Passos N.182, Julho 2016

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Em Foco - Para que a violência não dê a última palavra

Dentro de uma série aparentemente interminável de choque e horror trazidos pelas notícias da mídia, a população brasileira se escandalizou recentemente com os casos de uma menina estuprada por vários homens no Rio de Janeiro (na verdade apenas um entre os cerca de 130 casos notificados diariamente no país) e do menino de 10 anos morto por um policial na frustrada tentativa de roubar um carro em São Paulo (mas que também é apenas uma entre as cerca de 150 mortes violentas notificadas diariamente entre nós). Diante de coisas assim, somos tentados a crer que Deus não foi sábio ao dar a liberdade aos seres humanos... Ou que Ele nem mesmo existe, pois como poderia um Ser que é amor permitir tanta dor a seus filhos?

Cobramos – e devemos cobrar – do Estado e dos governos a segurança dos cidadãos e a justiça para aqueles que praticam atrocidades. Mas constatamos que a justiça humana é impotente diante dos extremos do horror e da dor. Não há condenação, pena ou castigo capaz de reverter o tempo, de ressuscitar os mortos ou cancelar um grande trauma. Algo mais é necessário para que a justa indignação que sentimos diante desses fatos consiga reconduzir ao caminho da humanidade perdida, tanto da humanidade perdida pelos agressores e por suas vítimas como daquela perdida por cada um de nós.

A sabedoria cristã considera que tanto o mistério do mal quanto o dom da liberdade doada aos seres humanos são, em última análise, insondáveis à inteligência humana. Mas Deus só os permite porque pode, mesmo no absurdo do mal e na incerteza da liberdade, criar coisas ainda mais maravilhosas. Sua misericórdia é o instrumento acessível a nós para tais prodígios. Na cruz de Cristo, o próprio Deus se entrega à dor nascida do mal-uso da liberdade e da fragilidade do ser humano. Por amor, compartilha o nosso limite para nos mostrar que sua misericórdia pode resgatar e dar um valor inesperado à nossa sofrida humanidade.

Mas a própria misericórdia “passa” por nossa liberdade. Para que Ele possa agir, é necessário que estejamos dispostos a engajar nossa liberdade na verificação daquela intuição que tivemos quando O encontramos, a correr o risco de deixar que nossa vida seja mudada a partir desse encontro. Por outro lado, outros farão esse encontro só na medida que testemunharmos essa vida transfigurada (e por isso transformada) pela misericórdia.

É uma experiência pessoal, mas não intimista, pois é uma força necessária para a transformação da realidade. Para que a violência não dê a última palavra na sociedade, não basta a justiça humana. É necessário que a misericórdia, que se manifesta como solidariedade, perdão, consolo, amor e sentido, seja testemunhada por nós.