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Passos N.201, Abril 2018

VIDA DE CL | EUA

Um por um

por Paola Bergamini

Carie é piloto da Marinha Americana e carrega um cartaz em sua cabine. Whitney vê sua amiga mudada e decide segui-la. E Alberto é um italiano que pensava estar “em missão”, e, no entanto, é o primeiro a se surpreender. Viagem à Flórida para ver como nasce (e se expande) uma comunidade onde ninguém programou nada

Em agosto de 2012, à mesa em um terraço com vista para o Miami River, o garçom acaba de servir espaguete com frutos do mar e Enrico, em silêncio até aquele momento, diz: “A experiência de partir é belíssima porque é de purificação”. Alberto olha para Joep e Pepe, que não dizem nada. Pensa consigo mesmo: “Ele é louco. ‘Purificação’, mas que palavra é esta?” É a sua primeira noite em Miami, e está com aqueles três, Memores Domini como ele, com quem pensa em compartilhar seu “ideal” missionário pelos próximos anos. Deixou a Itália para que todos conheçam Jesus. Os “outros” precisam d’Ele. E a frase de Enrico o desconcerta. “Na minha arrogância, não entendia que a única coisa de que preciso é o acontecimento de Jesus que se dá diante dos meus olhos”. Sua história se entrelaça com a de Carie, Rachel, Luca e outros que moram em Gainesville, Jacksonville, Tallahassee, todas cidades do norte da Flórida, das quais naquela noite não sabia sequer da existência. Pensando nisso hoje, enquanto os vê ao seu lado passando férias perto das Montanhas Blue Ridge, na Geórgia, tudo lhe parece inacreditável. No entanto, ali estão, todos eles. Entraram nessa história um por um, através da amizade com alguém. Uma profusão de rostos que para ele são “as ‘possibilidades delicadíssimas’, como as chamava Dom Giussani, com as quais o Mistério se fez presente nestes anos. Algo inimaginável, não programado”. Um mapa vivo de encontros, de circunstâncias, de vida.

O início. Em julho de 2013, Dom Felipe Estévez, antes Bispo Auxiliar de Miami, onde encontrou a comunidade de CL, e agora em Jacksonville, pede para que seja montada uma casa de Memores Domini em Gainesville, cidade que faz parte da sua Diocese, onde há uma das universidades mais prestigiosas da Flórida. Em novembro, Alberto, depois de um ano dando aulas de italiano a estudantes latinos na Saint Brendan e não de Literatura como esperava, dá sua disponibilidade. Entra em contato com o Bispo para entender as possibilidades de trabalho tanto para ele quanto para Luca, seu amigo desde os tempos da universidade, que o encontraria em Gainesville. Dom Estévez oferece duas cátedras – de Latim e História – no colégio diocesano Saint Francis.
Em agosto de 2014 Alberto recebe, através do amigo de um amigo, o e-mail de um casal que pergunta se há alguém do Movimento em Gainesville, onde estão morando há pouco tempo.
Faltam poucos dias para sua mudança. Procura uma casa perto da deles e espera por Luca que, no último momento, tem o visto negado por motivos burocráticos e, por enquanto, não pode se juntar a ele. Alberto fica só. “Foi um momento decisivo. Pensei que não conseguiria. Depois, houve a descoberta de que preciso da minha vocação. Podia me esquecer de rezar as Laudes, de fazer silêncio por um, dois, três dias, mas, depois, percebia que preciso disso. Da preocupação do “ter que fazer” à descoberta de que podia ligar para Enrico em Miami e pedir conselhos para qualquer decisão”.
Há também James e Sandi. Ela, Batista, tem curiosidade em conhecer a experiência que o marido encontrou há pouco. Começam a fazer Escola de Comunidade em sua casa e sempre, antes do jantar, leem as perguntas que surgiram com a leitura do texto. Diante disso, Alberto lembra: “Achava que era eu quem lhes fazia companhia porque, no fundo, ‘já sabia’”.
Depois de dois meses, chegam Carie e Rachel. Ambas encontraram o Movimento em Pensacola através de padre Jimmy e agora moram em Jacksonville, uma por causa do trabalho e a outra porque voltou para a casa da família. Carie, piloto de helicóptero da Marinha Americana, viajava cinco horas até Pensacola para fazer Escola de Comunidade. Fez isso durante um ano. Agora, a hora e meia que leva para chegar a Gainesville lhe parece um passeio. Aos poucos o grupo cresce: um colega de Alberto, amigos de James e Sandi, alguns que vêm apenas uma vez. No fim do ano chega Bryan, professor transferido para Jacksonville vindo da Notre Dame, onde encontrou o Movimento e, também através do amigo de um amigo, entrou em contato com Carie. Para ele, porém, uma hora e meia de carro parece muito. ‘Mas é impossível dizer não a Carie”, diz. Não perde um encontro.
Em janeiro de 2015, Alberto matricula-se em uma especialização. E propõe ao diretor do colégio: “Luca pode ficar no meu lugar?”. O dirigente responde: “Se o contratarmos você não estará mais sozinho?”. “Não”. “Então, está bem”. James e Sandi, neste período, mudam-se para a Carolina do Sul. E Luca chega. Na primeira noite, jantando com eles, Dom Estévez diz: “Abençoe, Senhor, esta pequena casa de Nazaré para que esses dois amigos possam viver o seu sim à vocação”.
Ele e Luca têm personalidades opostas. No início, Alberto pensou que ajudaria o amigo fazendo uma relação dos problemas que iria enfrentar e sugerindo as possíveis soluções. A vida torna-se decididamente difícil. Para Alberto, porque não concebe que o amigo não o compreenda, e para Luca, porque é bombardeado por conselhos a respeito de problemas que ainda não vê. Há também o Bispo, que os chamou para que o Movimento nascesse ali e os convida para todos os eventos da paróquia, para a organização da Pastoral... Todas coisas boas, todas coisas a “fazer”. E à noite, jantares em silêncio para não haver discussão. Alberto acha que tem muito para oferecer, no entanto, se não der certo, há sempre o plano B: voltar para a Itália. Até que percebe que o Mistério bom está batendo à porta, exatamente ali, através daqueles rostos. E que “basta estar diante de Cristo que acontece. Esta é a única coisa que salva a nossa vocação”. A palavra “purificação” torna-se carne.

Novos amigos. Uma noite, depois da Escola de Comunidade, Rachel diz: “Padre Jimmy me telefonou. Foi transferido para Tallahassee, onde fiz a universidade. Quero ir visitá-lo e apresentá-lo aos meus amigos do grupo universitário. Ainda mantenho contato com alguns. O que vocês acham?”. Luca e Alberto se oferecem para acompanhá-la. No dia 3 de dezembro de 2016, num jantar na casa de padre Jimmy, estão os três, mais vinte pessoas. Antes da sobremesa, Rachel diz: “Cresci em uma família católica e, como vocês sabem, sempre gostei de participar de retiros, de passar horas adorando o Santíssimo. Em Pensacola, padre Jimmy me convidou para a Escola de Comunidade. Uma frase me marcou: ‘O que nos interessa é entender o que é verdadeiro na experiência’. Participei durante mais de um ano sem entender muito, mas, seguindo, num determinado momento descobri que podia viver a minha fé dentro da vida cotidiana, não precisaria esperar pelos retiros espirituais ou pelas horas de adoração”. Sua amiga Rachel não a deixa terminar: “Ok. Quando começamos este CL?”. No dia seguinte, encontram-se para ler o texto da Escola de Comunidade. Duas semanas se passam e os novos amigos vão a Gainesville. Luca pergunta: “Por que era importante para vocês começar o quanto antes?”. Whitney responde: “Nós conhecíamos Rachel dos tempos da universidade, trabalhávamos juntas na Pastoral da Juventude. Quando nos formamos sentimo-nos perdidos, não sabíamos mais o que fazer. Mas ela tinha mudado, continuava crescendo. Queríamos entender o que tinha acontecido e a seguimos”. No verão seguinte, Whitney entra para um Convento em Connecticut. Na mala, o livro da Escola de Comunidade.
São um pequeno grupo heterogêneo que aos poucos aumenta, porque não podem deixar de convidar os amigos. Alguns conseguem ir ao New York Encounter, cinco vão às férias de verão das comunidades da Flórida. Em junho, padre Jimmy volta para Pensacola e eles continuam esta experiência de amizade tão diferente dos “programas” de paróquia aos quais estavam habituados. Essa amizade investe a vida. Luca, sempre que pode, vai encontrá-los. Não para “cuidar” dos encontros, mas atraído pelo que está acontecendo. Fala pouco sobre isso com Alberto, muito menos pede seu parecer. No início o amigo se irrita, mas, depois, “vê” que aquele é o modo simples com o qual Luca é chamado a se relacionar com Cristo. Logo que chegou a Gainesville, Maurizio, Memor Domini que está há anos nos EUA, lhe tinha dito: “Seu maior trabalho será deixar prevalecer o que vê e não o que pensa”.
No dia 30 de dezembro de 2016, no porto de Norfolk, Virginia, onde estão atracados os porta-aviões americanos, Luca e Rachel levantam cartazes onde se lê: “Welcome Home”. Junto com Vincent, que veio de Tampa, e com Alberto, esperam Carie, que havia partido sete meses antes para uma missão militar no Golfo Pérsico. Em sua cabine estão o Cartaz de Páscoa, a caricatura dos rostos dos amigos e o livro de Escola de Comunidade. Seu trabalho é obedecer a ordens. Sempre. E, durante aqueles meses, se perguntava: “O que o meu encontro com o Movimento tem a ver com a Marinha? Com o fato de que eu ainda servirei o meu País por quatro anos em missões de guerra?”. Encontrou uma única resposta: “Por aí passa o meu relacionamento com Cristo. É a isto que sou chamada. Devo levantar-me todas as manhãs pedindo para poder dizer sim a Ele”. Passa dez meses em casa e, em novembro de 2017, é comunicado seu novo destino: Corpus Christi, no Texas, na fronteira com o México. As lágrimas escorrem pelo rosto de Carie. Alberto lhe diz: “Vamos com você. Melhor, iremos antes e faremos uma viagem em etapas, parando nos lugares da sua história para encontrar todos os seus amigos”. Uma semana depois, Rachel entra como noviça para a Congregação das Irmãs Missionárias da Fraternidade São Carlos Borromeo, em Roma.

Clay e os outros. Uma noite, Alberto e Luca recebem um telefonema de Dom Estévez: “Chegou a nossa Diocese um seminarista, Clay. Ficará aqui por um ano para acompanhar a Pastoral Universitária. Passou dois anos em Roma estudando e gostaria que ele exercitasse o italiano. Por isso pensei em vocês”. Encontram-se alguns dias depois para tomar um café. Clay conta que conheceu o Movimento em Roma, através de Ralph, um seminarista americano. Começa a frequentar a Escola de Comunidade. Seus dias são cheios de compromissos, precisa acompanhar todas as iniciativas propostas pela Capelania. Tem um coração generoso, nunca recusa nada. Até que, depois de uma Escola de Comunidade, à qual chegou atrasado por causa do enésimo compromisso, diz a Alberto: “Estou explodindo. Não aguento mais e não estou feliz com essa vida”. “O Bispo disse para você seguir quem?”. “Padre David, o Capelão da Universidade”. “Por que não conversa sobre isso com ele?”. Para Clay, admitir “não estar à altura” significa que aquele não é o seu caminho. Mas, numa manhã, toma coragem e depois que o Capelão lhe diz tudo o que precisa fazer naquele dia, diz: “Assim não é possível. Faço muito, mas não faço nada”. “Diga-me de que precisa”. “De Escola de Comunidade”. “Ok. Faça tudo, mas na quinta-feira você fica livre”.
Também precisam daquele grupo de amigos, Ashil, a quem Alberto acompanhou como catequista tornando-se seu padrinho de Batismo; Richard, também da Marinha Americana; Mary Alice, universitária que em 2016 comprou uma passagem para ir ao New York Encounter um dia antes do início só porque Rachel lhe tinha dito: “Venha”. E ainda Sonya, Kelsey... Todos, encontros pessoais que geraram uma vida nova. Repensando, hoje, nesta história, Alberto sorri: “O que teria perdido se tivesse me decidido pelo plano B!”.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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