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Passos N.97, Setembro 2008

DESTAQUE - A CARIDADE EM AÇÃO

Bancos de Solidariedade:
Um gesto que abre ao Mistério

por Stefano Filippi

Os Bancos de Solidariedade distribuem cestas de alimentos para cento e cinquenta associações em toda a Itália, beneficiando milhares de pessoas. Nessa maneira de responder a uma necessidade (que se tornou ainda mais aguda com a crise mundial dos preços dos alimentos) há muito mais do que uma receita que funciona. Há relacionamentos, amizades, humanidade. Por meio da caritativa, muitos aprendem, ao lado daqueles que são ajudados, a única verdadeira lei da vida

Nos incontáveis sites dos Bancos de Solidariedade (BdS) espalhados por toda a Itália aparece o mesmo slogan: “Compartilhar as necessidades para compartilhar o sentido da vida”. Uma frase simples, como é simples tudo na atividade dos Bancos. As pessoas têm fome, levam-lhes uma cesta de comida. Quando possível, a pessoa é encontrada. Nenhuma estrutura, nenhum discurso, muitas vezes nem mesmo um obrigado, e não é apenas um modo de dizer. Em Trento, duas pessoas, quinzenalmente, se obstinam em bater em uma porta que nunca se abre. Uma voz grita lá de dentro: “Deixe a cesta e saia”. As duas colocam a cesta no chão, e vão embora. Isso acontece há três anos. É razoável? Não se o objetivo for ouvir dizer: “Parabéns, obrigado”. Por que alguém a quem você leva o que comer nem mesmo lhe olha na cara? Mistério. É isso. O Banco é um gesto que abre ao mistério. Não há outra razão.
Nos últimos anos, o BdS tornou-se uma das maneiras mais simples através da qual muitos italianos recomeçaram a fazer caritativa. “A educação à caridade é o nosso único objetivo, esta é uma obra que vive da caridade pura”, diz Andrea Franchi, presidente da Federação Nacional dos Bancos de Solidariedade. No entanto, o método é essencial: as cestas são entregues nas casas sempre por duas pessoas. “Em dois é possível lembrar-se mutuamente do motivo do gesto”, explica Franchi. Um sistema inventado na Palestina há dois mil anos. “Conheci o Banco de Solidariedade pelo convite de algumas famílias”, conta, “e, não abandono meu gesto pessoal de entregar a cesta. Esse gesto me lembra de que o primeiro necessitado sou eu, e que tenho diante de mim um homem através do qual o Mistério vem ao meu encontro. E devemos repetir isso porque continuamente o esquecemos”.
Os Bancos nasceram há uma dezena de anos para ajudar pessoas sozinhas, desempregadas, doentes, pais separados, imigrantes. As estatísticas italianas sobre a pobreza e as pesquisas sobre as famílias com baixa renda não eram dramáticas como hoje: mas o ponto de partida não foi uma análise sobre a diminuição do poder aquisitivo. Havia algumas pessoas que precisavam e outras que perceberam isso e pensaram em ajudar como podiam. Sacolas de compras mais cheias, a ajuda dos amigos, a ajuda do Banco Alimentar (alguém abriu um BdS para continuar a experiência de caridade vivida no dia da Coleta Anual de Alimentos), e hoje uma rede de 150 unidades em toda a Itália, com cerca de cinquenta mil voluntários e dezenas de milhares de assistidos. O incremento maior aconteceu nos últimos três-quatro anos.

Educação do povo
Ecoam as palavras de Dom Giussani depois da carnificina de Nassirya: “Se houvesse uma educação do povo, todos estariam melhor”. Os BdS são obras em que essa educação popular está sendo retomada. Primeiro com os que trabalham, depois, com quem recebe. Um jovem casal de Matera desejava começar sua vida em comum fixando um gesto de caridade. Pediram informações à Federação. Alguns dias depois, ao invés da cópia do estatuto enviada por fax, Franchi e um amigo seu vindo de Milão foram até a casa deles. Os Bancos não são discursos sobre a pobreza, nem são uma mera entrega assistencialista de cestas básicas, mas um encontro, relacionamentos reais, o testemunho de como a caridade muda a vida. Agora, em Matera, há uma associação e muitos envolvidos.
Diante da necessidade, que cresce, e com o aprofundamento da experiência, mil coisas novas começaram a acontecer. Coleta de alimentos nos bairros e nas paróquias, envolvimento dos vizinhos, relacionamentos com associações que estão em atividade há tempos. Nasceram as “Famílias Solidárias”: núcleos que se empenham estavelmente em fazer o estoque dos Bancos arrecadando alimentos, desperdiçando menos, fazendo uma compra mais abundante. A caridade que muda a vida chega a atingir carteiras e hábitos, analogamente ao fundo comum da fraternidade: o importante não são os quilos de macarrão, mas ser sérios no empenho firmado. Nasceu, também, a “Semana de Coleta de Alimento”, iniciativa feita nas escolas na terceira semana da Quaresma, com voluntários que, primeiro, falam de si mesmos para os jovens e, depois, sobre o Banco.

Ilusão e pobreza
Esse é o aspecto que toca mais. Falar de si significa falar sobre aquilo que move a pessoa. “Nessa experiência, é possível entender o que é a caridade: o fato de que a resposta ao desejo de felicidade é uma presença carnal que me abraça. Jesus”. Não há titubeio em dizer este nome, não há dualismo entre esse Jesus e a realidade. Porque o Mistério realmente opera. As histórias são muitas.
Em uma cidade do Adriático, duas senhoras levaram a cesta durante anos a uma mulher muçulmana que passava mais tempo no hospital do que na própria casa porque um dos filhos sofria de uma doença grave. Um dia, essa mãe lhes disse: “Decidimos batizar nossos três filhos. Se Jesus é o motivo pelo qual vocês nos querem tão bem, deve ser bonito que o desejemos também para eles”. Na cidade de Como, os organizadores divulgaram a Coleta de Alimentos em todas as escolas, mas não havia pessoas suficientes para cobrir todas. Assim, Marco, um dos voluntários, pediu ajuda a um vizinho, Gianluca. Os dois foram de classe em classe explicando do que se tratava. Na volta, no carro, Marco percebeu que Gianluca chorava em silêncio. “O que houve?”. “Quando o diretor chamou você para conversar, fiquei com uma professora que me agrediu: disse que estamos iludidos, que a pobreza não é combatida assim, que é preciso reduzir a dívida do terceiro mundo, que a Igreja é podre de rica, que é preciso a luta de classes e nós estamos perdendo tempo”. “Você está triste por causa disso?”. “Mas eu não estou triste. Choro de alegria”. “De alegria?”. “Sim, porque quando ela me perguntou quem me levava a fazer aquilo, eu respondi: faço porque sou cristão. Pela primeira vez na minha vida, disse quem eu era”. Aquele sim à Coleta, aquele gesto de caridade mudou a vida de Gianluca. E também a de Marco.
Em Siracusa, uma mãe foi buscar o filho de uma família à qual levava a cesta, para passar a tarde em sua casa. Ele provavelmente seria reprovado na escola. “Deixe-o vir à minha casa para estudar com meus filhos”. Uma, duas, três vezes e, depois, todas as tardes até o final do ano letivo. O menino passou de ano. Em Bari, o Banco começou dando assistência a uma pessoa com quatro filhos, um trabalho precário e uma história pessoal dramática: agora, essa pessoa começou a fazer Escola de Comunidade e é o protagonista do BdS local. Elsi mora em Colmo, é sul-americana, solteira, e espera um filho. A Caritas a encaminhou ao Banco. “Começaram a me trazer cestas básicas mas, sobretudo, me escutavam e me ajudavam a sair da grande dificuldade em que me encontrava, porque precisava decidir se abortava ou tinha minha filha”. Hoje, Elsi tem dois filhos e participa regularmente da Escola de Comunidade: “Quero estar com vocês para entender melhor”. Em Pesaro, a senhora assistida por Miriam ficou encantada com o método de Dom Giussani e sempre repete: “Pode-se fazer caridade de muitas maneiras, mas a de vocês é diferente. À noite, quando preparo o chá de camomila para minhas netinhas, percebo que aquela erva amarela é sinal do Mistério”. A camomila está na cesta do Banco.
“A grande vantagem de ser presidente é ter contato com muitas pessoas assim”, sorri Andrea Facchi. “Não que tudo seja flores e rosas, mas o método é claro: você está diante de outra pessoa. Existem os que têm dificuldade de falar, quem fica envergonhado, quem se limita a oferecer um café. Há aqueles que, quando você leva uma cesta, pedem duas. Todas, pessoas com histórias difíceis nas costas. Se acha que é você quem responde às suas necessidades, deve mudar imediatamente de ideia. O Banco não é uma maneira de fazer assistência, mas pessoas que se envolvem com outras, um relacionamento que brota de um interesse humano e leva a ir até a raiz das necessidades”.

Além da distribuição de alimentos...
Por causa dessa experiência foi feita uma petição à União Europeia em favor dos bancos alimentares. Pois a proposta da EU é ajudar os indigentes substituindo as doações de alimentos por instrumentos como os voucher (vales-alimentação) ou abonos. Nesse caso, o assistencialismo prevaleceria sobre a partilha e o envolvimento pessoa a pessoa. “Os recursos conseguidos através do Ministério das Políticas Agrícolas para a Fundação Banco Alimentar – diz padre Mauro Inzoli, presidente – não foram apenas a resposta a uma necessidade, mas um acontecimento que provocou uma trama de amizades que tem envolvido milhões de pessoas. Esse gesto de partilhar a necessidade do outro multiplica o valor de uma simples transferência de dinheiro. Por isso, desejamos que aquilo que foi feito durante esses anos continue”.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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