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Passos N.195, Setembro 2017

DESTAQUE | FÉRIAS

Um caminho, não um milagre

por Isabella S. Alberto (org.)

Durante o mês de julho foram realizados momentos de férias com jovens e adultos de todo o Brasil. Cantos, jogos, testemunhos e momentos culturais foram propostos com o desejo de ser uma ajuda a sair do formalismo que nos toma após anos de pertença à Igreja, ou do crer que basta estar presentes em uma companhia para que esta permaneça fascinante. Mas não é assim.
Nestas páginas, trechos de diálogos das assembleias conduzidas por Marco Montrasi (Bracco), responsável nacional do Movimento Comunhão e Libertação, durante as férias dos colegiais ocorridas em Campos do Jordão/SP, e das férias dos adultos realizadas em Angra dos Reis/RJ. Provocações para olhar a vida com seriedade e colocar-se em caminho para recuperar toda a herança recebida.


Bracco: É necessário partir da experiência, porque vocês ouvirão muitas vezes algumas palavras, como “Cristo”, “caminho”, “companhia”, mas para entender bem é como se tivessem que deixar de lado todas as definições que vocês aprenderam e com sinceridade se perguntar: mas o que é Cristo para mim? Onde eu O vejo? Onde eu percebo uma diferença? Que diferença eu vejo aqui? Sem medo, porque assim vamos conquistar tudo de novo. Pense na pessoa por quem você está apaixonada, por exemplo: João. Atrás do nome João tem todo um mundo, tem toda uma vibração que acontece no coração quando ele passa, quando ele liga, quando te manda um WhatsApp. Cada um pense no seu João, ou Joana. Atrás de tudo isso não tem um nome, tem todo o mundo, um movimento. Então atrás da palavra fé, o que é que tem para você? Atrás da palavra Cristo, o que é que tem para você? É como falar João (por quem você está apaixonada), ou é apenas um nome que você ouviu falar?

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Bracco: Atrás da palavra vida, o que é que tem? Atrás da palavra desejo, o que é que tem? É preciso reconquistar tudo isso, senão a gente vai em frente e perde o melhor das coisas. Então, vamos tentar redescobrir o que é que tem atrás de tudo isso que estamos vivendo nestes dias.

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Bracco: Você falou que tiveram uma oportunidade de crescer. Então, o que significa crescer? Vamos tentar reconquistar esta palavra.
Colocação: Não foi só crescer em responsabilidade, que é algo que todo mundo tem na vida, que sempre vai aumentar. Eu digo que eu cresci mentalmente e espiritualmente, porque com esse gesto de vender bolo após a missa consegui pagar as férias e eu estou aqui, e estou conhecendo todas essas experiências de vocês e isso está me fazendo crescer. Antes eu me sentia uma católica, uma jovem colegial, e me sentia muito junto de Cristo. Mas agora estou me sentindo mais junto do que antes e sei que todo mundo que está aqui é tão junto quanto eu era e quanto eu sou agora, e isso só faz aumentar a minha fé.
Bracco: Crescer não significa só que crescem as coisas de que você precisa cuidar, às quais você tem que responder. Crescer significa que se antes eu era uma coisa, agora eu me sinto mais. E ela falou que encontrando o pessoal cresceu espiritualmente. Isso quer dizer que tem algo dentro de mim que não é só a carne, é a coisa mais verdadeira que eu tenho dentro, que me faz vibrar, que me faz mover, não é só a minha carne, é o espírito, é a coisa mais profunda, mais verdadeira e mais importante que temos em nós. Quando você se apaixona, o que é que vibra? O seu eu. Você não sabia nem quem era, nem se dava conta disso, mas lhe acontece alguma coisa um dia que faz você voltar pra casa sem nunca ter se sentido daquele jeito antes. É por isso que quer voltar a encontrar aquela pessoa. Não é pela cara bonita que ela tem (esse é só um aspecto), mas é porque fez vibrar algo dentro de você, é disso que você sente saudade.

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Colocação: O mundo em geral, ele não me ajuda a alimentar a minha fé. (...) Eu sei que existe um Deus, eu sei que existe uma coisa, mas eu não sinto.
Vi esta frase e é uma pergunta que eu tenho carregado: “Como posso crer num Deus que quer ser louvado o tempo inteiro?”. Percebo que eu tenho crescido com esses questionamentos que eu estou fazendo, com essas dúvidas que eu estou tendo, todas, do que antes que eu tinha isso como uma coisa muito certa.

Bracco: Não tenha medo de ser humana assim. Isso significa verificar se existem outras coisas que respondem mais, se existe outra coisa que desperta mais o seu eu. Verifique se os amigos que você encontra ou quer encontrar te ajudam mais a fazer essa descoberta. (...) Quem são seus amigos? Quem te ajuda a ir no fundo desta coisa que você tem dentro? Com quem você pode verificar a vida? Quem te alarga os horizontes? Temos que entender isto: que nós, eu, vocês, desde que acordamos de manhã vivemos e entramos dentro de um rio que vai contra tudo aquilo que estamos falando. Mas não é um rio que vai contra o cristianismo, não vai contra Deus. Ele tenta apagar, colocar uma tampa em cima do meu eu.

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Bracco: É como se seus pais tivessem lhe dado uma mochila pra fazer a caminhada, e você pega e vai. Mas em certo ponto você precisa pegar a mochila, colocar na sua frente e olhar o que tem lá dentro. E você tem de pedir a seus pais para te deixarem livre para experimentar isso, porque tem que ser um olhar que nos muda, não tem jeito. Eu mudei por um olhar. E esse olhar de João e André que eu vi, reaconteceu dentro de uma companhia, num encontro como para Madalena.

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Bracco: Muitas vezes eu me sinto como Zaqueu e tem alguém que vem, olha pra mim e fala: “Desce que vou à tua casa”. E você começa a arrumar toda a bagunça que tem em casa. Não porque alguém falou que tem de arrumar a bagunça, mas por causa de um olhar. Esses dias aqui não serão um parêntese se vocês puderem experimentar que existe esse olhar, se encontraram isso, e vão desejar reencontrá-lo quando vocês voltarem. Por causa de um olhar se muda a vida.

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Colocação: Às vezes eu paro pra pensar e acho que Deus não quer que a gente fique louvando Ele toda hora. É como um pai, que cria o filho, leva ele pro alto e só quer um “obrigado”. Ele não é uma pessoa egoísta que quer tudo pra si, quer que o filho siga em frente e só lhe dê um abraço. O importante é saber que tem alguém que se importa com você e quer te ajudar, quer que você seja feliz.
Bracco: Imagine que você descobriu algo precioso, algo verdadeiro, e quer colocar num pendrive para passar aquela verdade automaticamente pra quem você ama. Só que não funciona assim. Precisa da minha liberdade. Sem liberdade, eu não conquisto nada. Esse Deus, essa Presença, eu encontrei através de pessoas, e eu estou aprendendo que Ele quer me amar e mesmo assim me deixa livre. Cristo, você O conhece como um homem, como um amigo seu. Vocês conheceram alguns amigos novos nestes dias. Depois de três dias ficando com eles, vocês os conheceram mais. E é assim com essa Pessoa.

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Bracco: A fé não é uma coisa abstrata, e quanto mais me dou as razões, mais o crucifixo deixa de ser um ornamento do quarto. É Alguém que morreu por mim e que me deixou livre. E está vivo! E tem um olhar, e este olhar eu encontro hoje porque Ele está vivo, não ficou lá no túmulo. Essa é a minha fé. É uma fé que precisa ser reconquistada todos os dias pra eu ficar comovido com alguém que não quer que eu o louve toda hora. Alguém que morreu por mim para estar comigo quando eu tenho medo da morte, quando eu tenho medo de que tudo acabe, quando eu tenho medo do futuro.

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Colocação: Nesse período, eu estou ficando muito marcada porque tem muitos amigos que eu encontro e parece que é como se estivessem presos – ansiedade, ataques de ansiedade, depressão –, têm muito medo. E quando você falou que tem que ter um juízo com a razão, eu queria entender mais o que é. Não entendo bem também quando diz que é preciso “deixar entrar na própria casa”, e isso tem muito a ver com cada um, com um trabalho pessoal.
Bracco: Muitas vezes, a raiz da nossa ansiedade, o que é? É que a nossa vida começa a se tornar um círculo que se fecha em si mesmo; como se não tivesse mais o ar para respirar. Então, é como se nós nos tornássemos quase como as outras criaturas, quase que vivendo sem consciência. Um círculo que se fecha em si mesmo. Pode ser fechado na família, fechado no filho, fechado no trabalho, fechado no dinheiro que tem que arrumar... Quando se fecha o círculo, te vem a falta de ar. E nós não somos imunes a isso. Porém, não temos que nos escandalizar, pois existe um lugar onde eu faço experiência de alguém que me fala: “Eu não tenho medo da tua ansiedade. Não me escandalizo. Mas posso vir à tua casa hoje?” (...). Esse percurso, do círculo a me sentir como um arco tenso, é o juízo. E nós estamos juntos para aprender a fazer isso. Quanto menos fazemos isso, mais vivemos em círculo; quanto mais nos ajudamos a julgar, mais fazemos a experiência de liberdade. (...) Julgar é o início da libertação, porque é o caminho para reconhecer uma presença.

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Bracco: Essa presença não é como uma mágica que te tira todos os medos. É uma presença que te fala: “Não tenha medo. Vem comigo!” Como o teu filho, se tem que entrar em um quarto ou numa floresta escura, não é que ele, de repente, está sem medo. Ele continua com medo, mas se você está ali do lado e segura sua mão, ele vai. Nós podemos viver o medo sem uma presença, podemos viver os problemas sem uma presença, ou com uma presença. E quando tem uma presença, tem um horizonte, e vence a minha ansiedade; mas quando não tem, é como um círculo que se fecha. E, inevitavelmente, o teu físico sofre com isso.

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Colocação: Vindo às férias, a coisa nova que eu aprendi foi que a experiência de uma comunidade como essa não é mais uma coisa na minha lista de tarefas, mas sim uma coisa que dá uma certa ordem à minha vida, algo que estava faltando. (...) Não é a sensação de que foi um parênteses – algo que se fechou e agora volta tudo ao normal –, mas é uma sensação de “uma nova prioridade”, as coisas se ordenam de uma maneira diferente.

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Colocação: Para mim, toda viagem, todo encontro com o Movimento, ascendem a mesma luz em mim. É como se o meu coração vibrasse igual toda vez, não é um sentimento diferente cada vez que acontece. E eu cheguei a pensar que o acontecimento não era único como nós falávamos, pois eu sinto sempre esse mesmo sentimento.
Bracco: Como é que é um acontecimento único, se acontece em tantas coisas diferentes? Vocês têm ideia da grandeza da pergunta? Um dia eu fui tomar um chopp com uns amigos que há muito tempo não via, e uma amiga (que estava lá) falou: “Eu não vou ao Movimento há muito tempo, mas me acontecem coisas, às vezes, que é como se eu reconhecesse algo que vibra em mim e me remete àquilo que eu vivi, mesmo que eu não esteja mais participando”. E o outro falou: “Sim! É como quando a gente recebe uma carta e reconhece logo a caligrafia”.

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Colocação: Eu não sei direito como eu cheguei até aqui. E eu tinha falado com minha filha que eu viria para as férias mas não iria participar de nada, eu não queria participar de nada. E, de repente, eu me vi participando de tudo e maravilhada. O meu coração está doendo, eu ainda tenho muitas dúvidas, e eu não sei ainda o que eu vou fazer com isso...
Bracco: No livro A beleza desarmada, Carrón diz: “O tamanho da ferida já revela qual seja a flecha, e a intensidade do desejo deixa intuir Quem seja aquele que atirou o dardo” (...) “A intensidade do desejo suscitado em quem se deixa prender por Cristo permite intuir quem é Cristo: Aquele que desperta da apatia da indiferença o humano que está em nós, para levá-lo à sua plenitude. O encontro com a Beleza de Cristo que resplandece no rosto de um homem pode mudar-se em flecha que fere a alma, e deste modo abrir-lhe os olhos, permitindo o reconhecimento d’Ele. Isto é o que espera cada um de nós e, junto conosco, esperam os nossos contemporâneos. Só seremos capazes de comunicá-Lo, cedendo à Sua atração”.

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Colocação: O que eu mais levo daqui hoje é a vontade de voltar para casa. Porque foi muito bonito ontem no passeio, foi muito bonito ontem à noite, mas eu tenho uma consciência muito grande (me foi dada essa consciência) de que essa beleza é um pequeno sinal de alguém que gosta muito de mim, e gosta de mim da maneira como eu sou, com as minhas ansiedades, depressões, problemas. (...) E volto carregando essa salvação que entrou na minha casa, que me escolheu do jeito que eu sou.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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