As férias de um grupo de crianças ucranianas acolhidas por famílias italianas. Entre elas, filhos de quem foge da guerra e de quem está combatendo. Eles se acusam mutuamente de serem os causadores do próprio sofrimento. Mas depois nasce entre Kolja e Alesha, Olena e Natalya uma amizade... História de um pequeno fato que semeia esperança para todo o País
"Eles iriam se casar na primavera, mas Sacha foi morto por um atirador na Piazza Maidan. Olenka era minha colega e uma das amigas mais queridas; trabalhávamos juntas na escola Montessori e fazíamos voluntariado nos orfanatos. Ela era alegre, comunicativa. Depois da morte de Sacha ela largou tudo e foi embora de Kiev".
A narrativa de Katya Klyuzko começa por aí, pelo momento mais duro. "Durante os meses do protesto pacífico havíamos visto que a solidariedade e a liberdade eram possíveis na Ucrânia. No entanto, diante do tapete de maços de flores pelo luto dos cem que morreram na Piazza Maidan, eu me perguntava: "Se lutar por esses valores teve um significado, por que o que agora resta é só uma grande dor?". Como Olenka, sentia-se vazia. O entusiasmo de antes desapareceu. "Eu tinha uma grande dúvida a respeito da minha Igreja ortodoxa, do Patriarcado de Moscou. Na praça eu via os sacerdotes greco-católicos e os do Patriarcado de Kiev (Igreja cismática não reconhecida; ndr); mas os meus, onde estavam? Uma vez, durante uma homilia, ouvi que éramos definidos como ‘ratos’. Como isso era possível? Parei de ir à igreja".
Depois aconteceu uma coisa simples: Katya encontra Constantin Sigov, Aleksandr Filonenko e seus amigos. Conheceu o padre Filaret, um monge de barba vermelha e a pele clara, que em sua paróquia na zona rural havia começado a ajudar os refugiados que começavam a fugir do Leste em guerra e as famílias dos militares. Não fazia isso por motivos políticos ou para apoiar o governo; fazia porque era cristão. "Pensei: na minha Igreja também é possível. Para o padre Filaret todos eram bem-vindos: ortodoxos, católicos e protestantes. Havia uma abertura que me fazia respirar ar puro".
Nos meses seguintes – segundo semestre de 2014 – ela vai a Milão encontrar-se com o padre Ambrosij, o arquimandrita da paróquia ortodoxa da capital lombarda. Ele e o amigo comum Constantin a convencem: "Katya, cuide dessas crianças".
Violetta e o pôr-do-sol. Hoje, quase três anos depois, Katya é a responsável pelo projeto "Filhos da esperança", que há dois anos oferece a algumas crianças de famílias de refugiados do Leste da Ucrânia e de militares a possibilidade de passar o verão na Itália, recebidas pela instituição Famílias para a Acolhida.
A ideia das férias na Itália para as crianças ucranianas não é nova, remonta aos meses após o acidente de Chernobyl, no final dos anos 80. Desta vez, porém, não são ajudados os filhos de famílias que fugiam do monstro radioativo. Em 2015, eram oito as crianças que chegaram da Ucrânia. Neste ano, 46.
"Hoje, a guerra na bacia do Donets sacrifica duas categorias de pessoas: os que precisam fugir da própria casa e os que veem um familiar partir para a frente de batalha. Todos ucranianos, mas uns veem os outros como a causa do próprio sofrimento", explica Katya. "Nós oferecemos a nossa ajuda aos filhos de ambos os grupos, esperando que a amizade que nasce entre eles, durante os encontros que organizamos na Ucrânia e nas férias na Itália, possa contagiar também os seus pais. É por isso que o projeto leva esse nome: é a partir dessas crianças que pode nascer a esperança para a Ucrânia".
Foi o que aconteceu com Kolja e Alesha. O primeiro, filho de um soldado do front, é de Makarov, cidade nos arredores de Kiev. O segundo teve que fugir com a família de Donesk, a principal cidade do Leste, tomada pelos rebeldes filorussos. "Nós os trouxemos para a Itália no ano passado. Por acaso, ambos ficaram na família de Adriano e Tina", conta Katya. "Inicialmente, não se suportavam. Depois, ao final das férias, percebemos que se tratavam como irmãos".
Essa experiência de passar algumas semanas na Itália é forte: uma família que não se conhece, com hábitos diferentes e que fala outra língua. "Tiveram que enfrentar as mesmas dificuldades e puderam perceber juntos o quanto pode ser bonito serem acolhidos generosamente. Assim, caíram os preconceitos e nasceu uma amizade, o que impressionou até mesmo as suas famílias". Na casa de Adriano, este ano, chegou Anna, uma menina de 15 anos. "Nós a pusemos sozinha num quarto com três camas", conta Adriano. "Depois de alguns dias, nós nos perguntávamos por que ela passava tanto tempo sozinha no quarto. Depois descobrimos que a família dela, em Kiev, era obrigada a morar num só cômodo e ela tinha que dormir no chão".
Violetta também fugiu de Donesk. Foi para um pequeno povoado na província de Pavia. Mauro foi buscá-la no aeroporto, apresentou-a às filhas, jantaram, depois foram para o jardim. Ao pôr do sol o céu fica lindo, incandescente. A filha de Mauro corre para chamá-lo e diz: "Ela está chorando...". "Quando a vi com lágrimas nos olhos, disse para mim mesmo: O que você pode fazer? Ali entendi que, no fundo, nós precisamos das mesmas coisas".
Claro que essas crianças que vêem da Ucrânia trazem alguma confusão às famílias italianas que as recebem. Tomemos Monica, que quando criança foi adotada vinda do Brasil. Ela convenceu o marido Paolo a acolher Masha, de 9 anos, filha de um soldado de Kiev. "Ela chegou num momento realmente estranho. Paolo havia perdido o emprego. E a coisa correu de um jeito que eu não esperava. Eu é que desejava hospedar essa criança... Eu trabalhei para convencer a família toda... Eu é que queria... Depois, ela chega e se afeiçoa mais ao meu marido do que a mim!".
A "casa da alma". A aproximação do verão italiano torna a vida intensa. Na Itália, a instituição Famílias para a Acolhida tem que resolver muitos problemas burocráticos. Mas não só isso: as famílias envolvidas, graças aos contatos com o padre Francesco Braschi, estreitaram amizade com os paroquianos ortodoxos de Milão e Varese. Na Ucrânia, Katya, junto com Anja, Francesca, Anna e outras voluntárias, organizou uma semana de convivência com as crianças na paróquia do padre Filaret. Vieram também algumas mães para ajudar. Entre elas, Olena e Natalya. A primeira é a esposa de um soldado de Kiev; o marido da segunda é um pastor protestante da região de Luhansk. "Elas nos ajudaram muito e se ajudaram bastante entre si", conta Katya. "Via-se que haviam compreendido os talentos uma da outra. É lindo que tenham se tornado amigas".
A semana passa entre jogos, aulas de italiano, laboratórios e caminhadas. "Uma atividade nós a chamamos de Casa da Alma e pedimos às crianças que desenhassem o lugar onde se sentiam de fato em casa", continua Katia. "A aula terminou com a metade delas chorando". Conversamos com elas, procuramos entendê-las. "Yaroslav, o que é a paz?". "É quando o papai não está na guerra".
Ela é de Moscou. Anja, uma amiga educadora, também foi convidada para dar uma ajuda. Mas quando a convidamos, ninguém tinha pensado numa coisa: ela é russa. "Crianças, esta é Anja, vem de Moscou...". As crianças são desconfiadas, têm na mente as palavras que ouvem dos adultos a respeito da Rússia e dos russos. Nos dias seguintes procuram-na e, sem muito rodeio, perguntam o que ela acha da guerra no Leste, do fato de o seu País ter invadido a Ucrânia, e de que por culpa do governo de Moscou os seus pais agora estão na guerra ou a própria família foi obrigada a fugir. Anja escuta, às vezes responde. Mas está com elas e faz aquilo a que foi chamada. Bastam alguns dias e conquista o afeto de todos (inclusive dos adultos). No final da semana escreveu um bilhete: "Este trabalho de verão foi importante, são importantes as pessoas que encontrei. Ainda preciso aprender muita coisa. É como se até agora estivesse dormindo, quero despertar e olhar para mim mesma e para o meu desejo mais seriamente. Obrigada por estes dias. Obrigada pelo amor de vocês e por terem me acolhido".
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