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Passos N.202, Maio 2018

ENTREVISTA

Da Experiência à Matemática

por Víctor Vorrath

Ricardo Cantoral coordena uma equipe de pesquisadores no Cinvestav, no México, de onde se desenvolvem estratégias didáticas que facilitem a aprendizagem da matemática. Um cientista que leva a sério a responsabilidade de educar e a realidade que vivem os estudantes, para elaborar uma pedagogia adequada

No edifício do Centro de Investigación y Estudios Avanzados (Cinvestav), ao norte da Cidade do México, um pequeno grupo de pesquisadores e docentes desenvolve estratégias de aprendizagem e ensino da matemática para os ensinos fundamental e médio. Mariangella Borello, que participa desta equipe, considera que as pessoas que a integram estão autenticamente comprometidas com a educação por meio da pesquisa e da docência, e que o seu ofício é uma forma prática de fazer política, se esta é entendida como a busca do bem comum.
O doutor Ricardo Cantoral, um cientista reconhecido a nível internacional que elaborou a teoria sobre a construção socioepistemológica da matemática educativa, reúne-se em um edifício do Cinvestav com seus colegas e procura resolver desafios que visam precisamente o ensino da matemática nos ambientes em que vivem as crianças e jovens mexicanos. Cordial e simples, o doutor Cantoral me recebeu em seu escritório para conversar sobre o trabalho que realiza e que tem impacto nas escolas públicas do México.

O que motiva sua equipe a desenvolver pesquisas na área de matemática educativa?
A principal motivação tem dois componentes importantes: por um lado, reivindicar o trabalho docente em matemática, de todos aqueles colegas que desempenham um excelente trabalho em sala de aula e que por alguma razão a imprensa, o espaço público – seja político, do Estado, enfim – tendem a posicioná-los como vítimas e, inclusive, os responsabilizam pelas falhas do sistema e, por outro lado, formular uma proposta para o desenvolvimento do pensamento para que chegue a milhões de mexicanos. A única forma de realizar transformações educativas é por meio dos professores, de modo que esses são os dois componentes que movem a equipe de trabalho e o projeto.
Como profissionais do campo da matemática educativa conhecemos as razões de algumas dificuldades que existem no aprendizado, também temos estudado e sabemos de possíveis melhoras, então as testamos e a Subsecretaria as instrumentaliza como uma política de Governo para os professores do Ensino Médio.

Com que critérios elaboram o método didático de aprendizagem?
As propostas de pesquisa educativa se baseiam em uma teoria que desenvolvemos em Cinvestav, chamada de teoria socioepistemológica da matemática educativa, e se refere à construção social do conhecimento no campo particular da matemática. Isso é algo incomum neste meio, porque predominam os enfoques cognitivistas, ou seja, nos quais o indivíduo se apropria, aprende, mas domina menos a ideia de que existe toda uma complexa rede de construção de significados que têm início em sua própria cultura e terminam nas aplicações mais sofisticadas que você pode pensar, isto é, ainda mais na matemática; assim como se pode falar em comunicação ou linguagem, estas podem ser vistas como produtos da atividade humana e, portanto, são construções sociais.
Nesse sentido, a teoria que desenvolvemos depois de 30 anos tem uma estratégia de ação mais ou menos tipificada. Começa com uma combinação muito interessante entre os resultados de Piaget, tipo Vygostky, sobre a apropriação, mas logo se passa a aspectos de ordem social: construção de significado compartilhado, que não é propriamente a ação do indivíduo sobre o meio, mas sim o modo pelo qual o jovem compartilha um significado em uma cultura. Falamos desta ideia de normatividade das práticas sociáveis e essa rede que vai da ação à prática, da prática à referência, a prática social é o eixo com o qual articulamos as propostas de intervenção educativa.

Luigi Giussani afirma que “o caminho para a verdade é uma experiência”. A partir do trabalho que realiza, como concebe o ensino da matemática partindo da experiência?
De um ponto de vista de método, o que fazemos é trabalhar com o conceito de sala de aula estendida, que é uma inovação da teoria que pressupõe que para alcançar aprendizagens a este nível de idade, o Ensino Médio, onde o jovem inicia sua vida adulta, sua vida laboral, já não mostra interesse somente sobre o saber escolar, mas por sua vida e se pergunta: “Para quê estudo matemática?”, “Estas fórmulas me servem de quê?”, “O que eu vejo fora da escola não se parece com isto”, há um desencanto com a escola; nesse momento da vida é fundamental pensar em uma sala de aula estendida na qual se incorpora a vida do aluno como objeto de estudo, a partir de uma perspectiva matemática.
Assim, questões desse tipo tornam-se relevantes, como, por exemplo, sobre a medição de um terreno, que é herdado pelo homem e não pela mulher, ou a venda de materiais, ocasião em que se pode aprender como se dá a pesagem de objetos ou qual é o papel que a dose tem na prática da enfermagem. São perguntas que partem da vida e daí partimos para discutir o sistema planetário, movimento em órbitas, elipses, parábolas, cálculo. Nunca começamos pelo objeto escolar, mas sim por esta vida, e isso consegue inibir o abandono escolar, aumentar o interesse da parte do estudante e, sobretudo, o envolve em relações construtivas. Quando os temos lá, dizemos que já passou a etapa retórica, de ação sobre o meio, como nos livros de Piaget, e se passa a um nível no qual o simbólico começa a aparecer. Os jovens, quando fazem este trabalho, chegam a dizer: “Agora, até eu entendo”. Rompe-se uma barreira na qual a matemática é para poucos e é aberta a possibilidade de que ela também seja “para mim”.
O conceito de sala de aula estendida é uma ferramenta metodológica para estruturar o conhecimento matemático, a partir de uma perspectiva de primeira utilização, mas logo simbólica ao final. O pensamento crítico, as formas de pensamento abdutivo vão se estruturando através de experiências. Na sociedade de hoje, a aproximação dedutiva predomina: afirmo algo e demonstro que é certo, ao passo que a lógica abdutiva, que no campo da filosofia é muito clara, ou em geral no pensamento crítico, na aula de matemática não, pois há pouco espaço para a descoberta, para conjetura, para suposição, para raciocínio sob hipóteses, que talvez seja a parte mais bonita da matemática. Considerando-se que a matemática nasce, por sua vez, da filosofia, temos um mundo comum impressionante. Mas a escola se esqueceu disto.

Em seu livro Educar é um risco, Giussani afirma que educar é introduzir à realidade total. Neste sentido, o que vocês descobriram durante o desenvolvimento de seu trabalho com os jovens?
Quando foi levado tudo isto a sala de aula, foram introduzidos elementos inovadores, como por exemplo, todo conhecimento deve ser situado em uma sala de aula real, foram introduzidos elementos muito inovadores: todo elemento precisa ser situado e o contexto no qual se situa tem dois aspectos. Por um lado, o contexto onde vive a pessoa que aprende e o contexto em que nasce o problema, e a articulação desses dois conceitos vai falar de uma evolução conceitual e pragmática dos objetos, ou seja, é questão de dosagem de tempo. Um estudante com esta lógica, em um tempo adequado, é capaz de realizar bem quase qualquer prova, não porque se preparou para fazê-la, mas sim porque se preparou para a vida e, nesse sentido, possui habilidades e competências que lhe permitem encarar tal atividade.

A matemática tem fama de ser chata entre os estudantes, muitos se queixam das dificuldades para aprendê-la e frequentemente se encontram desanimados. A que fatores se pode atribuir isto? Isto é só um problema da matemática?
Esse é um dos motivos pelos quais nasce a matemática educativa. Trata-se do fenômeno da eletividade: Como explicar que um mesmo indivíduo tenha um desempenho bom em outras matérias, mas ruim em matemática? É claro que já não se trata de um problema de funcionamento cognitivo, de alguma dificuldade de ordem fisiológica. Dizem que a matemática tem uma singularidade: primeiro, é uma matéria que se estrutura de forma sequencial; cada etapa nova se apoia em aspectos prévios, mas simultaneamente se deve fazer rupturas: aprendo e desaprendo com muita frequência. Estas formas de construção de conhecimento são próprias da matemática, sobretudo nos tópicos mais avançados. Vou tentar dar um exemplo: a certa idade, a criança aprende que somar é adicionar e subtrair é retirar. Isso se deve ao fato de que está pensando em objetos e em números positivos, mas em outra etapa de sua vida ela vai começar a somar números negativos. Somar, que era adicionar, agora se verifica que é retirar. Isto exige um desaprender: o que eu sabia não é certo em outro contexto. E isto ocorre cada vez mais que amplio o campo de estudo da matemática. Este campo de números inteiros têm uma variedade nova: “Há certos números que, ao serem somados, me fazem “regressar”, pois somam negativo”. Isto sendo dito para nós pode ser um problema trivial, mas para o jovem que vive isso pela primeira vez em sua vida é um problema extremamente complexo.
Aparecem lógicas novas, por exemplo: menos por menos é mais, mais por mais é menos, o que lhes custa muito dar um significado concreto, de forma que o jovem vai vivenciar diversos episódios de desentendimento que vão entediá-lo.
Existe outra variável que também desempenha um papel importante: a matemática escolar logo é simbolizada e abstraída, isto é, parece que utiliza a realidade como metáfora, mas logo só é utilizada para começar, mas não tem importância. A matemática é reconhecida como um conjunto de conhecimentos muito bonito, sim, mas que se autocontém, só se usam fatos dela mesma e o jovem precisa ter um referencial para seu mundo, por exemplo: Para que serve um geolocalizador? Se isso é perguntado e é dada uma explicação, lá aparecem os elementos geométricos, as curvas, a noção de que o sinal de telefonia vai e volta em linha reta, aparecem coisas que lhe permitem reconstruir o plano. Isto é, há formas de dar um significado e a escola o costuma fazer.
Um terceiro fator é que construímos ideologicamente a ideia de que a matemática é para todos, mas ninguém irá entendê-la. E isso se aceita como sendo o natural, ou seja, a matemática é obrigatória, mas poucos irão entendê-la; isso se aceita como sendo algo normal: “Ele é que aprende, porque é sábio”. Deveríamos construir entre a população a imagem de que todos deveríamos entendê-la, aproveitá-la e que pode ser utilizada.
Esses três grandes fatores fazem com que a matemática tenha essa singularidade, o que talvez não aconteça com outras partes do conhecimento. Em uma aula de física ou de biologia posso fazer experiências no laboratório, por exemplo, ver a forma na qual dois corpos se atraem, ou quando uma pilha está carregada e a luz se acende, isso não posso fazer na matemática. Na matemática, o tipo de experiências que faço são dentro da própria matemática. O que o nosso enfoque faz é usar a possibilidade de dar à matemática uma dimensão experimental, e se você faz isso, o comportamento de um jovem se parece ao de outra matéria que ele gosta, se diverte.
Se você se lembra das suas aulas, havia matérias chatas. Tinha que se aprender que x^(m .) ? x?^(n )=? x?^( m+n ). Todo esse tipo de coisas, que eram pura memória, eram chatas. Ninguém, objetivando aprender o alfabeto, vai escrever poesia, a poesia vem a partir daquilo que você vive, de articular em palavras o que você percebe. Bom, com a matemática acontece o mesmo. A matemática vem da capacidade de expressar o que se vive através desta forma de pensar. Talvez o México tenha tido um sistema de ensino mais tradicional que outros países, predominando o ensino através de memorização. Não todos os professores, mas boa parte é assim: repete, deixa quarenta mil exercícios, como se isso fizesse com que o aluno entendesse, mas não é assim.

QUEM É?
O professor Ricardo Cantoral-Uriza nasceu na Cidade do México, em 25 de agosto de 1958.
Atualmente, trabalha como pesquisador titular 3D e ocupou, de dezembro de 2007 a dezembro de 2015, o cargo de Chefe do Departamento de Matemática Educativa no Cinvestav-IPN.
É Vice-Presidente da Sociedade Matemática Mexicana (2014-2016) e pesquisador nacional do Sistema Nacional de Pesquisadores desde 1985.
Foi o primeiro matemático educativo a entrar para a Academia Mexicana de Ciências como membro regular.
Foi premiado, em 2000, com a Guggenheim Fellowship da John Simon Guggenheim Memorial Foundation em Nova York – EUA.
Em 1998, obteve o primeiro lugar do Prêmio Internacional de pesquisa em Educação Matemática outorga a Conselheiria de Ciência da Junta da Andaluzia, Espanha e da Sociedad Thales e, em 1992, o prêmio nacional FIMPES pela excelência na pesquisa em educação.
Publicou mais de 140 artigos de pesquisa em temas de sua especialidade, 25 textos de difusão, é coautor de 14 livros especializados em seu campo e de 15 livros de texto.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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