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Passos N.180, Maio 2016

GRÉCIA

Quem os acolhe agora?

por Paolo Perego

Mais de um milhão de refugiados em um ano, do Oriente Médio e da África, passando por Atenas. Uma estrada que está se tornando um beco sem saída. De Lesbos a Pireu, indo para Idomeni e para o funil macedônico. Fotografia de um país que, até na crise, mostra ao mundo o que é humanidade

Eles estão à espera, em meio a milhares de pessoas. Um casal muito jovem, marroquinos. Francesca se aproxima. Ela é “capacete branco”, voluntária da Cáritas Itália: “Quem são vocês? Do que estão precisando?”. Casados há pouco tempo, pobres em seu país, querem chegar à Europa. “E salvar a família. Não, não tirem foto... Ou melhor, sim. Focalize nossas mãos”. Os anéis nupciais bem à vista e um bichinho de pelúcia. “Digam à Europa: só queremos ter um filho. Obrigado por ter nos escutado”. Depois ele abre o casaco e mostra o seu tesouro: as fotos do casamento, o álbum, enrolado e escondido cuidadosamente. Não têm mais nada. Tira uma foto do álbum e dá de presente a Francesca, antes de se pôr a caminho para a sua terra prometida.
O que no Êxodo bíblico era o deserto, hoje se chama Grécia, um país de joelhos por causa da crise econômica, transformado em ponto de passagem para a vida. E que agora está se tornando um limbo, ou um “cemitério de almas”, como disse o vice-ministro para a Imigração, Ioannis Mouzalas, à TV pública Ert.
O que dá medo são os ecos que chegam da Europa, de palavras como “fechamento das fronteiras”, “repatriação”. Mas também a indiferença de muitas partes do Ocidente perante a palavra “acolhimento”. Sírios, iraquianos, afegãos, paquistaneses... Mas não só. Até quem vem da África, hoje, faz uma parada aqui, diante dos trilhos da ferrovia para Idomeni, que por entre as árvores sobem até a fronteira com a Macedônia e, depois, mais para cima, rumo à Sérvia, à Áustria, à Alemanha. Um vilarejo da Tessália, a cem metros da fronteira. Poucas dezenas de habitantes, quase nem aparece nos mapas. Mas agora é um nó do mundo. Por que todos vêm para cá? O percurso? Das costas da Turquia, algumas milhas pelo mar, em cima de qualquer coisa que flutue, rumo às ilhas gregas. Em seguida, Atenas ou os portos de Tessália. E depois, até a fronteira, em ônibus, táxis, de qualquer modo.
Os dados são impressionantes. Só em 2015 desembarcaram nas costas gregas mais de 850 mil migrantes. E mais de 110 mil entre janeiro e fevereiro deste ano. Esses são os vivos. Há também aqueles que ficaram no mar. Nesses poucos quilômetros que separam a costa turca de Lesbo, Rodes, Quios, Samos... O pequeno Aylan, encontrado morto na praia com o rosto meio enterrado na areia, que abriu os olhos do mundo, pelo menos por alguns dias, no mar Egeu, é uma das setecentas crianças dentre os 3.200 mortos do ano passado. Aos quais se juntam outros quase quatrocentos deste ano.

Lições de civilização. Alguém falou de uma nova Lampedusa, com o deslocamento das rotas no Egeu. Mas as proporções são espantosas, num país que conta com pouco mais de dez milhões de habitantes, metade dos quais entre Atenas e proximidades. Para não falar da economia em colapso, entre pobreza e desemprego, onde hoje falta tudo a um número cada vez maior de famílias, inclusive comida e remédios. E as contínuas manifestações populares. Aquelas de fevereiro, por exemplo, com centenas de tratores bloqueando as ruas e estradas de Norte a Sul. É a Grécia nos confins da Europa, uma nação que, dizem muitos, está morrendo. E que, apesar de tudo, hoje dá lições de civilização, enquanto em Bruxelas e ao redor se discute.
Basta tentar seguir o itinerário dessa migração em massa, acompanhar quem atravessa o país para ver, em ato, o que é acolhimento, partilha, solidariedade, humanidade, dignidade... “As praias de Lesbo estão cheias de restos de câmaras de pneus, de barcos e botes de salvamento abandonados”.
Danilo Feliciangeli esteve na Grécia durante um ano e meio com a esposa. Ambos trabalham para a Cáritas Itália, no âmbito do projeto “gemellaggi solidali”. Ele é o supervisor de várias atividades; atendem Atenas e vizinhança. “Estamos trabalhando também em outros países, como a Síria e o Iraque”. Mas o drama grego ele viu de perto. Aos milhares, escondidos nas costas turcas, aguardam o mar bom para partir. “São poucos quilômetros, às vezes menos de sete”, diz Danilo, explicando como os esperam nas praias: “Porque eles chegam direto. Não há ninguém que os recupere no mar”. Em geral, chegam esgotados pela viagem de semanas. Adultos, velhos, crianças, que precisam de tudo. Água, comida, roupas. Um pouco de descanso. E humanidade”. “Aqui eles são acolhidos”, diz Danilo. “Como Cáritas grega, alugamos um albergue”. “O Paradise Hotel hospeda duzentas pessoas, e sob o olhar de Tonia, responsável pela Cáritas, as famílias repousam e as crianças brincam alegres nos escorregadores e balanços. Depois, a partir das ilhas, a bordo de um barco de linha para Atenas ou para Kavala, no Norte, a viagem recomeça.

A montanha de roupas. O desembarque em Pireu, o porto da capital, é um ponto nevrálgico. “Eles precisam de informações, de ajuda. Um ou outro sobe logo num táxi e parte rumo à fronteira. Em geral, são sírios, que têm um pouco de dinheiro. E é preciso impedir que sejam iludidos pelos traficantes ou por quem vende passagens a preços exorbitantes”, conta padre Andrea Voutsinos, pároco de Atenas e vice-presidente da Cáritas local. “Mas não são só as ONGs. Também o povo comum se põe em ação. Traz ajudas, roupas, dinheiro”.
Francesca passou dias inteiros nos terminais de Pireu. Num banquinho, à espera dos migrantes trazidos pelos navios que chegam de todo o arquipélago. Hoje conta as histórias deles, feitas de rostos exaustos de famílias inteiras, de olhos que não sabem nem em qual país estão, de crianças que sorriem por causa de um desenho, de vozes que contratam passagens para o centro ou para a fronteira. “Na cidade temos outros dois albergues. Eles ficam aqui por poucos dias”, diz padre Andrea. “O tempo suficiente para tomar um fôlego, repousar”. E recuperar um pouco de humanidade, perdida e esquecida, dia após dia, durante “a Viagem”.
“De fato, é possível ver a mudança nos olhos deles. Frente às velhinhas de Atenas, por exemplo, que descem com as cestas cheias de comida até a praça da Vitória, onde há meses existe um acampamento”, conta Danilo. E a generosidade do povo é tanta que se criou uma pequena montanha de roupas que estão sobrando. “Esses gestos são parte deles”, diz Danilo. “A Grécia há muito tempo é uma realidade multicultural e um cruzamento de povos. Ou, talvez, eles se lembrem de que já passaram por isso”.
Mas a impressão é que, com maior razão devido à crise que estão vivendo, conhecem bem o que é passar por necessidades. Por isso são compassivos. Compaixão, compartilham essa experiência”. “O farmacêutico do meu bairro, frente a um sírio que procurava comprar remédios para o avô, deu-os de presente a ele. E uma outra vez lhe deu também dinheiro, como que augurando que fizesse uma boa viagem”, diz Francesca, que hoje vive numa residência no bairro de Neoskosmos, onde moram famílias gregas que vivem em necessidades e refugiados que estão de passagem. Aqui se festejou o Natal juntos, os aniversários também. “Pequenos gestos que restauram a esperança e a dignidade, fazem as pessoas renascerem. Talvez nem precisemos fazer nada, basta ouvi-los, estar ali com eles. Ao contar suas histórias, eles retomam a vida”.
Esta manhã, nas escadas da sede da Cáritas de Atenas, a dois passos da estação de Omonia e Piazza della Vittoria, os bairros mais afetados pelas palavras “crise” e “migrantes”, Francesca parou para conversar com um iraquiano: “Ele contou que foi preso na Turquia, falou das torturas com a corrente”. No último período, Ancara também os impedia de prosseguir, obrigando-os a assinar os papéis para serem repatriados. Até as crianças. “Este jovem me disse ‘os gregos são anjos’. Mas no fundo não fazemos muita coisa. Só os vemos como eles são”.
E de Atenas a Idomeni, na fronteira, a música não muda: o acolhimento é o mesmo. “A gente entende que não pode fazer muito mais do que isso”. Claro, o pão, as roupas, as informações, a proteção contra os traficantes... E monitorar a situação, que muda a cada dia. Já nos meses passados, a Macedônia só deixava entrar certas nacionalidades num dia, para impedir o ingresso no dia seguinte, temendo o fechamento das fronteiras da Sérvia e da Áustria. Agora, enquanto na fronteira de Idomeni, funil obstruído, amontoam-se milhares de refugiados, a Europa assina um acordo com a Turquia, disposta a acolher todos os novos migrantes que desembarquem na Grécia após 20 de março: para cada sírio admitido na Turquia, um sírio que estiver no território de Ancara será recolocado num país da UE. Um acordo que suscitou perplexidade, até pela sua implementação, e que evidencia, como disse o Papa no Domingo de Ramos, que “muitos não querem assumir a responsabilidade pelo destino desse povo”.
“A gente está meio deles, fazendo o que pode; perguntando quem são. Isso você pode fazer. E basta”. Como para aquele pai iraniano, Mehdi, a quem Francesca presenteou com o seu rosário. “Disse-me que, a partir desse momento, a nossa amizade havia se tornado uma coisa muito profunda”. Para ela é a descoberta de um outro mundo, agora também pendurado na parede do seu quarto. “Agora a parede está cheia desses presentinhos: o crucifixo de um sem-teto, a foto do casal marroquino, os desenhos das crianças...”. É, diz ainda, entrar na solidão dessas pessoas. E se descobrir com eles: “Como com Asmat. Afegão, 23 anos, perseguido pelos talebans porque era guia dos jornalistas ocidentais. Não confiava mais em ninguém. Mas...”. Asmat gosta de pintura. Mostrou a ela um quadro que pintou antes de partir: um jovem inclinado sobre si mesmo, numa noite iluminada pela lua. “Que solidão! Publiquei esse quadro no Twitter. Hoje ele me escreveu para agradecer por tê-lo escutado. Está na Áustria. Conseguiu passar antes do bloqueio”.
Acontece no encontro com o outro, quando a gente coloca a mão nas suas chagas e descobre que essas chagas são também as suas. A mesma necessidade. Está toda ali, a amizade profunda de que falava Medhi. No fundo, é o que fez nascer a Europa. Um “olhar aberto”, segundo uma certa etimologia do grego: eurus e op. Ao outro. E isso o povo helênico está ensinando ao mundo.

 
 

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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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