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Passos N.196, Outubro 2017

DESTAQUE

A derrota da Curva de Gauss

por Isabella S. Alberto (org.)

No domingo, 10 de setembro, Pe. Julián Carrón participou de uma assembleia, em São Paulo. Além das trezentas pessoas presentes na sala, muitas outras se conectaram por vídeo em dezesseis cidades ou via Facebook. Entre colocações e testemunhos, “a possibilidade de que a vida floresça”. A seguir, o percurso do diálogo daquele dia, com amplos trechos do encontro cuja gravação pode ser vista integralmente nas redes sociais da Passos

ACONTECIMENTO

Pe. Julián Carrón:
O que significa uma presença que prevalece, que envolve tudo o que acontece na vida como neste canto (A tua presença morena)? Que envolve o tronco, os braços, as pernas, que é todo determinado pela Sua presença. Que transborda por todas as portas, por todas as janelas, que entra até nos lugares mais escondidos da nossa vida. Que silencia os automóveis e o ruído das motocicletas. Quer dizer, que prevalece sobre qualquer tipo de coisas. Quem não gostaria que existisse uma presença que fosse tão decisiva na vida, como a de quando nos apaixonamos, que fizesse que tudo na vida cantasse?
Quando Giussani fala do cristianismo, fala de um acontecimento desse tipo. É algo que acontece na pessoa de cada um de nós, e que faz com que cada coisa que acontece na vida se torne interessante pelo que aconteceu em nós.
E ele se deu conta de que se o cristianismo não é um acontecimento que permanece interessante, com o tempo decai o interesse. Se o cristianismo não é um acontecimento que nos interessa, que entendemos como algo que faz com que a vida seja mais vida, já não nos interessa mais. Por isso ele começou a dar vida ao nosso Movimento tentando mostrar a todos que o cristianismo só é interessante se tem a ver com a nossa vida cotidiana. Que o cristianismo é um acontecimento que faz vibrar tudo, faz tudo cantar, faz com que tudo seja mais interessante. Que, no fundo, é o que Jesus fez: quem estiver com Ele recebe o cêntuplo. Ou seja, tudo é cem vezes mais interessante que antes, se ama os amigos cem vezes mais, se ama a sua esposa e os filhos cem vezes mais que antes, se vai ao trabalho mais feliz. Se vive tudo com uma intensidade que os outros se surpreendem.

Pe. Aurélio Riva: Um dia, meditando sobre uma colocação que Carrón tinha feito, em um certo momento ele disse que essa é a maior graça que ele recebeu, e eu pensei que eu também quero receber essa graça e aprender também naquilo que já sabemos. Digo por mim mesmo. Eu sou padre há 52 anos, e, mesmo nós sacerdotes, é como se fosse normal repetirmos as coisas, com um “já sei”. Isso é terrível! É isso que nos atrapalha.
Na semana passada encontrei muitos jovens, muitos deles fizeram a crisma, e eu fui visitar todas as famílias desses. Mas, em um dado momento, eu me perguntei: e depois? Mais ainda, quando eu comecei a me perguntar: eu quero aprender de verdade nas coisas que eu já sei? Aconteceu que o Senhor me fez encontrar esses meninos e com eles está nascendo uma amizade simples. Então, quando você está diante da realidade de verdade, você percebe algo que te faz vibrar, porque a realidade te diz o porquê de tudo. Eu percebo que isso aqui é grande para a minha vida, e quero dizer para os meninos, comunicar para eles, aquilo que está acontecendo na minha vida. E isso me faz ver coisas que florescem, coisas que eu nunca teria pensado.


UM CAMINHO

Pe. Julián Carrón:
O que faz estável a posição de surpresa diante da realidade é um caminho. É um caminho educativo. Um caminho no qual cada um de nós é despertado constantemente para viver a realidade como uma criança, com a curiosidade de uma criança. Somente quando uma pessoa, como o Pe Aurélio, se coloca outra vez com essa disponibilidade, pode ver que tudo se comunica com ele. Nós estamos juntos, seguindo a Dom Giussani, para que essa forma de viver seja cotidiana, essa forma de estar na realidade nos surpreendendo e sem dar nada por óbvio. Porque nós não estamos condenados a decair, pois nós vimos Dom Giussani que se surpreendia com tudo o que acontecia, portanto é possível.
Qual mulher não gostaria que o seu marido continuasse a olhá-la da mesma forma que ele a olhava quando eram namorados? E que marido não gostaria que a sua mulher fizesse a mesma coisa? E os filhos? O trabalho? As coisas de cada dia? Mas isso só pode acontecer dentro de um caminho cristão, onde Cristo volta a fazer com que aconteça constantemente. São Paulo usa uma expressão para falar disso: é como gerar uma criatura nova, mesmo quando a pessoa já é velha.

Pe. Pigi Bernareggi: Tem uma curva matemática, que se chama curva de Gauss, que é o símbolo da vida. Tudo nasce, cresce, chega no auge, e desce até acabar. Isso acontece com tudo. Até mesmo os planetas, o universo, estão destinados a isso, a chegar a esse final. Essa é a curva de Gauss. Mas o que é fantástico, até mesmo no campo da matemática, é que o cristianismo te permite escapar da curva de Gauss, e criar uma ascensão constante, sem limites.

Pe. Julián Carrón: Nós vimos isso em Madre Teresa, João Paulo II e Dom Giussani. Os meus olhos, os olhos de vocês o viram. Aquilo que Pe. Pigi diz é verdade, acabou-se a curva de Gauss quando Cristo entra na vida, não estamos condenados a decair. Estamos condenados ao oposto, estamos condenados à promessa grande que é Cristo, ou seja, não a perder a vida vivendo, mas a ganhar a vida vivendo.
Por isso não há ninguém que tenha feito uma promessa à nossa vida como aquela que Cristo fez: cem vezes mais em tudo, e, depois, a vida eterna. O decair foi vencido. Por isso podemos estar felizes, olhar a vida com essa esperança, qualquer que seja a circunstância que vivamos. Também agora, no Brasil, como em outros países.
Mas como podemos fazer? Só seguindo um caminho. Jesus condicionou tudo a uma única coisa, ou seja, para que essa novidade aconteça em nossa vida só depende de uma única coisa: seguir. É fácil. Até mesmo as crianças são capazes. Ter a simplicidade de seguir. E para nós é ainda mais fácil, pois é seguir um caminho que nos fascinou quando encontramos o Movimento.


VENCER O MEDO

Pe. Julián Carrón:
O cristianismo começou em um mundo plural. Deus não teve medo de enviar o Seu filho em um momento da história de Israel que havia saduceus, fariseus, essênios..., poderiam confundi-Lo com um desses. Quando o cristianismo saiu da palestina e entrou no Império Romano, havia um panteão por todos os deuses. Uma sociedade que, na nossa linguagem de hoje, era multicultural. E os cristãos não estavam definidos pelo medo, mas sim por aquilo que lhes tinha acontecido. São Paulo se encontrou com Cristo, E não esperou ordenar todo o Império Romano para encontrar toda a novidade que Cristo introduziu na sua vida e preencher todo o mundo com a presença de Cristo. Se ele estivesse determinado pelo medo, ele não teria feito isso. Não precisamos nós cristãos ter medo pelo fato de a sociedade ser multicultural.
Assim, o que nos falta é aquela certeza que tinha São Paulo e que tinha André do encontro com Cristo que lhes fazia desafiar qualquer circunstância para preencher toda a realidade com a presença de Cristo. Por isso esse desafio que temos na frente é uma ocasião estupenda para ver se o nosso ponto de apoio é Cristo ou é só o entorno cultural; se a nós aconteceu algo tão único que podemos desafiar a tudo só com a nossa presença; que podemos ir trabalhar todos os dias contentes, desafiando qualquer crise, porque Cristo existe; que podemos desafiar a crise que vivem as famílias porque olho para minha mulher determinado pela presença de Cristo; porque posso educar ou cuidar dos meus filhos porque posso olhá-los como fui olhado por Cristo, e não preciso injetar neles o medo.
O que defende o matrimônio é a experiência da beleza que um homem vive com a sua mulher, e a mulher com o seu marido. E isso desafia o ambiente. Às vezes nos perguntamos: o que significa uma presença cristã hoje no mundo? Quanto mais o desastre avança, o deserto avança, é mais fácil, porque fazendo as coisas mais elementares do viver, como olhar uma pessoa, ter estima dela, fazer um gesto gratuito, ter um gesto de misericórdia, isso gera um assombro absoluto. Por quê? Porque essas coisas, que pareciam normais, começam a não ser mais. Começa a suscitar a pergunta: “mas quem é você? De onde você saiu?”. Eu pertenço a Cristo. A origem da minha diferença não é porque eu sou mais bonzinho que você, mas é que eu me deixo gerar constantemente pela presença de Cristo, em um lugar que se chama Comunhão e Libertação.
Então, começamos a entender que essa situação de crise pode ser uma ocasião de comunicar a novidade cristã. Não com uma série de valores abstratos, mas feito carne. Feito carne através de rostos, de gestos, de sinais, em uma pessoa tomada pela presença de Cristo. É como trazer à tona, através de tudo o que fazemos, um amor que é visível aos olhos. Por isso, seguir o carisma é a modalidade na qual nós podemos dar a nossa contribuição ao mundo, aos nossos amigos, àqueles com quem nos encontramos na vida. É como uma contribuição para se encontrar uma modalidade de viver, uma modalidade humana que eles estão esperando.


TESTEMUNHO

Otoney Alcântara:
Zaqueu, depois de ser olhado, desceu da árvore, mas depois que Cristo se foi como a liberdade de Zaqueu continua a ser provocada. Depois do meu encontro histórico com o Movimento, como a minha liberdade pode permanecer ligada ao acontecimento com o frescor do início? Como não se perder nas interpretações, de direita ou de esquerda? O que pode facilitar a minha liberdade a permanecer ligado ao fato histórico que me salvou?

Pe. Julián Carrón: Quando alguém viveu uma experiência que ajuda a entender, é melhor responder com um testemunho do que com uma explicação. O cristianismo é isso: um fato que acontece a alguém, e não uma explicação.

Claudiana Gruber: Faço Escola de Comunidade há algum tempo por Skype com outras mães que conheci por conta desse caminho que fazemos de pertencer ao Movimento. Esse lugar nasceu vindo ao encontro de um desejo meu de fazer Escola de Comunidade com outras pessoas, já que a rotina com as crianças e a casa tornava inviável a participação de encontros em grupos pela cidade. Só o fato em si, de como surgiu esse grupo, me provoca muito, porque foi por conta de uma amizade imprevista que me vi lançada a aderir à proposta desse gesto: não criei nada, apenas me deixei levar pela novidade que um encontro com uma amiga me despertou.
E, com o passar do tempo, percebo o quanto esse lugar se tornou meu. A tentação é achar que faço Escola de Comunidade para os outros (preparo o texto, ligo para convidar, dou os avisos), quando é o contrário: faço Escola de Comunidade para mim mesma porque percebo um valor nisso. Esse, e qualquer outro gesto que o Movimento me propõe, me faz companhia: percebo que eu me torno mais afiada e mais protagonista da minha vida quando me deixo conduzir pelas propostas que me são feitas. Eu cresço com isso, saio do gesto das férias, por exemplo, tendo uma maneira para viver minha segunda-feira, desejando que seja a mesma com a que vivi aqueles dias tão bonitos!
E por conta disso acaba que me vejo como filha desse lugar que me gera. Quando volto para minha realidade cotidiana de casa, crianças e as tantas dificuldades que eu e minha família estamos enfrentando, por conta da crise, percebo que essa postura que você nos provoca a ter sempre, não resolve os problemas que estamos passando, mas me faz viver com uma esperança e uma certeza, me faz desejar mais e mais pertencer a esse lugar e ver aonde o Senhor vai me levar. Por conta disso, nascem tantos encontros, abrem-se tantos horizontes, tantas amizades inimagináveis. Viver nessa tensão para encontrar o Senhor em cada gesto, em cada proposta feita me leva a olhar mais além.

Pe. Julián Carrón: Entendo que essa é a resposta à pergunta que ele fez. Deus chama uma pessoa, move a uma pessoa, para chegar a outros. Então, ela começa a seguir e começa a ver nascer com as suas amigas uma Escola de Comunidade, na qual o objetivo é fazer Escola de Comunidade para ela mesma. Se cada vez que uma pessoa participa de um gesto é para reconhecer essa graça, para se dar conta da memória de Cristo, então tudo floresce. O que estamos vendo hoje, através do testemunho de algumas pessoas, e através do que muitas vezes vemos na vida das nossas comunidades, é que Cristo continua tendo piedade de nós nesse lugar que se chama Movimento. Porque quando uma pessoa adere a esse lugar, floresce. Essa é a piedade que Cristo continua tendo por nós. Por isso, o que mais precisamos pedir, para nós mesmos e para os demais amigos, é essa simplicidade de criança, para nos deixar provocar pelo modo como Cristo nos atrai agora.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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