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Passos N.202, Maio 2018

ATUALIDADE

Há um só caminho para a Síria

por Giorgio Paolucci

Uma guerra infinita, que custou (até agora) mais de 500 mil mortos, mais de um milhão de feridos, onze milhões de refugiados nos países vizinhos – Turquia, Líbano, Jordânia – ou em outras regiões do País: traduzindo, quatro sírios em dez não vivem mais nas suas casas.
Depois da conquista de Aleppo por parte do exército em dezembro de 2016 – que parecia prelúdio do fim das hostilidades – os combates prosseguiram, com maior ou menor intensidade, até à mais recente escalada na região Norte da Síria, com a intervenção maciça da Turquia para impedir a consolidação de um enclave controlado pelas forças militares curdas, sobretudo na área de Damasco, onde as múltiplas formações da galáxia dos insurgentes colocaram na mira, por semanas, diversos bairros da capital.
“Em janeiro, alguns mísseis lançados pelos insurgentes alcançaram as igrejas de Bab Touma, um bairro com maioria de habitantes cristãos, outros atingiram os alunos nos horários de saída das escolas”, afirma, com o coração pesado frei Bahjat Elia Karakach, originário de Aleppo, guardião do convento da Conversão de São Paulo em Damasco e pároco da comunidade latina local, composta por 250 famílias. “A tensão é fortíssima: à sequência de ataques programados para semear o terror e aumentar a situação de instabilidade, seguiu-se a contraofensiva do exército de Assad para libertar do controle dos insurgentes a zona de Ghouta, subúrbio da periferia oriental da cidade”.
Frei Karakach é um dos 14 frades franciscanos presentes na Síria, herdeiros de uma tradição que se prolonga ininterruptamente há 800 anos e que, nestes tempos dramáticos, decidiram ficar, compartilhando as necessidades elementares da população: com a colaboração de voluntários leigos mantêm quatro centros de acolhida na capital, em Aleppo, Latakia e Knayeh; oferecem leitos, refeições, assistência médica, roupas, e ajudam os desalojados na reparação das casas e na procura de outras soluções para morar.
“O povo deseja a paz, esta guerra só serve aos inimigos da Síria, a quem quer fazer dela terreno de conquista. Infelizmente, a opinião pública ocidental não é colocada em condições de entender o que realmente acontece por aqui, até porque os meios de comunicação apresentam um quadro distorcido da realidade”, diz o franciscano. Por exemplo, houve uma grande ênfase sobre a violenta ofensiva desencadeada pelo exército para libertar Ghouta do controle dos insurgentes, tendo sido silenciado o fato de que tal ofensiva ocorrera em resposta aos ataques com mísseis que, há meses, atingiam muitos bairros de Damasco. “Devemos ser realistas, após sete anos de guerra: hoje quem ainda pode garantir uma Síria unida é, de fato, somente o governo. Os grupos jihadistas são uma componente essencial da oposição armada e lutam para a instauração de um Estado islâmico: um objetivo que seria a negação da convivência entre identidades diversas, que caracteriza há séculos o nosso País”, detalha frei Karakach.

Limpeza étnica. Segundo o franciscano, as prioridades nas negociações, que perduram, não obstante o reacender-se do conflito, são duas: “Antes de tudo, é preciso salvaguardar a unidade do Estado, e logo impedir um desmembramento com base étnica, o que seria artificial, anti-histórico, fora da realidade. Na Síria, não há zonas inteiramente sunitas ou xiitas ou cristãs, abrir-se-ia caminho para uma limpeza étnica equivalente à destruição definitiva do mosaico sírio. É necessário apoiar a ação daqueles que querem manter a unidade territorial, e fazer com que a diplomacia internacional continue em negociações muito complicadas, mas muito necessárias. A segunda prioridade é a manutenção da laicidade: um Estado baseado em confissões religiosas seria um verdadeiro azar para a sociedade síria e para toda a área do Mediterrâneo. Só uma constituição laica pode preparar o terreno sobre o qual reconstruir uma sociedade que respeite todas as componentes religiosas e políticas”.
Após sete anos de devastações, há destroços para remover nas ruas e nos corações. Violências, traições, acusações nutriram suspeitas recíprocas, a desconfiança do “outro”. Centenas de milhares de famílias perderam maridos e filhos, há muitas crianças traumatizadas pelas bombas e pelos massacres a que assistiram. De onde se pode reiniciar para curar feridas tão profundas? “Muito tempo será necessário para metabolizar o que aconteceu. Agora os esforços maiores devem ser aplicados para responder às inúmeras e graves emergências materiais, mas, para que o renascimento seja duradouro, deve-se apostar na instrução e educação. Não devemos esquecer o cuidado para com o nosso rebanho, mas queremos trabalhar para todos, não somente para “os nossos”. Na paróquia, temos um projeto de apoio psicológico voltado para os menorzinhos, para ajudá-los a encontrar confiança na vida: 70 por cento deles são mulçumanos. De todo modo, há um grande trabalho a fazer, seja para reerguer as estruturas – um milhão e meio de crianças não frequenta mais as escolas, um terço dos edifícios foi destruído –, seja para testemunhar e propagar os valores da convivência, da paz, do diálogo. Somente assim poderemos chegar a uma reconciliação nacional”.

Ananias. Um tijolo pequeno, mas muito importante na lógica de uma reconstrução humana e social, está em preparação também no bairro onde se localiza o convento de Frei Karakach: um centro cultural que irá hospedar apresentações de teatro, exposições de arte, concertos de música clássica, clube de cinema, lançamentos de livros, atividades para crianças, atividades extraclasses para os jovens do bairro, espaços de estudo para os universitários. Um espaço multiforme, mantido pela Associação Pro Terra Sancta, aberto ao diálogo com todos. O centro receberá o nome de Santo Ananias, para lembrar o discípulo que acolheu Saulo depois do seu encontro com Jesus na estrada de Damasco. “Ananias receava encontrar um homem conhecido como inimigo da comunidade cristã, mas afinal confiou naquilo que Deus lhe pedia e o tratou como irmão. Também hoje os cristãos não devem sucumbir ao medo, devem enfrentar o desafio de encontrar o outro, de trabalhar com todos e de viver a fé como um dom para todos os homens. Ensinou-nos isso São Francisco, fazem-no, há séculos, os frades da Custódia de Terra Santa, testemunha e nos exorta a fazê-lo o Papa que leva o seu nome”.

Testemunho nu. Não faltam resistências a estas aberturas, até porque a história da Igreja na Síria é cravejada de mártires que perderam a vida para testemunhar a fé cristã. Mas Frei Karakach está convencido de que não existe outro caminho para viver como protagonistas, nesta época de aflição da sociedade síria. “É o crisol em que se mede a consistência da nossa fé e a capacidade de nos confiarmos a Deus, antes do que às nossas forças ou aos nossos projetos. O testemunho nu pode parecer ineficaz, uma arma sem corte para combater o vírus da desconfiança, alguma coisa demasiadamente fraca para derrubar os muros de recíproca hostilidade que cresceram ao longo destes sete anos”.
Entretanto, ele é testemunha de tantos episódios que relatam o contrário: “Por exemplo, pessoas de fé muçulmana comovidas pelo nosso modo de estar a serviço de todos e que nos dizem: ‘Vocês são diferentes’. E alguns decidem entender o que há no fundo desta diferença, chegam a conhecer Cristo e pedem o Batismo. São tocados antes pela humanidade do que pelas palavras. Os pequenos gestos de partilha são um grande investimento humano para o futuro da Síria. Não podemos propor uma hipótese de convivência para o amanhã, se não construirmos – já hoje – uma experiência que a torne experimentável e credível”.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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