Vai para os conteúdos

Passos N.97, Setembro 2008

DESTAQUE - A CARIDADE EM AÇÃO

O assistencialismo do Estado nunca poderá eliminar a necessidade de solidariedade

por Paolo Perego

Há na Europa quem queira importar um modelo de ajuda aos pobres baseado nos “vales-refeição”. Eficiente, mas inadequado. Por quê? “Porque elimina exatamente o relacionamento humano”, explica Maurizio Motolese, economista da Universidade Católica de Milão

Um número cada vez maior de famílias italianas sofre da síndrome da quarta semana. Mais. Muitas, já da terceira. As dificuldades de se manter até o final do mês, antes ainda do que pelas estatísticas oficiais, já eram percebidas pelas paróquias e centros de solidariedade, explica Maurizio Motolese. “Este é um aspecto interessante: a dificuldade alimentar é percebida primeiro nos lugares em que as pessoas que têm mais necessidade colocam sua confiança, quer dizer, onde existem relacionamentos com os quais podem contar. É preciso entender qual é a verdadeira natureza das duas maneiras diferentes de ajudar as famílias, assistência e solidariedade, e das respostas que oferecem a quem está em dificuldades”.
Então, assistência ou solidariedade? Um bom ponto de referência para enquadrar o problema são os Estados Unidos, onde co-existem programas de assistência estatal e formas de solidariedade social, e onde 28 milhões de pessoas sobrevivem graças a um subsídio, mas representam apenas 50% dos que têm direito à “assistência alimentar” estatal. “Nos Estados Unidos, existe um sistema de ajuda alimentar estatal muito bem estruturado e diversificado. Entre os principais programas está o Food Stamp, um cartão de crédito para comprar gêneros alimentícios. Mas, então, qual é o problema? Como explicar tal subutilização? Uma possível explicação pode ser dada pela incapacidade de tal instrumento identificar e resolver de modo adequado, focado e preciso a real necessidade do pobre”.
Ao lado do sistema de ajuda alimentar estatal, nos Estados Unidos, existe também um sistema de intervenção privada que funciona. Mas qual é a razão do sucesso da intervenção privada? Ela está em condições de intervir de maneira focada e, portanto, eficaz enquanto, entrando em contato direto com o indigente, desenvolve um relacionamento confidencial e de confiança no qual mais facilmente se conhece a necessidade real. “Por que este exemplo? Porque representa bem as duas alternativas diante da qual se encontra a União Europeia hoje: encontrar uma maneira de apoiar as iniciativas já existentes, que funcionam e garantem a gestão de intervenções focadas e, portanto, eficazes, de ajuda alimentar (como fez até agora com os bancos de alimentos) ou passar a uma forma de assistencialismo em larga escala”. E, por isso, na Europa, foi instaurada uma petição – para conhecer a opinião do povo – depois do risco de que os gêneros alimentícios a serem distribuídos não estejam mais disponíveis devido a novas políticas agrícolas europeias, que impostam as produções sobre a demanda do mercado e não sobre as reais necessidades alimentares. Então, é preciso entender qual instrumento será mais eficaz em relação a uma emergência alimentar que, nos últimos anos, vem crescendo vertiginosamente.

A quem se dirigir?
Voltemos aos Estados Unidos. “Tomemos como exemplo um americano que perde seu trabalho: ele precisa pagar o empréstimo, a escola dos filhos... O deságio econômico rapidamente gerará uma dificuldade alimentar. A quem recorrer? Será mais fácil aceitar ajuda de alguém com quem tem um relacionamento de confiança, que o conhece. “Esse relacionamento é essencial. Certamente, o programa de apoio americano é complexo e bem estruturado: chega a responder no detalhe aos mais variados problemas sociais, inclusive os extraordinários, como no caso do furacão Katrina. Existe, no entanto, uma estrutura subsidiária paralela: os bancos alimentares. Iniciativas “de base”, privadas, que também se servem do mercado para encontrar os gêneros a serem distribuídos, onde são incluídos também os “perecíveis”. Mas, por que é necessária a co-existência de estruturas privadas e estatais? Não seria suficiente uma intervenção estatal bem estruturada? “Uma estrutura do tipo assistencial não está apta a intervir sobre a verdadeira necessidade da pessoa, que não é apenas de comida. E não poderá gerir o que, em termos técnicos, chama-se “assimetria informativa”. E mais, sofrerá sempre de uma falta de informação sobre as reais necessidades do pobre que, ao contrário, são mais facilmente reveladas em um relacionamento mais familiar”. Padre Mauro Inzoli, presidente do Banco Alimentar italiano afirma que a força dessa modalidade subsidiária “consiste em ter difundido a cultura da doação, da partilha, favorecendo a primeira verdadeira resposta às necessidades do homem: a amizade, a companhia, alguém com quem compartilhar o sentido da vida”.

As vantagens para a sociedade
Que essa modalidade seja mais correspondente para “quem precisa”, parece uma opinião largamente compartilhada. Mas o que a sociedade pode ganhar valorizando-a? Motolese não tem dúvidas: “O fato de que seja humanamente melhor reflete-se também em nível social, de comunidade, de país. E este é exatamente um dos objetivos dos bancos de alimentos. Não apenas dar de comer, mas ajudar a pessoa a saldar as dívidas: se isso acontece, fica mais motivada a mover-se, a assumir os riscos, portanto, a tornar-se mais produtiva. Se a ajuda chega em um contexto que continuamente valoriza a sua pessoa, ela é mais estimulada, percebe que é possível recomeçar. Nos relacionamentos de amizade com quem entrega as cestas, a esperança se reacende”. Qual é o motor de um fato tão extraordinário? “Esses tipos de realidade nascem no seio de experiências religiosas e, prevalentemente, cristãs, e seu fundamento é o de estar diante da pessoa na sua totalidade. Este é o grande valor. A resposta à necessidade de alimento não resolve o problema da vida. É necessária uma capacidade de olhar o homem dessa maneira, quer dizer, não para resolver o problema da vida, mas para ajudá-lo a enfrentá-lo. Só quem é apaixonado pelo problema da vida pode fazê-lo”.
Portanto, um sistema assistencial não o fará nunca... “De forma alguma, por mais que seja eficiente e estruturado. Tomemos a Suíça como exemplo: tem um sistema de welfare muito bem organizado. No entanto, tem um altíssimo nível de dificuldade individual, como testemunha o elevado número de suicídios”. Um outro problema crescente que a estrutura privada pode contribuir pelos relacionamentos pessoa a pessoa, é em relação aos novos problemas alimentares: não é importante “dar de comer” apenas, mas “o quê dar de comer”. O problema nutricional, ligado à saúde, é fundamental. Através do Food Stamp, alguém com o mesmo montante compra 20 hambúrgueres ao invés de três bifes: come mais, mas não de maneira saudável. Os bancos de alimentos, ao contrário, começam a se mover junto a nutricionistas, conscientes de que também é necessária uma educação alimentar. Levando em consideração também que, como dizem algumas pesquisas científicas, uma nutrição ruim nos primeiros anos de vida pode ter efeitos permanentes na saúde da pessoa para o resto da vida.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

Volta ao início da página