Nestas páginas, a experiência de quem participou do Dia Nacional da Coleta de Alimentos, um gesto de caridade que dialoga com a Jornada mundial dos pobres, estabelecida por Papa Francisco. Testemunhos que ajudam a recuperar a origem do que fazemos, do bem nosso e de todos
“Obrigado”: a Coleta de alimentos no Brasil pode ser medida não apenas pelas 174 toneladas de alimento arrecadados, mas também pelos quilômetros de gratidão que atravessou o país a partir da fronteira com a Argentina até aquela com a Venezuela. Presentes em 255 supermercados de 56 cidades, os seis mil voluntários que se envolveram no Dia Nacional foram inundados de agradecimentos. “Na saída dos supermercados, as pessoas agradecem porque reconhecem imediatamente que poder dar algo, mesmo que seja apenas um alimento, satisfaz uma necessidade que elas têm dentro. Uma senhora me disse: ‘Obrigada porque sempre quero fazer algo, mas nunca sei o que nem como’”, conta Francesco Tremolada, um dos responsáveis nacionais da Coleta que neste ano aconteceu no sábado11 de novembro.
O país está atravessando uma longa crise econômica e política. “Existem 14 milhões de desempregados e muita precariedade”, explica Francesco: “Há muita insatisfação, ainda assim, fazendo esse gesto percebemos que não há crise que possa obscurecer o desejo de bem que as pessoas carregam dentro”.
Por isso os voluntários, formados por membros do Movimento de Comunhão e Libertação, mas também por Vicentinos e Escoteiros, dentre outros, decidiram usar no Cartaz da Coleta uma frase de Papa Francisco pronunciada durante a sua Ted talk: “O poder maior e mais forte torna-se um serviço e é uma força para o bem. O futuro da humanidade não está exclusivamente na mão dos políticos, dos grandes líderes, ou das grandes empresas. Sim, eles possuem enorme responsabilidade. Porém o futuro está, acima de tudo, nas mãos daquelas pessoas que reconhecem o próximo como um ‘você’ e a si mesmas como parte de um ‘nós’. Nós precisamos uns dos outros”.
É por este “nós” que Cosmo saiu de sua casa ainda bem cedo. Pai de família, em Petrópolis, foi o coordenador da iniciativa na cidade. Ele conta: “Depois de meses de planejamento, chegou o dia da Coleta de Alimentos. Como será esta Coleta? Igual a do ano passado? Os voluntários comparecerão? Os coordenadores darão conta do gesto? São questões que me vieram à mente logo pela manhã. Mas, havia uma certeza: a de que praticar o bem é uma resposta ao meu desejo mais profundo de justiça, de felicidade. Buscar o sentido da vida neste gesto simples e concreto responde à minha necessidade de confrontar a realidade através do encontro com um Outro que me gera a cada momento. Com esta certeza, enfrentei o dia chuvoso em Petrópolis cuidando para que o gesto da Coleta se revestisse de beleza e ajudando nossos amigos a fazerem seu trabalho com alegria e gratuidade. Depois de um dia fatigante mas recompensador, voltei para casa com a certeza maior de ter respondido de modo positivo ao gesto que me foi pedido e mais uma vez convencido de que praticar o bem faz bem à minha pessoa”.
Em Jundiaí, cidade próxima a São Paulo, não estava garantida a organização da Coleta para este ano. “Foram várias provocações no decorrer do ano e não achávamos ser possível ocorrer esse gesto tão bom ao coração”, conta Susie. Depois, porém, dois amigos decidiram aceitar a proposta. E o “sim” deles possibilitou tantos outros “sins”: “De um amigo a outro, de filho para pai, de mãe para filho, de nora para sogro... Formou-se um movimento de solidariedade que alcançou e abraçou tantos rostos. Aqueles que se deixaram encontrar como nós também puderam experimentar a correspondência ao coração que esse gesto tão elementar da compartilha singela, seja do tempo, seja de um item de alimento, carrega em si”.
A novidade para todos. Em São Paulo, Karla participou da Coleta pela primeira vez. Dois amigos do Movimento a convidaram, Silvana e Cesco. Ela tem enfrentado um momento difícil em sua vida profissional, e falando com Cesco, ele lhe disse: “Não tenho um emprego, mas te convido a participar deste gesto conosco para abrir horizontes e conhecer pessoas”. E assim ela fez, mesmo se no início Karla tivesse alguns preconceitos: “Achava a campanha assistencialista. Mas fui porque desejei estar perto destes amigos. Depois deste dia renovei conceitos de: amizade, liderança, bondade, educação à caridade, e assim fortaleci meu vínculo com a Igreja, Cristo e com os amigos do Movimento. Obrigada”.
Elen, do Rio de Janeiro, também participou pela primeira vez da Coleta como voluntária. “Foi uma experiência incrível e muito especial! Fiquei muito grata a Deus e ao Movimento pela oportunidade de participar de uma campanha que ajuda tantas instituições. E fiquei muito feliz de disponibilizar um pouco do meu tempo. Recebíamos muitos sins e muitos nãos, mas algo maior me movia para estar ali cheia de esperança com pessoas que, como eu, se doaram e vieram de longe para ajudar, com os olhos brilhando e o coração cheio. Isso era emocionante!”. Para ela a divulgação começou antes, e a surpreendeu: “Ajudei num supermercado que fica no bairro em que trabalho há 8 anos. Assim, durante a semana divulguei a Coleta para todos os meus alunos. E percebi que a maioria das pessoas hoje quer ajudar, mas não sabe como fazer ou em quem confiar. Expliquei como funcionava e fui verdadeiramente surpreendida com a grande quantidade de alunos que participaram e confiaram em mim. Fiquei muito grata a Deus, pois além de me mover e me motivar ele me usou para que outras pessoas pudessem fazer as doações. Quando cheguei para trabalhar na segunda agradeci e mais uma vez fui surpreendida com a alegria dos meus alunos e a vontade deles de querer participar da próxima Coleta ou ajudar outras pessoas durante o ano e não só no período de Natal!”.
Para Celeste, de Boa Vista/RR, a Coleta foi apresentada há alguns anos por Ricardo, de Manaus. Com o tempo, seu envolvimento “foi inevitável”, como ela define, “porque eu entendi que a Coleta não poderia deixar de acontecer, pois era o único gesto que me prendia à minha história original”. Neste ano ela deu um passo a mais: “Busquei cuidar da Coleta com mais atenção. Desde a explicação da importância do gesto para o meu filho, a conversa com os gerentes dos supermercados, o encontro com os voluntários, a inserção antecipada na mídia, a compreensão das orientações recebidas da coordenação nacional: fiz por gratidão a tudo o que eu já recebi na minha vida até hoje. Mais que o resultado de termos coletado quase uma tonelada a mais, permanece a certeza da Presença de um Cristo que não desiste de mim, que cuida e que transforma tudo”.
Outro novato na Coleta foi o paulista Victor Hugo, de 13 anos, que foi convidado pelos amigos do CREN: “A experiência foi ótima, pois fiquei surpreendido com tanta gente que ajudou. Foi maravilhosa a quantidade de pessoas que se uniram a essa causa e ajudaram o próximo sem mesmo o ver, e acreditaram na gente. Isso é o essencial e mais importante, sem mesmo ver o próximo, doamos nosso sábado sem reclamar e com um sorriso no rosto, mesmo quando as pessoas eram rudes com a gente”. Também para Miriam, de São Paulo, foi marcante essa doação sem saber a quem: “Participar do Dia Nacional da Coleta, para mim, é encontrar pessoas que nem conhecemos e com elas partilhamos um dia ímpar. Dizer meu Sim de coração aberto e alegre, é estar a serviço do Pai em prol de outras vidas carentes de tudo. O alimento sacia a fome, mas as mais beneficiadas são as pessoas que estão vivendo de um modo tão disperso e, de repente, se deparam com o pedido da doação. Isso muda tudo”.
Uma construção juntos. Limeira, São José do Rio Preto e diversas cidades do interior paulista também participaram. Isabela, que estava em Lorena, expressa o que viveram: “Foi uma experiência incrível e extremamente emocionante! Ver pessoas que vinham com o dinheiro trocado pra comprar exatamente o que precisavam e na saída conseguiam ainda doar um pote de milho, era inspirador!
É muito bonito ver que não é preciso ter muito para ajudar, ver essa solidariedade é muito gratificante! Conseguimos ver e sentir o sentimento de compaixão no olhar de cada pessoa que doou um alimento, e esse sentimento é o nosso combustível, é o que nos move! Além de termos recebido agradecimentos tão sinceros de quem recebeu as doações, aquilo fez tudo valer muito a pena!”. E Gilson, de Catanduva, completa: “Não tem preço ver o sorriso de um voluntário, criança ou adulto, que está feliz em abordar as pessoas, solicitando um pequeno gesto de caridade. A Coleta é uma obra especial, une o eu ao você, a todos nós, em realizar um simples gesto que faz muita diferença a quem necessita”.
Esta foi a 12ª edição do Dia Nacional da Coleta de Alimentos. Para algumas pessoas é pedida uma ajuda a mais como coordenadores dos mercados. Também esta disponibilidade, que carrega mais responsabilidades, é motivo de agradecimento. É o que nos conta o estudante Guilherme, de Ribeirão Preto/SP: “Pelos dois últimos anos trabalhei na Coleta de Alimentos como voluntário e este ano como coordenador de loja. A certeza que levo de todas as vezes é que ainda há esperança no mundo. As doações vêm de todos os jeitos, seja na disponibilidade de tempo e no empenho dos voluntários, seja na confiança e no apoio de empresas e colaboradores parceiros ou no gesto solidário e humanitário das pessoas que contribuem com os alimentos. É realmente engrandecedor fazer parte deste dia e deste time do bem”. De Belém/PA, Márcio também conta sua experiência: “Coordenar a Coleta foi um grande desafio devido às limitações de tempo e energia impostas pela minha vida profissional. A correria desfavorecia a busca de significado das minhas ações seja para a Coleta, a vida em família e até aquelas do trabalho. O formalismo havia se instalado em minha vida”. Foi então que aconteceu um encontro que o despertou: “A Jornada de Outubro me redespertou o desejo de experimentar aquela letícia original que me moveu em anos anteriores. Como faltavam 20 dias para a Coleta e algumas coisas estavam atrasadas, a correria foi inevitável. Porém, havia um gosto novo em cada ação e toda a agitação ganhou significado. No dia da Coleta, fui tomado por grande letícia e gratidão. Posso dizer que eu preciso mais da Coleta do que ela precisa de mim. É um gesto concreto para eu verificar se a salvação ainda me interessa”.
Cada ano carrega um aprendizado novo também. Beth, de São Paulo, relata o que viveu nesta edição: “A Coleta para mim teve um aspecto diferente, pois acabei ajudando na secretaria. Foi interessante porque pude entender o aspecto da formiga, algo que tem que ser feito em conjunto e não se pode parar no caminho, nem fazer sozinha. O próprio convite para ajudar foi importante. Por desmotivações no trabalho, precisava fazer algo que pudesse dar um sentido diferente do ficar parada ao problema que sentia. Os relacionamentos com os coordenadores e os que estavam mais diretamente envolvidos foi revelando uma realidade muitas vezes não muito fácil, mas que também nos desafia na busca da razão do gesto. E, assim, como a alegria relatada das pessoas que participaram, das pessoas que doaram era mais do que querer dar certo, era querer que um gesto de bem evidenciasse a verdadeira beleza de um gesto gratuito”.
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