Zaqueu, a hemorroíssa e a vida e as perguntas dos estudantes universitários. Participamos dos Exercícios espirituais para encontrá-los, entre as refeições e as lições de padre Julián Carrón. “É um dos traços do nosso tempo: um incômodo diante dos incômodos”, mas existe outra possibilidade para olhar a si mesmos
Ao olhar para os 4 mil jovens que, em silêncio, enchem o pavilhão da Feira de Rímini durante os Exercícios dos Universitários – ocorridos de 17 a 19 de novembro, na Itália –, notamos que são como aqueles que encontramos em qualquer lugar. Alguns ainda têm um rosto de criança. Outros têm barbas muito longas. Tem a menina que tingiu os cabelos de rosa. Aquele com o casaco elegante e aquele com uma tatuagem no pescoço. Uma fotografia não seria suficiente para distingui-los de todos os outros.
“Qual é o fato mais marcante agora, no momento em que começamos os nossos Exercícios”, pergunta Carrón: “Eu gostaria de saber as respostas de vocês. Digo a minha, assim todos podem comparar-se com ela: o fato de estar aqui”. Por que você veio? O que busca? O que espera destes dias? Será que não tinha nada de mais interessante pra fazer?
“Estar aqui é um gesto de amor conosco. É uma ternura conosco, uma atenção pelo nosso destino”. Cada um chegou aqui com o próprio drama, o próprio incômodo, diz Carrón. “É um dos traços do nosso tempo: não só a enorme disseminação do desconforto nos jovens, mas também o incômodo diante dos incômodos, uma vergonha por cada dificuldade”. Segundo um estudo da Universidade de Sheffield, na Inglaterra, quanto mais tempo passam no Facebook, Snapchat, WhatsApp e Instagram e mais eles se sentem infelizes por sua aparência, por seus relacionamentos na família, pelo progresso escolar: insatisfeitos, em suma, de suas vidas.
Mas é fatal que seja assim? Ou há outra maneira de olhar para essas dificuldades? “E se esses incômodos fossem sintomas de nossa grandeza? E se eles fossem um sinal desse ‘eterno mistério do nosso ser’, do qual Leopardi falava?”. Para responder, Carrón lê um trecho evangélico da hemorroíssa, que desejava tocar o manto de Jesus, certa de que bastava isso para ser curada: “Que urgência ela devia sentir, depois de tantas tentativas mal sucedidas com os médicos, para realizar um gesto tão ousado! Nada a bloqueou. Na verdade, todas as tentativas, em vez de torná-la cética, geraram uma urgência ainda mais radical nela”. Estes dias, continua Carrón, são uma oportunidade para se atrever, como essa mulher, a colocar-nos diante de Cristo “sem ter vergonha de nada, com a mesma confiança, com a mesma certeza de ser levados a sério”.
Um amigo ao destino. Massimiliano, estudante de Direito na Universidade Católica de Milão, é o secretário do CLU. Ele fica nos bastidores com o fone de ouvido para garantir que tudo corra bem. Ele é um menino calmo e pragmático. André, que o substituirá em breve, está ali com ele, também usando o fone, mas a expressão é compreensivelmente mais preocupada. Tudo o que a secretaria faz é pensado para que os gestos possam estar à altura do desafio que o Movimento lança. “O que foram para mim estes dois anos? A ocasião de ver de perto como o Carrón se move, de verificar naquilo que fazemos se aquilo que ele diz é verdade. Para mim, a principal correção foi que eu, por temperamento, diante de um problema organizacional, iria direto para a solução prática e técnica. Para ele, não é assim. Ele quer entender a natureza do problema. Isso, na maioria das vezes, significa que precisamos de tempo. É uma educação para minha paciência”, afirma Massimiliano.
Alguns jovens se reúnem num grupo mais próximo com Carrón todos os meses. É o chamado Centro do CLU. Paolo, responsável da comunidade do Politécnico de Milão, conta o que significa para ele: “Vejo o Carrón como um amigo com quem eu me sinto no caminho rumo ao destino. Ele também precisa do relacionamento conosco, vemos que ele fica feliz pelos passos que tomamos, fica animado. Tanto que o que entendemos juntos, ele propõe a todos”.
Durante os Exercícios Carrón encontra algumas comunidades. Às 8 da manhã os diálogos já trazem o máximo de intensidade. Alguns jovens têm o olhar escancarado. Nunca há um momento de silêncio entre o final da resposta e o início da próxima pergunta. A lição de sábado de manhã, sobre Zaqueu, começa após a execução de duas músicas: L’illogica allegria de Giorgio Gaber e La notte che ho visto le stelle de Claudio Chieffo. “Impressiona o poder da realidade quando a deixamos falar com o coração. Mesmo que ‘todo o resto seja arruinado’, pode acontecer algo que nos entusiasma tanto que ‘não podia mais dormir’”. Quem não gostaria de viver assim?, pergunta Carrón. E, no entanto, mesmo quando acontece, ao longo do tempo, o estupor desaparece. Então: como reconstruir a conexão com a realidade? É aqui que o episódio de Zaqueu dita o método: “Foi olhado, então viu”. Carrón detalha as consequências deste encontro, deste acontecimento extraordinário: permite que você se conheça, doa um modo novo de ver a realidade e as outras pessoas e cria um novo olhar que desmascara a ideologia.
Uma atração que arrasta. Na assembleia, as perguntas são fortes. Marco diz: “Mais do que a vergonha pelo meu incômodo, eu me escondo dentro dele. Você fala de ternura por si mesmo: o que é esta ternura?”. Susanna: “Como posso acreditar que Alguém que me coloca dentro uma ferida deste porte possa me amar e me deixar realmente livre?”. Valeria: “As coisas contingentes nunca são suficientes. Nada dura. Não entendo como justamente através dessas coisas pode passar o amor de Cristo por mim”. Teresa: “Como posso entender se a diversidade humana de que você fala tem Cristo como origem e não é apenas o resultado de um temperamento individual?”. Pietro: “Muitas vezes, o silêncio é um fechar-se em meus pensamentos, como ele pode se tornar construtivo?”.
Para responder a esta última pergunta Carrón pede a Paolo para falar: “Neste período, o silêncio está se tornando uma questão de vida ou morte. Num lindo dia de sol saí de moto pelo asfalto. Foi excepcional! O dia clássico quando você não pensa em nada além de curtir as curvas. Mas na volta aconteceu algo inesperado. Eu precisava parar. Precisava parar e olhar. Senti que precisava de um momento com Ele: recuperar a consciência de Quem faz tudo na minha vida, perceber que mesmo a beleza daquele dia não poderia preencher meu coração. É por isso que eu preciso de silêncio. Parar e permitir que aquela Presença penetre totalmente em mim”. Em seguida, Carrón diz: “Vocês entendem? O silêncio cristão nasce de uma atração”.
É o que aconteceu ao primo de Matteo, da Universidade Estatal de Milão: “Ele não frequenta o Movimento e era a primeira vez que participava dos Exercícios. Na sexta-feira perguntei o que ele tinha achado da Introdução. Ele me respondeu: “Estou muito contente. Dê-me as chaves do quarto porque vou dormir. Quero ir para a cama com essa alegria e não quero estragá-la”. Carrón exclama: “Aconteceu novamente! O acontecimento permanece como acontecimento. Aquela felicidade você não pode arrancar, pois não está em suas mãos”.
Aos poucos os meninos vão saindo do salão. Muitos carregam nos ouvidos a música cantada nestes dias, intitulada Si jamais j’oublie, da cantora francesa Zaz. Diz: “Se algum dia eu me esquecer das noites que passei, das guitarras e dos gritos, lembre-me quem sou e por que vivo”.
Credits /
© Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón