Sucesso, desejos, inclinações. A vocação é um tema quente entre os jovens que enfrentam a fase da escolha do curso universitário. Mas quais são os critérios para essa escolha? Um grupo de vestibulandos revela suas dúvidas e objeções. E conversa sobre este tema com padre Giorgio Pontiggia, sacerdote italiano que há anos acompanha os colegiais do Movimento. A proposta clara em torno da qual se encontram foi feita pelo mesmo carisma de Dom Giussani, mas é algo que interessa a qualquer um
Um grupo de jovens italianos num dilema com os exames e com a escolha do curso universitário. São as mesmas questões dos jovens brasileiros: entre hipóteses, desejos, inclinações, paixões e sonhos, a incerteza e o medo de fazer uma escolha. Fizeram vários encontros para serem ajudados, entre eles, um com padre Giorgio Pontiggia. Trabalharam bastante sobre alguns textos que Dom Giussani dedicou ao assunto. Mas a vocação é uma coisa grande e quando Cecilia, Carlo, Giulia, Mariachiara, Giovanni, Massimo e Marco se encontravam para falar sobre isso, a discussão e as dúvidas que animavam o grupo mostraram toda a urgência do desejo de entender mais "o que fazer quando crescer" e quais os critérios a seguir. Nasceu a idéia de aprofundar a questão, convidando Pontiggia para responder às suas questões. Em volta de uma mesa, jovens de 18 anos falaram livremente, colocando claramente toda sua liberdade e seus desejos.
Cecilia. O senhor disse que o problema não é a escolha enquanto tal, mas viver a vida a partir do horizonte do próprio destino. Pensei: “Ok, estou perdida”. Eu posso desejar qualquer coisa: estudar, casar, ter filhos. Porém, não sei dizer o que significa escolher tendo em mente o destino.
Pontiggia. Por sorte, Deus não lhe disse isso com palavras, mas o colocou em seu coração. Vocês não percebem que o Destino é como uma semente, que o homem é como uma semente. Dentro da semente há tudo, todo o desenvolvimento. Não é preciso outra coisa. O Destino não é algo que você escolhe: é uma coisa dada. É a realização daquilo que o coração deseja. Portanto, todos a têm. O verdadeiro drama da vida, possivelmente, é entender quem é o Destino. Como dizia a escritora Oriana Fallaci: é possível acreditar ou não em Deus, mas eliminar o Destino é uma arrogância, porque é uma evidência. Não devemos separar as possibilidades de caminho, quer dizer, o dilema no qual vocês se encontram agora em relação ao caminho a seguir e a meta. Existe a meta. E as possibilidades são uma solicitação à meta. É preciso reconhecer a meta dentro das possibilidades de caminho, senão, você vai aonde quer. Quando falamos de Destino, de Mistério, falamos do fundamento daquilo que vivemos. A meta está dentro do caminho, está dentro do passo que você dá. Senão torna-se algo que se sobrepõe ao seu caminho e, à primeira dificuldade, irá perguntar-se quem o obriga a fazer aquilo, desviando-se provavelmente para algo que imediatamente é mais atraente.
Carlo. O senhor também falou de caminhos "obrigatórios", de circunstâncias particularmente prementes. Ontem mesmo precisei, por obrigação, fazer uma coisa importante. Antes de sair, rezei pedindo que, enquanto eu a fizesse, o Destino fosse mais evidente e que pudesse dar testemunho daquilo que vivo. Fui e, no fim, um menino me pediu, pela segunda vez, que eu o convidasse para um encontro de CL: há uma atração nas nossas discussões, uma beleza, que ele vê. Exatamente o que tinha pedido: que o Destino se manifestasse. Fiquei impressionado. Foi uma circunstância que não escolhi, mas o Destino estava lá.
Pontiggia. Dom Giussani definia o encontro como o deparar-se com uma humanidade diferente que atrai. Uma diversidade humana interessante. O que é esta diversidade humana? Não é uma forma: um faz a universidade, outro recita o terço, outro faz caritativa e outro vai ao estádio de futebol... Não! O que tocava as pessoas que encontravam Jesus? Esta humanidade, diferente, mas interessante. Diferente da mentalidade dominante e que responde mais àquilo que o homem busca em cada coisa. Há alguns dias, você me apresentou a um amigo seu que não é do Movimento, Andrea, quando o levou para o grupo de estudos. Mesmo nunca o tendo visto antes, fiquei à vontade para conversar um pouco com ele sobre a sua intenção de fazer Psicologia. E, quando o encontrei pela segunda vez, ele me disse: "Gostaria de falar um pouco com o senhor". Porque sou simpático? Não! Porque lhe propus uma modalidade diferente da mentalidade dominante para enfrentar uma exigência sua. Humanidade diferente, que atrai porque é verdadeira, porque corresponde mais.
Giulia. Fiquei tocada quando o senhor disse que, quando era jovem, queria ter doze filhos e que o seu desejo se realizou de maneira diferente. Depois, fez o exemplo da pecinha do Lego: você vê uma peça muito bonita, e tenta conhecê-la cada vez mais. E, quanto mais a conhece, mais deseja saber onde se encaixa. Sempre acontece vermos algo que nos atrai muito. Mas como fazer para ter em mente o desígnio total?
Pontiggia. É preciso ir a fundo naquilo que lhe atrai. Se você gosta de um rapaz, como faz para olhá-lo a partir do seu Destino? É preciso que o ame até o fundo. Se procurar amá-lo até o fundo, então descobre que há algo nele que lhe escapa, que falta. Há um fundamento que falta. E, então, torna-se mais interessante. Não que exista o Destino e, depois, o rapaz... O seu fundamento é o próprio Destino. O problema não é estar satisfeito. Gostar dele até o fundo significa que o amor que você tem por ele é para sempre e é por tudo. Experimente! Quero ver se não vai perceber essa desproporção. É o Destino que pode permitir que você o queira bem "para sempre" e "por tudo".
Mariachiara. Esta semana, por causa da preparação para uma prova, colocamos em discussão se deveríamos ou não fazer a caritativa. Falei com alguns amigos e, no fim, contra a minha vontade, decidi ir. A Escola de Comunidade diz que é preciso desapegar-se do próprio particular para ir em direção a alguma outra coisa...
Pontiggia. Não separar-se, mas olhar o particular em relação a algo de outro. Se você estuda como uma louca, faz bem a prova e não viveu essa circunstância em nexo com o Destino, com o todo... É um exemplo, mas e se você morre antes da prova? E nós sabemos que isso pode acontecer, porque aconteceu a um amigo nosso. Se você ressuscitasse, iria blasfemar pelo fato de ter estudado ou nos diria que aquilo também era para o Destino? O fato de ter medo de algo é uma provocação para que você se pergunte o que isso tem a ver com as estrelas, como diria Dom Giussani. Ontem à noite fiz uma reunião com alguns jovens: já tinham planejado o que fariam depois das provas finais. Alugaram uma casa de dois andares para ficarem em vinte pessoas e já estavam recolhendo as cotas. Fiquei incomodado: não que não fosse uma coisa bonita, mas não havia dentro nada daquilo que estavam vivendo: era o "repouso do guerreiro". A questão nunca é a forma, mas como aquela forma nasce.
Massimo. Mas o que essa outra medida tem a ver com aquilo para o qual você tem inclinação?
Pontiggia. Tem a ver. Mas é preciso partir da aceitação da inclinação com a qual Deus lhe fez. Inclusive as inclinações aparentemente ruins. Se alguém se rebela, se destrói. O primeiro dado é exatamente que você não pode deixar de partir das inclinações que tem e das suas capacidades. Depois vem o sinal dos tempos, que indica aquilo de que Cristo, e portanto a Igreja, precisa para que ela se manifeste. Há alguns anos, Dom Giussani respondeu assim a alguns que tinham levantado mais ou menos a mesma questão da qual estamos falando: "Em que circunstância Cristo é menos olhado, e em qual o homem não tem mais valor? Quando está doente e quando está preso". Depois ressaltou a importância de trabalhar nesses ambientes. Como professores, médicos ou enfermeiros. Nós glorificamos a Deus exatamente onde Ele, paradoxalmente, é mais marginalizado, isto é, onde o homem não é considerado. A glória de Deus é o homem que vive. Por isso, vocês não podem partir a não ser daí. Qual é a questão que abre vocês a essa possibilidade? É perguntar-se: "Eu, assim como sou feito, como posso servir mais ao todo?". Nesse segundo aspecto, inclua as condições históricas em que vocês vivem.
Cecilia. O senhor falou sobre inclinação. Para mim, não vem em mente "para a glória de Deus", mas "para minha felicidade".
Pontiggia. Muito bem. Mas pergunte-se o que é a sua felicidade. Não pule nenhum passo. Não se assuste. Aceite as provocações que lhe são colocadas, dê-lhes uma resposta. Senão, você parte de uma contraposição: escolher entre uma e outra. É como se você me perguntasse se deve ir a Roma ou a Turim. Eu diria: "O que vai fazer em Turim e o que vai fazer em Roma?". Aos poucos, começaria a entender se é mais conveniente para você ir para um lugar ou outro. O ponto é aceitar a provocação. Os Apóstolos fizeram assim. Quando não entendiam, se irritavam. Mas como respondiam? "Vamos embora" ou "Vamos contigo"? Ao contrário, era Jesus que os provocava a irem embora. Mas era uma provocação para verificarem as razões que já possuíam.
Giulia. Eu quero ser enfermeira e estou discutindo muito sobre isso com meus pais. Falei para minha mãe que aquilo que ouço o senhor dizer, pela forma como me propõe, me corresponde mais do que a perplexidade deles pelo fato de eu querer fazer enfermagem ao invés de medicina...
Pontiggia. Paradoxalmente, exatamente por causa do que está dizendo, você protesta até fazer outra coisa. Se você só consegue viver estas razões que você entende sendo enfermeira, então quer dizer que não são totalmente verdadeiras. Torna-se uma tomada de partido. No fundo, Cristo é crucificado. Mas a razão pela qual viveu, vivia, fez milagres, era tal, que por causa dela pôde até morrer na cruz. É justo que você diga suas razões, que deseje a compreensão de sua escolha. Mas se as razões são realmente verdadeiras, também poderia fazer outra coisa.
Giovanni. Tocou-me aquela frase: "Onde o homem não vale nada, onde Deus não é considerado, é dali que é preciso partir"...
Pontiggia. Atenção: você deve partir de si mesmo, mas é este aspecto que deve preferir. Existem pontos mais dolorosos em que se poderia entender mais quem é Deus. Mas você parte de si. Os sinais dos tempos foram aquelas posturas, aquelas situações de tal forma contrárias à vida da sociedade que, para aqueles que as viveram juntos, seriam mais facilmente sinal de algo maior. Quando você vai à Associação Cometa, em Como e vê aquelas pessoas, com 40 filhos e tudo o que há em volta, você se pergunta: ou são loucos ou deve haver algo maior que os move. E digo mais: precisam seguir em frente, como Giussani lhes sugeriu, sem deixar seu trabalho, "porque se trabalham, fazem as coisas com gratuidade". Dom Giussani sempre entendeu a palavra "gratuidade" como relacionamento com o Destino. Gratuidade quer dizer "grátis": que você faz algo e não recebe por isso. A razão pela qual o faz, paradoxalmente, é a coisa mais importante. Porque gratuidade é sinônimo de Infinito, e de Destino. Se tivesse apenas um fio de vantagem, não seria mais infinito: seria finito. O destino é a gratuidade absoluta, porque você não pode possuí-lo, não é você que o define. Sem a gratuidade não se entende a realidade: é uma chave de leitura, não é um momento da vida. É assim que o particular torna-se interessante diante do todo. Quando estava no seminário usava como jaculatória uma frase de santo Agostinho: "Deus! Por quem as coisas pequenas não nos diminuem". O Destino é isso.
Marco. Todas as vezes que ouço essas coisas, aumenta a minha certeza de que qualquer coisa que eu escolha será para um bem. E não é um comodismo, como se dissesse: "Escolho aquilo que der". É uma certeza também na dúvida...
Pontiggia. Muito bem, é justo aquilo que você diz. Mas não pule a razão. São Paulo diz: "Para aqueles que têm fé tudo concorre para o bem". Se você elimina a fé, tudo concorre para a ilusão ou para a depressão. Dom Giussani dizia que a ilusão é uma depressão ainda não consciente. Então, quando as coisas vão mal, você se deprime, necessariamente. Sobre o que apóia a sua afirmação? Sobre uma Presença, sobre a fé.
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“Propensos a estar com Cristo a cada instante”
A seguir, duas contribuições lidas durante um encontro de colegiais, em Milão, no final de junho. Embora não diretamente relacionadas à escolha da faculdade, o tema da vocação aparece nelas com muita clareza
Outro dia, falando com alguns amigos dos colegiais de Lugano, apareceu uma pergunta. Eu moro em uma cidade e estudo em outra e eles me perguntavam como fazer para viver o momento da Escola de Comunidade também durante a semana, na escola, e depois com os amigos no sábado. Uma jovem me disse: “Eu desejo uma companhia que busque a Verdade sempre!”. Falando sobre isso com a minha responsável, ela me disse que para responder a eles devia, antes de mais nada, entender como é para mim.
Aconteceu algo este ano que, particularmente, me mudou. Eram as duas últimas semanas de abril e fui chamada para trabalhar como garçonete. Um sacrifício muito grande levantar de manhã bem cedo, pegar o trem para ir à escola, em Brianza, voltar para casa depois das aulas sem poder ficar com meus amigos para estudar ou fazer Escola de Comunidade, almoçar rápido e, às cinco, correr para o trabalho. Volto para casa às nove, janto e começo a estudar. Faria isso por toda a minha vida!
Era maravilhoso como eu estava propensa a “estar” com Cristo em cada instante do dia exatamente porque percebia que era muito cansativo. Normalmente eu estava sozinha e precisava d’Ele. Assim, enquanto estava no trabalho lustrando os talheres ou servindo as mesas, pedia para que Ele se mostrasse. E Ele veio, todos os dias. De fato, pouco a pouco eu mudava, olhava as coisas de modo diferente. Voltando para casa, à noite, tinha um desejo grande de estar com meus pais, agradecia pela presença deles mesmo estando nervosa e cansada. Quando ia à escola queria ver meus amigos e não podia me permitir perder tempo. Cada minuto era precioso e até o estudo se tornava interessante. Passava a minha viagem de trem estudando e aprendi que cada instante é ocasião para encontrar Cristo e que não podemos nos perder em outras coisas. Mesmo durante o trabalho, “lancei-me” no relacionamento com meu chefe contando-lhe sobre mim, meus amigos, sobre a manhã, na escola. Em suma, estava mesmo feliz porque a cada dia tinha mais certeza de que toda a minha vida é dom e que não sou eu quem o dou a mim. Por isso, é preciso pedi-lo, é preciso pedir Cristo em cada momento. Ele está presente e normalmente se mostra nas circunstâncias mais inesperadas, mais cansativas e que você não deseja.
Francesca
Eu era metaleiro, um jovem negativo, sempre fechado porque não tinha verdadeiros amigos. Ateu e anticlerical, bebia muito, e estava bem perto de me tornar alcoólatra ... e a minha conversão, o meu encontro com Cristo aconteceu durante o pior pileque da minha vida.
Eu estava com o pessoal da escola em um passeio na Sicília, e eu, às 8 horas da manhã daquele 27 de março, já estava bêbado. Refugiei-me em um terraço e comecei a chorar muito. Duas colegas de classe que tinham me visto vieram falar comigo; eu ficava gritando: “Vão embora. Deixem-me sozinho. Vocês não têm nojo de mim?”. A resposta delas, Sara e Mari, foi um seco “Não”. Fiquei tentando entender que loucura as tinha convencido a estar falando comigo. Pela primeira vez, depois de anos, senti-me amado. A única coisa que experimentei conscientemente nos dias seguintes foi a paixão que nascia conversando com Mari. Essa paixão foi tão grande que me obrigou a romper com o meu passado. Imediatamente, escrevi uma carta a ela, até aquele momento uma simples colega de classe com uma pequena particularidade: era de CL. Naquela carta, o fio condutor era fazê-la perceber que eu estava apaixonado por ela. Para “me vender bem” acrescentei o fato, não completamente falso, de que estaria interessado em ir a um dos encontros daquela associação da qual ela participava e que, nos últimos tempos, tinha pensado muito em rezar a Deus, mas não sabia como fazê-lo. Aos poucos, comecei a frequentar o Movimento, a me familiarizar com seus gestos (caritativa, Escola de Comunidade, etc). As coisas que eram ditas me agradavam, eu as sentia mais minhas do que tudo o que conversava com meus antigos companheiros. Fui às férias de verão. A excepcionalidade daquilo que via era deslumbrante. Aquelas pessoas tão unidas, tão diferentes, mas tão semelhantes, era uma coisa do outro mundo. Tinha a clara sensação de que a vida tinha começado e era realmente a vida para mim. Ainda foram necessários alguns meses para entender que o relacionamento com Mari não era o único caminho para ter aquela serenidade, para entender que podia começar a caminhar com minhas novas pernas. Comecei, assim, a fazer novos e sinceros amigos. E, depois, aconteceram outras mil ocasiões, do encontro de Loreto com o Papa à caritativa da qual participava e os encontros com os colegiais. Era a vida que me correspondia. No fim, Mari também se apaixonou por mim. Cristo mudou a minha vida radicalmente e fez nascer um homem novo. Agora, tudo tem mais valor, tanto o meu amado metal como qualquer aspecto da minha vida.
David
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