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Passos N.200, Março 2018

EDUCAÇÃO

Quem aceita o risco

por Inês Maggiolini

Ser “mestres” hoje? Passados 40 anos da publicação de Educar é um risco, de Luigi Giussani, um congresso em Milão reúne Julián Carrón, Eraldo Affinati e Luigina Mortari. Um debate cheio de vida e de razões

Matemática e italiano, ciências ou línguas estrangeiras: sinteticamente, as disciplinas. E, além disso, os jovens, não uma categoria abstrata, mas rostos de pessoas concretas como Ana e Giorgio, colegiais romanos, ou Khalid e Franziska, imigrantes que tentam aprender a nossa língua e a nossa história. No meio, professores e adultos às voltas com uma emergência educativa que se tornou sempre mais aguda.
Fragmentos de um encontro-debate sobre o Educar é um risco de Dom Luigi Giussani, publicado pela primeira vez quarenta anos atrás. Desde então muita coisa mudou, entretanto, aquele livro tem ainda muito a dizer à escola de hoje. Este é o desafio proposto pelos organizadores do congresso “Livres para educar”, realizado no dia 27 de janeiro na Universidade Católica em Milão.
Por outro lado, a importância fundamental do tema é evidente pelos números e locais do encontro: mais de três mil e trezentos inscritos, sessenta sedes conectadas na Itália, oito no exterior (da Holanda ao Cazaquistão). O plenário lotado e atento: mestres que buscam por sua vez um mestre, um caminho para chegar ao coração e às mentes dos jovens, porque – e esta é experiência comum a todas as latitudes – “não bastam as noções para despertar o eu, para nos fazer levantar da cama de manhã”.
“Querendo resumir, diria que a originalidade do método educativo de Dom Giussani é o próprio método”, intervém padre Julián Carrón, sucessor do sacerdote italiano na guia de Comunhão e Libertação. “E o método é a experiência, porque é aqui que a realidade se torna evidente, transparente”. Não é fácil renunciar à segurança oferecida por regras e normas, precisamos de coragem e ousadia para pedir aos jovens que verifiquem por si mesmos a verdade daquilo que lhes é comunicado. “Mas para julgar é necessário um critério, e um critério que não seja manipulável, que esteja dentro de nós”, continua padre Carrón. O Presidente da Fraternidade de Comunhão e Libertação alude às palavras do escritor argentino Ernesto Sabato que evocava a aflição, a saudade de um absoluto, de um infinito que seja “pano de fundo invisível, incognoscível, mas com o qual confrontamos toda a vida”.
É o mesmo critério que Dom Giussani descreve como “aquele conjunto de exigências e de evidências com o qual o homem é lançado dentro do confronto com tudo o que existe. Muitos nomes poderiam ser dados a essas exigências e evidências, que podem ser resumidas com diversas expressões (exigência de felicidade, de verdade, de justiça). São como centelha que aciona o motor humano”.
Vêm à mente os rostos e os olhares dos estudantes do liceu Berchet de Milão aos quais Dom Giussani propunha esta aventura e a sua amizade. De maneira inesperada se assemelham aos rostos dos jovens que Eraldo Affinati, escritor e professor, encontra na “Penny Wirton”, a escola gratuita de italiano para imigrantes por ele fundada. Jovens feridos pela vida, órfãos de fato, como ele os chama, ou leprosos espirituais. “Diante da falta de determinação deles, da fragilidade, o que vale é ter uma experiência de vida para transmitir, não tanto um conteúdo para repassar”, conta: “Até mesmo aceitando que o filho ou o aluno te leve a um lugar imprevisto”. Como estão distantes os seguros recintos das competências, das linguagens técnicas ou científicas, das habilidades...
“A educação, com efeito, tem a ver com o Mistério, e o que se deve cultivar são as perguntas fundamentais da existência e a estima da vida”, sublinha Luigina Mortari, docente de Pedagogia na Universidade de Verona: “A vida deve ser examinada, porque é necessário dar as razões das coisas, como sugere Dom Giussani quando fala de educação à crítica”.

Omar e Faris. Delineia-se uma possibilidade de relacionamento que chega a identificar o desalento dos jovens não como obstáculo intransponível, mas como oportunidade: “A adolescência é um momento crítico, porque é o momento em que o menor está à procura de seu rosto pessoal, de si mesmo”, explica padre Carrón: “No nosso contexto os jovens são certamente menos ideologizados, mas mais vulneráveis, tanto que sentem até vergonha de sua vergonha, sentem desconforto pelo seu desalento. E isto é um sinal distintivo da mudança de época que estamos vivendo. Não se trata da incapacidade de estudar o da falta de disciplina, mas de ‘uma fraqueza’ estrutural”.
Diante deste desalento existencial, abre-se caminho para duas tentações: regras e instruções para manter sob controle o “mal de viver”, ou reduzi-lo a uma fraqueza psicológica. Não é isso que Dom Giussani viveu com os seus estudantes e que descreveu no Educar é um risco. “O desafio proposto por Dom Giussani é o de introduzir à realidade total através do desalento”, lembra ainda Carrón: “Ninguém pode impedir um professor de olhar um jovem, com todos os seus sintomas, na sua extrema irredutibilidade”. E, surpreendentemente, aqueles adolescentes, exatamente por terem dentro de si aquele extremo mistério para o qual podemos continuamente apelar, podem tornar-se os principais aliados no percurso educativo. Nada de obstáculos.
É o que acontece a Eraldo Affinati quando acompanha de volta ao Marrocos Omar e Faris, dois jovens que chegaram à Itália quando crianças. Comovente o encontro com o velho imã cego que lhes ensinou a escrever e a ler em árabe. Para o escritor, portador da provocação existencial e educativa do padre Lorenzo Milani, é a demonstração de que a ação educativa nunca deveria ter um termo. “Simplesmente o mestre se transforma em irmão, irmão do próprio estudante”, explica o escritor: “É então que você repassou o bastão como na corrida de revezamento”. É o que acontece também a Luigina Mortari, em seu trabalho de pesquisa e de formação, quando descreve “a paciência infinita com a qual se deve acompanhar os jovens na procura do bem e do bom da alma”. Porque “por mais que seja deteriorado, o eu, todavia, existe e julga, tanto é verdade que se dá conta da própria insatisfação”, aprofunda padre Carrón: “E esta irredutibilidade do eu, que resta apesar de tudo, é crucial para os educadores e os professores: em seu emaranhamento, os adolescentes têm de qualquer forma um coração e é a este coração que devem dirigir-se os educadores para lhes ensinar a julgar e a fazer um caminho”.
Um caminho que leve estes jovens a confrontar-se com a realidade e o ambiente, caso contrário – como sublinha o moderador do encontro Francesco Valenti, presidente da associação Educar é um risco – a escola e o educador faliram. “É preciso aceitar o choque da realidade e do outro, deixar-se interpelar pelo olhar do outro que nos chama continuamente”, esclarece a Mortari, “cuidando para que o outro desenvolva todas as possibilidades do seu ser”. É justamente “no cuidado pela relação humana, no conduzir os jovens a encontrar o seu verdadeiro eu, o seu nome”, que Affinati identifica o núcleo comum entre Dom Giussani e padre Milani, educadores contemporâneos que uma leitura ideológica quis contrapor.
Hoje, porém, a realidade parece mais complexa, dramática: gangues de menores, abandono escolar, apatia, aumento de jovens que não trabalham nem estudam, difusão das drogas, o abuso de redes sociais e realidade virtual. O Educar é um risco pode ainda ser uma ajuda? “Não o digo feito torcedor, mas como é possível trabalhar na escola sem ter como referência o Educar é um risco?”, pergunta-se provocativamente padre Carrón. “Dom Giussani nos deu os instrumentos para enfrentar tudo isto, desde a apatia até os leprosos espirituais, porque colocou o acento sobre aquilo que muitas vezes não é focalizado, ou seja, o problema do adulto. A verdadeira esperança para esses jovens é se encontram alguém capaz de oferecer uma hipótese de resposta encarnada às suas dificuldades, aos seus problemas. Seja qual for a circunstância histórica, o início será sempre o deparar com uma presença que se impõe, não ao cérebro, mas à vida. Em outras palavras, só adultos entusiastas do caminho que percorrem, poderão contagiar os jovens”.
Esta paixão deve chegar até o detalhe da didática: o encontro do professor com o estudante acontece na aula. O desafio é despertar o eu dos jovens não com atividades paralelas, mas com o próprio modo de viver, começando pelo modo de pôr os pés na sala. “Pelo modo de explicar a física ou a química, de aprofundar história da arte ou literatura se vê – afirma padre Carrón – se usamos a razão em sentido racionalista e restrito, sem remeter a nada, ou se o nosso olhar é um olhar que, através das matérias, escancara para o Mistério”. Como quando, depois de ter acompanhado uma turma ao planetário de Madri, encontrou na lousa as perguntas de seus estudantes: “Mas quem fez o céu e as estrelas? Qual é o significado de tudo isto? Qual é o fim?”.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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