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Passos N.178, Março 2016

ATUALIDADE

A reconquista do México

por Stefano Filippi

Um povo ferido pelos conflitos sociais, pelo narcotráfico, pela violência. E o risco de sentir-se “inútil” diante de problemas enormes. Às vésperas da visita do Papa Francisco, realizada de 12 a 18 de fevereiro, ouvimos pastores, fiéis e estudiosos. O que espera o país que carrega no DNA a aparição de Guadalupe?

Hugo León, da Cidade do México, entendeu o que representava a iminente visita do Papa Francisco olhando sua filha mais velha. Até aquele momento, o que estava em sua cabeça eram as respostas oferecidas pela mídia: “Um embate político, uma reprimenda aos Bispos, uma denúncia contra a corrupção e a violência”. Mas, certa tarde, Rachele começa a arrecadar objetos para vender e ajudar uma creche da região: as catequistas estavam explicando as obras de misericórdia e convidaram as crianças a se envolverem. O pai constrói carrinhos de madeira, a tia faz biscoitos, os irmãos recolhem os brinquedos. Rachele não quis entregá-los na igreja, mas levá-los pessoalmente às crianças da creche. “Foi um espetáculo comovente”, conta Hugo. O que significa, então, a chegada do Papa? “A misericórdia de Deus que nos alcança, o seu contágio, e descobrir que ela é mais poderosa do que qualquer outra coisa”.
O México esperou Francisco com grande ansiedade. Uma nação rica e frágil, marcada em seu DNA pelas aparições da Virgem de Guadalupe, com cem milhões de católicos praticantes e, no entanto, lacerada pelos conflitos sociais, pela pobreza das intermináveis favelas, pelo narcotráfico, pela violência, pela evasão dos migrantes que fogem para a terra prometida dos Estados Unidos. Depois de ter visitado Chiapas, o Papa concluiu a viagem na Ciudad Juárez, a cidade mais perigosa do mundo, controlada pelos cartéis de drogas e comerciantes ilegais. Que tipo de mudança poderá trazer a essas fronteiras inutilmente blindadas que são, ao mesmo tempo, um deserto e um inferno?
María Luisa Aspe Armella dirige o Departamento de História da Universidade Ibero-americana da Cidade do México, uma das principais instituições culturais da América Latina. É especializada em História da Igreja. “Espero que o Papa reforce a esperança cristã e o empenho que deriva disso. Ele é visto como um líder político e esperam que ele resolva aquilo que nós, mexicanos, não sabemos enfrentar. Mas o povo não deseja castigos: quer esperança, consolo, proximidade”.

A PREFEITA ASSASSINADA. Nos primeiros dias de janeiro, Dom Ramon Castro, bispo de Cuernavaca, celebrou os funerais de Gisela Mota, prefeita de Temixco, assassinada por traficantes no dia seguinte à posse. “O povo sofre, deseja a beatitude da paz”, diz o prelado: “Espero que a visita do Papa nos ajude a perceber a imensa oportunidade de deixar para traz o torpor e que sua mensagem se transforme em desafio de empenho evangelizador. O México pede a Francisco que toque as chagas para consolar o povo e denunciar as injustiças; que em suas mensagens mencione as causas dessas feridas e que encoraje todos a viver no empenho com a verdade e a justiça. E pede que ele seja um mensageiro da misericórdia”.
Segundo uma pesquisa, somente para 5% dos católicos mexicanos o empenho social está ligado à fé. Há uma dissociação entre a fé e a vida, entre a imensa devoção a Nossa Senhora de Guadalupe, padroeira do Continente Americano, e o testemunho público? Jorge Traslosheros, professor do Instituto de Pesquisas Históricas da Universidade Nacional Autônoma do México fala de um catolicismo “envergonhado”: “A Igreja faz muito bem à sociedade em termos culturais e sociais, mas é certo que nós, católicos, não conseguimos gerar uma cidadania promotora de uma sociedade justa e pacífica. Não conseguimos ser, como dizia Dom Bosco e de algum modo também Giussani, bons cristãos e cidadãos virtuosos”.
Jorge acrescenta: “Permanece uma fé que tem vergonha de si, que gera católicos tímidos, não dispostos a participar do debate público, ou católicos anticlericais, que se indispõem com a hierarquia”. Que contribuição podem dar os católicos para um país mais justo? O bispo Castro responde assim: “Podemos contribuir com o combate da cultura do descartável vivendo o evangelho da alegria, oferecendo ambientes familiares saudáveis, reconhecendo as possibilidades que temos nos valores tradicionais como a família, a vida, a partilha de bens e a busca de Deus”.
Francisco é o terceiro Papa que viaja ao México. João Paulo II foi cinco vezes entre 1979 e 2002, com quatro peregrinações ao Santuário de Nossa Senhora de Guadalupe, e Bento XVI esteve lá em 2012. Que novidade poderá trazer a visita do primeiro Pontífice latino-americano? “João Paulo II nos fez descobrir a alegria da fé”, continua Jorge, “que, porém, corre o risco de cair no sentimentalismo. Bento XVI pediu-nos para colocar a inteligência na fé. O convite de Francisco é que a alegria e a inteligência transformem-se em ações para o bem da sociedade mexicana”. María Luisa Aspe Armella especifica: “Não é possível ser católicos esquecendo-se dos irmãos. A palavra do Papa é como a mensagem de Jesus à Samaritana. O samaritanismo é o coração da sua mensagem: a segurança de que Deus nos ama e nos procura sempre”.
Amedeo Orlandini, diretor do Departamento de Filosofia da Universidade Católica Lumen Gentium da Cidade do México, aponta este risco para os católicos: “Cultivar uma sensação de inutilidade diante dos enormes problemas do País como se a fé não pudesse vencer nessas circunstâncias. O paternalismo estatal induziu as pessoas a se fecharem na esfera privada: ao invés de apoiar o protagonismo dos mexicanos, a política o freou e quase o eliminou. Mas também na Igreja há dificuldades: a igreja mexicana, com algumas exceções, é bastante clerical e os leigos são considerados – e se consideram – como um apêndice do clero. Todavia, há realidades eclesiais vivas, obras concretas de ajuda aos migrantes e que promovem o diálogo e a paz, presenças significativas no âmbito da educação. Com a visita do Papa espero ser confirmado na fé, que a fé se renove em mim e em todos através de um novo início que restitua frescor e entusiasmo”.

AS SURPRESAS. “A primeira mudança acontece em mim”, afirma o arquiteto Oliverio González, responsável por CL no México. “O Papa irá às regiões mais periféricas do nosso país, onde a dor e o desespero, que geraram a violência e a desigualdade social, parecem ganhar cada vez mais terreno. Mas ele não vem para ‘salvar’ o México, vem por um amor a mim. E, se eu mudo, todo o meu país pode mudar. Neste Ano da Misericórdia sua visita é uma graça enorme para aprofundar o que significa fazer experiência da misericórdia”.
Um encontro pessoal: esta também é a convicção de Dom Christophe Pierre, Núncio Apostólico no México. “O Papa vem para ser testemunha de Cristo através de um encontro humano. Ele quer conhecer as pessoas, as situações, os grupos, os problemas. Pelo que entendi a partir destes meses de preparação, o desejo do Papa é que seja uma viagem cheia de surpresas, saindo do ‘já sabido’ para permitir às pessoas descobrirem coisas novas. O mexicano continua sendo profundamente religioso: todos, mesmo aqueles que se distanciaram da Igreja, acham que o papa pode oferecer uma esperança para sair da pobreza, da violência, da insegurança. Olham para ele porque pode comunicar um sentido”.
O Núncio enfatiza que no centro da cultura mexicana está o acontecimento de Guadalupe: “O Papa tem certeza dele, por isso a visita começará ali. A história do país é marcada pelo encontro com Maria e, portanto, com Cristo. As aparições reconciliaram os conquistados com os conquistadores, Nossa Senhora resgatou o povo que queria se destruir. No drama de uma conquista violenta houve a possibilidade de reconhecer um valor, um caminho de reconciliação. Esse é o papel da Igreja, e devemos vivê-lo também hoje”.
E, de fato, o Papa deixou maravilhados todos os que acompanharam seus dias no México. E, logo após a visita, Oliverio nos escreveu dizendo: “Ele não veio indicar culpados, nem eliminar o mal que nos aflige. Ele veio para nos mostrar o que cada homem precisa para viver livre e feliz em todas as circunstâncias: o abandono a Deus Pai e à sua Mãe, a Virgem Maria de Guadalupe. Um aspecto interessante da sua visita foi o de nos ter feito ver os ramos verdes desta árvore chamada México, apreciando e abraçando as testemunhas das periferias mais distantes e esquecidas do nosso país. Nós conhecemos irmãos e irmãs dessas periferias mexicanas, para os quais o México é uma árvore já podre, pela impunidade, corrupção, desigualdade e violência. O Papa nos disse novamente: Olhem! É possível, está ao alcance de todos!”.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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