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Passos N.200, Março 2018

IGREJA | BRASIL

O que pode superar a violência?

por Francisco Borba Ribeiro Neto

A Igreja no Brasil coloca em destaque o tema da violência, um problema que envolve todos nós. Uma questão que não depende apenas da eficiência do Estado, mas da iniciativa de toda a sociedade

A Campanha da Fraternidade de 2018 está voltada ao tema da superação da violência. Esta Campanha é proposta todos os anos durante o período da Quaresma pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) apontando para um tema de importante reflexão. É desnecessário dizer que a violência é um dos argumentos mais urgentes para a sociedade brasileira. Temos uma das maiores taxas de homicídios, acompanhada por uma das maiores taxas de encarceramento do mundo. Mas, ao mesmo tempo, a taxa de crimes solucionados no Brasil é baixa. Muita violência, muita punição, pouca justiça! Essa é a triste síntese da questão da segurança pública em nosso País.
Além disso, como explica o texto-base da Campanha, a violência está difusa e arraigada na sociedade. Acontece na cidade (principalmente nos bairros mais pobres e nas periferias) e no campo, no coração das famílias (violência doméstica contra mulheres e crianças) e nos lugares públicos, afeta o desempenho das escolas, atrapalha as atividades econômicas, faz constantemente vítimas no trânsito... As estatísticas comprovam aquilo que a observação cotidiana sugere: pobres, jovens e afrodescendentes são as vítimas mais frequentes da violência na sociedade.
Mas o tema da Campanha da Fraternidade não é propriamente o da violência, já bastante explorado nas mídias e até nas campanhas políticas, mas sim a sua superação. O que pode superar a violência?
Frequentemente as soluções apresentadas se baseiam no aumento da própria violência. Haveria uma violência “má”, praticada pelos delinquentes e pelos perversos, e uma violência “boa”, praticada pelas forças da ordem, pelos justiceiros e pelos homens de boa-vontade. Mas a própria experiência histórica mostra que violência sempre atrai mais violência. A justiça pode implicar no uso da força, mas essa última não degenerar em violência.
Ao longo dos séculos, a comunidade cristã foi aprendendo que o amor é a verdadeira força de superação da violência. Essa parece uma afirmação ingênua, mas pode ser comprovada na prática. Uma experiência concreta que mostra como a força do amor pode ter resultados até surpreendentes na superação da violência: os presídios geridos pela APAC. A seguir veremos quais as raízes da violência em nossa sociedade.

Onde falta o Estado. O Estado moderno se constituiu, em primeiro lugar, justamente para combater a insegurança. A filosofia política clássica reconhece que o primeiro – e único – monopólio do Estado é aquele da força, necessário para estabelecer a justiça e a segurança entre os cidadãos. Antes de se responsabilizar por saúde, educação, transporte, gestão da economia, o Estado moderno deveria garantir a segurança das pessoas.
Uma falência radical do Estado moderno se manifesta, em primeiro lugar, como incapacidade de garantir a segurança pública. Não é à toa que o governo do Rio de Janeiro, por exemplo, que enfrenta uma gravíssima crise financeira, com uma falência múltipla da máquina pública, teve a intervenção federal decretada justamente na área da segurança.
A América Latina e o Caribe constituem a região do mundo com maior número de homicídios intencionais (excluídas as mortes acidentais ou por guerras), segundo o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime. Entre os 15 países no mundo com maiores taxas de homicídios intencionais (excluídas as mortes acidentais ou por guerras), segundo o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime. Entre os 15 países no mundo com maiores taxas de homicídios por habitante, 13 estão na América Latina e dois na África. Essa escalada de violência em nosso continente se deve à superposição de vários fatores: a desestruturação do mundo tradicional, violência e pobreza, falência radical do Estado moderno.
A situação de violência na América Latina é um sinal claro da crise dos nossos governos, de sua incapacidade de enfrentar os problemas vividos por nossas sociedades. Sob esse aspecto, sem dúvida é necessário reivindicar dos governos uma ação eficiente no combate à violência. Não se trata de aumentar a truculência policial, num caminho que tem mais a ver com a vingança do que com a justiça. O problema consiste numa ação mais eficiente na apuração dos delitos, na prática de uma justiça restaurativa, que ajuda o condenado a superar seu passado e se integrar à vida social, numa ação preventiva eficiente, que evite a exposição da população a situações de risco.
Não basta reivindicar a ação do Estado, pois a violência encontra-se nos mais diferentes níveis da vida social e só pode ser superada com o empenho pessoal e comunitário de cada cidadão. E aqui a contribuição dos cristãos é particularmente importante.

Uma resposta pessoal e comunitária. O que cada um pode fazer para vencer a violência que assola nossa sociedade? A resposta à pergunta costuma esgotar-se na reivindicação por uma ação do Estado ou revelar-se angustiante. Vejamos o porquê.
Reivindicar eficiência do Estado é justo e necessário, mas insuficiente. Quando os governos falham e os políticos de diferentes partidos parecem se igualar na incapacidade de responder ao desafio, essa reivindicação se torna frustrante e parece não oferecer saída.
A outra resposta é angustiante: cercar-se de todos os meios de segurança individual, tentar tomar todos os cuidados possíveis para evitar riscos. Significa, se levada às últimas consequências, tornar-se refém da própria insegurança e do próprio medo. Pior: a vida mostra que todas as providências e todos os cuidados, ainda que úteis e necessários na medida do possível, não evitam com certeza que o pior aconteça.
É aqui que a experiência cristã pode, com toda sua força, ajudar na superação da violência. Os Salmos estão repletos de referências à ilusão de colocar nossa confiança nos recursos humanos. A sabedoria popular diz “quem guarda a porta é Deus e não a tranca”. A confiança em Deus, contudo, não é uma espécie de escudo mágico ou um recurso de autoajuda. Não significa que coisas ruins não possam acontecer, mas sim que não darão a última palavra sobre nossa vida.
Essa confiança se baseia numa experiência que já se vive, mostrando que o amor de Deus é capaz de sempre dar a última palavra na vida daqueles que Nele confiam. Por isso, o primeiro passo para vencer a violência é viver integralmente a própria experiência do encontro com Cristo, comprovando que se trata não de uma ilusão, mas de um fato capaz de mudar realmente a nossa vida.

Não haverá justiça sem perdão. Uma consequência natural dessa confiança em Deus é a capacidade de perdoar. A justiça humana é necessária para garantir a paz na sociedade, mas ela não consegue trazer a plenitude da paz às vítimas da violência. Uma justiça plena só pode vir como Graça. O desejo de vingança, ou mesmo de uma justiça expiatória (a Lei de Talião) não conseguem preencher a dor sofrida, a Graça que traz a paz vem acompanhada do perdão e da busca da justiça restaurativa, que procura recuperar o causador do mal e criar novas dinâmicas sociais nas quais um bem possa nascer da própria experiência da dor.
Em países com graves conflitos internos, como a Colômbia e as nações do Oriente Médio, o mais clamoroso testemunho cristão reside justamente na capacidade de perdoar, de não guardar raiva do outro. A mídia tem divulgado frequentemente os casos de pessoas que perderam entes queridos vitimadas pela violência urbana, mas perdoaram os agressores e se engajaram em movimentos que procuram construir a segurança por meio de uma cultura da paz.
Essas iniciativas podem aparentar pequeno efeito imediato, mas são as mais eficientes a médio e longo prazo. Além disso, o coração enlutado pela violência consegue se recuperar com muito mais facilidade quando faz a experiência do perdão e redescobre a capacidade de amar e olhar o mundo com positividade.
Se entre as origens da violência está a degradação das redes interpessoais, o isolamento e a falta de vínculos, uma das principais estratégias de combate à violência reside justamente na construção de experiências comunitárias capazes de apoiar as pessoas em suas dificuldades, recuperando os laços de solidariedade e os afetos que dão sentido à vida, ajudar a encontrar uma perspectiva.
As obras sociais católicas, quando devidamente realizadas, têm justamente essa força: representam não só a resposta a uma necessidade material concreta, mas um gesto de amor que recupera e valoriza a dignidade tanto de quem é ajudado quanto de quem ajuda. Na sua origem não está um projeto ideológico ou uma obrigação do Estado, mas o amor que alguém recebeu e sentiu necessidade de também doar a outros. Por isso seu enorme potencial no combate à violência. Ajudam tanto a superar dificuldades materiais quanto a ter outro olhar sobre a vida, reconhecer o amor necessário para a estruturação de uma personalidade madura, capaz de interagir positivamente com a realidade.
Nas próximas páginas, veremos como essa experiência do amor cristão, expresso nas obras sociais católicas, enfrentou e continuando enfrentando – com um sucesso que surpreende a todos – a um dos maiores problemas da segurança pública do Brasil: a situação prisional. Mas esse é apenas um exemplo paradigmático, pois onde entra realmente o amor de Deus, toda a realidade se renova e a violência não pode dar a última palavra.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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