. E, ao mesmo tempo, fazê-la mais próxima da humanidade, sobretudo a mais afastada de uma prática de fé. Não acha, porém, que repropor as obras de misericórdia poderá distanciar os não crentes?
As obras de misericórdia, e toda a configuração tradicional do Jubileu, têm uma longa história e também precisam de uma releitura cuidadosa, já iniciada com Paulo VI. Um tom excessivamente individual, quase privatista deve antes ceder a uma lógica comunitária, serena, relacional. Dar espaço à misericórdia, em si mesma, significa promover ao mesmo tempo uma tradição eclesial mais autêntica e uma mais profunda consideração das dinâmicas antropológicas atuais.

Uma pergunta mais geral: como definiria o Pontificado de Francisco do ponto de vista litúrgico?
Diria duas coisas. Em primeiro lugar, uma lufada de ar fresco e de bom senso, em relação a endurecimentos e nostalgias por estilos e formas que a Igreja não só pode, mas deve firmemente superar. Em segundo lugar, passou-se do primado da “observância” ao primado do “tato”. Isto torna o Vaticano II totalmente irreversível.



As obras de misericórdia corporais são:
1ª Dar de comer a quem tem fome;
2ª Dar de beber a quem tem sede;
3ª Vestir os nus;
4ª Dar pousada aos peregrinos;
5ª Assistir aos enfermos;
6ª Visitar os presos;
7ª Enterrar os mortos.

As obras de misericórdia espirituais são:
1ª Dar bom conselho;
2ª Ensinar os ignorantes;
3ª Corrigir os que erram;
4ª Consolar os aflitos;
5ª Perdoar as injúrias;
6ª Suportar com paciência as fraquezas do nosso próximo;
7ª Rogar a Deus por vivos e defuntos.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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