Um pedacinho de terra no meio do Lago d’Orta, no Piemonte, região norte da Itália. Ali, 87 monjas dedicam a vida em oração, entre os muros de um antigo mosteiro. Um lugar isolado da realidade? Pelo contrário: lá as pessoas, as cartas, os relacionamentos de amizad não param um minuto. A abadessa, Anna Maria Cànopi, conta como é a vida monástica. Um “êxodo” da mentalidade dominante feito de pobreza e obediência. E grande liberdade
Já de cara fica evidente que estamos num “outro mundo”, um mundo fascinante, apesar de ir totalmente contra a corrente do nosso mundo habitual. Estamos em agosto, início do verão europeu; os turistas que tomam conta do velho vilarejo de Orta, às margens do lago homônimo, na província de Novara, provocam aquele abundante barulho característico das excursões. Com algumas delas, repletas de saudáveis velhinhos franceses, embarcamos no pequeno barco que leva à ilha de San Giulio, bem no meio do lago. Os franceses vão visitar a antiqüíssima basílica do local; nós acionamos a campainha de um edifício que ocupa, sozinho, boa parte da pequena ilha. Uma ampla escada externa e, depois, quatro estreitas rampas internas nos levam aos pavimentos mais altos. Ali está a capela onde as monjas recitam a “oração das horas”.
A grande construção é ocupada pela comunidade beneditina Mater Ecclesiae. Do lado de cá da grade que está atrás do altar assistimos à entrada das monjas; elas entram por uma porta que fica oculta aos nossos olhos, atrás de uma cátedra colocada num nível mais alto, onde se senta a abadessa Anna Maria Cànopi. Cada irmã que entra se inclina reverentemente para ela e faz uma genuflexão diante do Santíssimo Sacramento. Quando os assentos do coro estão todos ocupados – são mais de oitenta monjas –, começa a oração, acompanhada por uma cítara. Depois, em silêncio, as monjas deixam a capela e voltam para suas ocupações vespertinas.
Nós nos acomodamos na recepção, à espera da abadessa. Anna Maria Cànopi chega depois de alguns minutos, abrindo a pesada porta onde está escrito “clausura”, a indicar o limite que não pode ser ultrapassado nem mesmo pelos hóspedes mais graduados.
A abadessa é baixinha e franzina, mas caminha ereta e com passos firmes; ela tem 75 anos de idade. A abordagem é direta: “O que vamos fazer?”, pergunta. “Uma entrevista”. “Sim, mas gostaria que não falássemos muito de nós. Poderia soar como ostentação”. Eis aí a confirmação de que estamos em outro mundo! Num contexto em que todos – dos políticos aos jogadores de futebol, das bailarinas aos chamados intelectuais – fazem qualquer coisa para dar a própria opinião e se colocar em evidência, essa monja anciã (que é uma das autoras de espiritualidade mais divulgadas e lidas na Itália) esclarece logo que não quer saber de propaganda.
Temos, então, que ir diretamente ao que interessa. Desse modo, cancelo todas as perguntas que havia preparado sobre a história pessoal da freira, sobre o nascimento do mosteiro, sobre a sua regra de vida, e procuro entrar em sintonia com a abadessa. É o melhor jeito de nos entendermos, para depois explicar certos aspectos que à primeira vista podem surpreender. Um mosteiro de clausura plantado no meio de uma ilha deveria ser um dos lugares mais... isolados do mundo, certo? No entanto, em San Giulio há um vai-vem incessante de cartas, visitas, relações de amizade.
Qual o sentido da vida monástica nos dias de hoje?
Na sociedade moderna, a presença de monjas de clausura significa – aliás, como sempre foi na história – um “escândalo” e uma atração. Escândalo porque representa uma alternativa radical à mentalidade “eficientista”, toda voltada para a prática, para o chamado “concreto”, para o palpável, para o resultado imediato, para a vantagem econômica. Atração justamente porque essa impostação existencial calcada na exterioridade é, no fundo, percebida como insuficiente, insatisfatória; emerge prepotente a necessidade da dimensão interior, espiritual. Por isso, uma vida como a nossa, que começa por um êxodo do mundo e se desenvolve toda no silêncio, na oração e na meditação, torna-se algo fascinante.
Mas não há o perigo de uma espécie de “moda”, que difunde um espiritualismo genérico?
Antes de tudo, é preciso dizer que formas de vida ascética centradas na exigência de interioridade, na busca do absoluto, no anseio do infinito, são características de todas as grandes religiões. Aliás, a transcendência é uma necessidade insuprimível do coração humano, em todos os tempos. Mas o cristianismo trouxe algo de novo e único, pois deslocou o centro de gravidade do homem para Deus, do eu para o Tu. O monge cristão não coloca no centro a busca da própria perfeição, mas a busca de Deus, que se revelou em Cristo. Portanto, não há nada de genérico em nossa espiritualidade monástica. Depois, as estradas individuais são absolutamente particulares. Há algumas semanas esteve entre nós um personagem bastante conhecido que, depois de ter experimentado muitas vias “orientais” de meditação e prece, chegou todo feliz à fé católica. De fato, em Cristo há em plenitude o que, nas várias expressões religiosas da humanidade, está presente apenas como semente e intuição. Ele é o verdadeiro e único Salvador.
Voltemos ao escândalo: a escolha de São Bento foi extremamente escandalosa...
De fato, segundo o relato de são Gregório Magno, o jovem Bento de Nórcia foi a Roma para estudar, para encontrar sabedoria, felicidade. Mas logo se deu conta de que a cultura pagã do império – aliás, em plena decadência – não podia satisfazer o seu anseio. Então, afastou-se daquele mundo e refugiou-se na solidão de Subiaco, para estar unicamente com Deus. O homem só é ele próprio quando está em sintonia com Deus. E essa união nós só obtemos com o “êxodo” da mentalidade do mundo e a imersão na dimensão do transcendente. O homem, no fundo, é um mendigo da luz, e a vida monástica, por sua própria forma, está a demonstrar que só em Deus o homem encontra a si próprio. Deus que não é só o transcendente, mas alguém que se fez homem: Cristo é o Deus conosco, e nele temos tudo. Quando preciso discernir a vocação de quem aspira entrar para o nosso mosteiro, pergunto: o que você está buscando de fato? Se está buscando só você mesma, isso não basta. Você só pode se tornar monja se quiser fazer da sua vida um dom ao Senhor, para corresponder ao amor d’Ele.
No fundo, temos um símbolo da “utilidade” da vida monástica para o mundo...
A clausura tem sentido, porque a vida é toda consagrada a Deus na oração e no trabalho, longe do barulho do mundo. Os resultados são completamente confiados ao Seu desígnio. O monge não pretende nem ver nem apreciar os frutos da própria oração e da própria oferta. Ele vive na absoluta gratuidade. Você falou de “utilidade” para o mundo. A utilidade é essa. Nós sacrificamos o nosso espaço vital (jamais saímos do mosteiro) para ampliar ao infinito o nosso espaço espiritual, voltadas para Deus e os irmãos. Falo de irmãos porque nós estamos muito presentes a todas as aventuras humanas e aos grandes problemas que afligem os povos. Claro, quando lemos as notícias de guerras ou desastres naturais, quando vemos as injustiças que triunfam e o avanço do mal, podemos até temer que nossa prece esteja sendo inútil. Pense o quanto nos preocupamos com a paz na terra onde Jesus viveu, ou com o destino de Jerusalém; no entanto, quanto ódio ainda existe! E nos vem perguntar a Deus: por quê? É uma pergunta humana; mas quem confiou toda a sua vida ao Pai coloca a mão na boca e Lhe diz: “Senhor, tu o sabes”. Nós fizemos a opção pela pobreza. Também é pobreza renunciar ao conhecimento do resultado da nossa prece. Aliás, o que salvou a humanidade foi o sacrifício de Cristo, que morreu no total abandono de si mesmo ao Pai. A cruz de Cristo é um grande mistério, e nós não somos capazes de explicá-lo: aconteceu assim, e pronto! E nós, que queremos percorrer essa mesma estrada, não podemos deixar de aceitar o seu aspecto de sacrifício.
A senhora falou de posse: essa parece ser, mesmo, uma das leis fundamentais do nosso modo de vida.
O instinto de posse está enraizado no homem. A criança desde muito cedo tenta agarrar qualquer coisa que lhe apresentemos, seja a comida, um brinquedo, qualquer coisa. Isso é totalmente natural: nós queremos nos apossar daquilo que precisamos para viver. Mas essa posse pode se transformar em cobiça, em algo danoso, uma possessão egoísta. Nós, monjas, como escolhemos viver na pobreza radical, renunciamos a qualquer tipo de posse para que fique claro que a atitude mais verdadeira é aquela de quem é grata por ter recebido tudo gratuitamente. Não possuir nada educa-nos para a liberdade e a gratuidade. Por exemplo, olhe pela janela (e nos mostra a margem ensolarada do lago): essa beleza é para todos. A ambição gostaria de se apossar, de segurar para si; a monja, afastando-se dela, usufrui mais profundamente do dom, com o coração puro e livre.
Há também uma forma de posse que não é de coisas, mas de si mesmo.
Certamente; é a autoposse, uma forma de egoísmo; por isso, coitado daquele que nos atinge, que pretenda dizer o que devemos fazer, que promova atos que podem afetar nossa liberdade! É uma autoposse absurda. É o grande pecado do egoísmo. Na vida monástica, o antídoto para se lutar contra esse pecado é a obediência. Ela comporta, certamente, um sacrifício, mas se fosse só sacrifício seria impossível. A obediência, ao invés, é uma resposta de amor ao Amor. Esse amor é que nos liberta da prisão sufocante do próprio eu. É esse amor que amplia os horizontes para o infinito de Deus. Um infinito no qual todos os outros estão compreendidos e abraçados.
Faço uma última pergunta: um comentário ao título do Meeting: “Ou protagonistas ou ninguém”. Frente à palavra protagonista, Anna Maria Cànopi me dirige um olhar questionador: “Nós não queremos ser protagonistas no sentido de aparecer, de nos mostrarmos. Nós somos espectadoras do desígnio de Deus e oferecemos a nossa vida a Ele, que dirige todos os acontecimentos da história humana. Somos cooperadores da salvação que Cristo está operando no mundo, pela oferta silenciosa da nossa prece e dos nossos sacrifícios”. Mais protagonistas do que isso...
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