A força dos testemunhos. Os encontros por trás dos cenários. O encantamento dos participantes. E, sobretudo, uma série de fatos capazes de mexer com todos. E suscitar uma pergunta. Relato de uma semana verdadeiramente extraordinária. Mas que pode mudar a vida ordinária
O Meeting de Rímini é uma experiência singular e de certo modo até difícil de ser imaginada nos padrões brasileiros. Grandes concentrações de cristãos não são “novidade” entre nós. Missas campais, encontros, passeatas... Nós já conhecemos essas coisas. Mas agora, tente imaginar alguma coisa como uma grande Bienal do Livro, toda feita por amigos. Só que maior. O recorde de público da Bienal do Livro em São Paulo foi de 811 mil pessoas, em 2006, o recorde no Rio de Janeiro foi de 645 mil pessoas, em 2007. Esse ano, em Rímini, o público foi estimado em 1 milhão de pessoas!
O Meeting para a Amizade entre os Povos (nome oficial do evento) pode ser descrito como uma grande feira cultural. Estruturalmente, trata-se de um conjunto de mesas-redondas, palestras e mostras culturais que, durante a última semana das férias de verão italianas, ocupa um enorme recinto de exposições na cidade de Rímini, um dos grandes balneários daquele país. Entre estandes de mostras culturais e empresas, praças de alimentação e auditórios capazes de abrigar milhares de pessoas, circulam famílias, jovens em grupos barulhentos, crianças com balões de gás, empresários e políticos engravatados... Um rapaz, terminando a universidade, relata que veio ao Meeting todos os anos de sua vida escolar. Na Itália o ano acadêmico começa em setembro e ele diz: “Não seria capaz de recomeçar um ano de estudos sem passar antes por aqui”. Mas por que será que ele precisa ir lá? O que move todo esse povo a perder uma semana de férias, gastar dinheiro, cansar-se, para acompanhar esse evento cultural?
Ali se pode ouvir a mais sofisticada e rigorosa reflexão teórica sobre temas que variam da economia às ciências naturais. Mas, por mais rigorosa que seja a reflexão, o ponto de partida e o ponto de chegada é sempre o coração do homem, a humanidade que está em cada um de nós. Assim, numa mesa-redonda intitulada A Ciência entre educação e criatividade, centenas de pessoas, com diversas formações, ouvem quatro físicos falarem de suas descobertas e de sua vida profissional de um modo que encanta a todos – sem a chatice acadêmica que se esperaria num evento como esse.
Também é o lugar onde comparecem pessoas que vivem essas exigências mais profundas de seu coração por meio de uma radical doação de si aos outros. Como na série de encontros É possível viver assim, onde falaram Cleuza e Marcos Zerbini, de São Paulo, e Roseta Brambilla, de Belo Horizonte, e muitos outros, como o padre Aldo Trento, missionário no Paraguai, e Vicky, de Uganda.
A força da “experiência elementar”
No Meeting se torna evidente a força daquela “experiência elementar” da qual Dom Giussani nos fala em O senso religioso (Ed. Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2007; nde). É a força incomparável dessa experiência, desse desejo que está coração de cada um de nós, que move toda essa “máquina cultural”. Por isso, o Meeting é uma grande celebração daquilo que existe de mais humano em cada pessoa. Não importa qual seja seu credo religioso, quais sejam suas convicções políticas, diante da experiência elementar, todos os seres humanos se encontram e se maravilham ao perceber que, no fundo, são feitos do mesmo barro e capazes de se identificar a partir dos mesmos desejos.
Um fato clamoroso ocorreu na sexta-feira à noite, últimos itens da programação noturna do Meeting. No teatro é hora do espetáculo musical com Van De Sfroos. Mas do pavilhão vizinho chegam outras notas e cânticos e sinais de alegria. Quem chega encontra uma cena incrível: cerca de mil pessoas diante do estande “Liberdade procurada”, a mostra sobre os cárceres. Música. Dança. Policiais vestindo a camiseta branca dos presos, com o número de matrícula e a inscrição “Vale a pena”. E no meio dessa festa – que por si só já tem algo de excepcional –, a voz de um dos prisioneiros, que passou a semana ali falando do seu mundo e da mudança que aconteceu com eles: “Não vejo a hora de voltar para a prisão, para contar a todos os colegas aquilo que vi aqui”.
Eis aí o sinal inconfundível. O sinal de uma Presença, que não podemos descartar, a não ser considerando todos os presentes loucos. Quando Alberto Savorana toma o microfone e diz “Pensem bem: não é igual a João e André quando voltaram para casa, depois do encontro com Cristo?”, ninguém sonha em achar que ele está exagerando. É o sabor do fato cristão. Imprevisível. Impensável. Mas tão entoado com o nosso coração que nasce logo a pergunta: mas quem és Tu?
Num mundo que olha a diversidade com uma maravilha que não deixa de ser repleta de temor, a experiência elementar permite uma unidade que se encanta com a diversidade, mas não a teme – pelo contrário, a busca com um olhar apaixonado pela pessoa do outro.
Um evento para todos
Apesar de todo o seu encanto, o Meeting pode ser pensado, por quem está no Brasil, como algo que acontece num outro mundo, numa Europa separada de nós por todo um oceano, milhares de quilômetros e (por que não dizê-lo?) de reais. Mas, se tudo isso não deixa de ser verdade, também é verdade que ele é um evento que está dentro de nós e entre nós.
Meeting significa encontro. E esse encontro, com toda a sua potência e beleza, pode acontecer em qualquer lugar, a qualquer momento, quando duas pessoas se encontram a partir de sua experiência elementar, a partir das exigências que nascem do mais profundo de seu coração.
Viver o Meeting não implica obrigatoriamente na grandiosidade que esse evento representa aos olhos “do mundo”. Viver o Meeting implica – e isso sim, é obrigatório – olhar para toda a realidade com esse olhar cheio de maravilha que nasce da percepção da grandeza e da beleza do desejo que Deus plantou no coração de cada ser humano.
O idioma que todos entendem No Meeting, os voluntários chegam de todo o mundo, para fazer os serviços mais diversos possíveis. Entre eles, o diálogo entre culturas e nações se joga nas coisas simples do cotidiano, como prepararem juntos o café ou limpar as mesas. “O Meeting é realmente uma coisa verdadeiramente grande. No início, não engolia a palavra ‘protagonista’, que por um problema de tradução soava para mim mais como ‘líder’. Depois compreendi o erro. Ser protagonista não tem nada a ver com ser um chefe, e todos podem ser”. Quem diz isso é Fadi, que com Wael arruma as cadeiras em um dos enormes auditórios do Meeting. Wael acrescenta: “Aqui eu vi muita gente que se dedica a uma coisa grande sem um retorno aparente, só para comunicar uma experiência vivida: transparece a relação com alguma coisa maior”. Camisa vermelha e crachá da equipe de organização, os dois vieram do Egito. Outra voluntária, Miriam, completa: “Cada um de nós tem o seu trabalho normal. Mas o fazemos e basta, acaba ali. Aqui, à tarde, nos encontramos e olhamos para ‘como’ fazemos. Descobri que posso ver Jesus presente naquilo que faço. Além disso somos todos diferentes, cada um com a sua língua. Mas aqui falamos uma língua que todos conseguem entender. “Levo para casas um ‘sim’ a uma Presença que frequentemente não percebo, mas que pude tocar aqui e que me faz ser protagonista”. |
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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón