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Passos N.202, Maio 2018

RUBRICAS

Cartas

DE MILÃO À NOVA ZELÂNDIA
O livro Luigi Giussani. A sua vida é uma leitura que realmente tem me acompanhado nos meus dias. Esperei muito até que fosse traduzido para o inglês, mas valeu a pena. Eu o estou saboreando e, apesar do tamanho do livro, gostaria que não terminasse. Sinto que estou compreendendo mais profundamente o Movimento, que já era importante para mim, porque entrou na minha vida tocando níveis muito pessoais, mas, lendo a biografia de Dom Giussani, estou conhecendo mais a fundo as “raízes” das quais ele brotou. Como alguém que tem uma árvore frutífera no seu jardim e aproveita dos seus frutos, mas não conhece a origem da árvore, quem a plantou e as intempéries que suportou. É comovente seguir o percurso da vida de Dom Giussani em um momento particular da história e ver como o seu “sim” a Cristo coincidiu com a obra do Espírito Santo. Fico imensamente grato quando vejo os fatos que aconteciam na sua vida, cheios de significado para o futuro, e como ele seguia com espírito de obediência, embora ainda não conhecesse as consequências. Porque, ao ler sobre os acontecimentos que se deram em Milão nos anos 50, 60, 70, etc, não posso deixar de ver neles já uma promessa daquilo que um dia chegaria a mim no final dos anos 90, aqui na Nova Zelândia. Com essa concepção da dimensão universal do Movimento como dom ao homem moderno, fiquei comovido ao ler, hoje de manhã, sobre o encontro de Dom Giussani com João Paulo II no dia 29 de setembro de 1984. Na audiência, o Papa dirige a ele e ao Movimento o convite de ir por todo o mundo. Esta manhã, li a resposta que Giussani deu dias após a audiência. Uma tarefa enorme, acompanhada da consciência dos próprios limites e dos limites do Movimento, mas cheio de esperança na obediência à Igreja e à tarefa em si. Aqui, estamos realmente em um “pequeno beco sem saída”. Nossos dias são plenos da novidade que uma vida nova carrega. Minha filha Miriam agora tem três meses e, em uma casa com três irmãos mais velhos, ela é como uma flor delicada que cresce na floresta. Na página 658, lendo as palavras de Giussani: “Na Irlanda há um belo grupo...” senti um grande afeto pelos nomes e rostos e pelo tempo providencial que passei por lá.
Matthew, Ashburton (Nova Zelândia)

“ESSA COISA” QUE É O CRISTIANISMO

Em um dos encontros organizados na minha cidade, tendo em vista as eleições italianas, convidamos o ex-prefeito de Carrara, que se recandidatou. Tivemos um diálogo realmente interessante. Durante o encontro, tentei lhe contar o que aconteceu e está acontecendo na nossa comunidade da Casa Rossa, desde que, vinte anos atrás, encontramos uma verdadeira educação cristã. Graças a ela, começou um grande crescimento humano que construiu e continua construindo um “bem” para toda a cidade. Depois, contei-lhe um último fato. Uma família à qual levamos a cesta básica está em grandes dificuldades: a filha de 16 anos será reprovada na escola e começou a andar com grupos da pesada. Conversando com a mãe para tentar entender como poderia ajudar a moça, ela me disse: “Marco, não gaste seu tempo com a minha filha. Não vale a pena”. Então, contei a esta mãe sobre André, um rapaz que conheci dois anos atrás. Antes de nos encontrar, ele participava de um grupo que fazia uso de drogas. Também foi reprovado no primeiro ano da universidade. Depois, decidiu se afastar daquele ambiente e vir com alguns amigos à Casa Rossa. Em outras palavras, foi atrás de um bem encontrado. No mês passado, levamos André e alguns jovens para visitar a fábrica de chocolate de uma família de amigos, porque um jovem precisa ver que a Beleza é possível, que uma pessoa pode construir algo. Vendo essas pessoas, suas famílias, seu modo de viver tão normal, mas ao mesmo tempo tão especial, e sobretudo através do abraço deles (nos receberam em sua casa para o almoço e dedicaram atenção justamente a André, interessando-se por ele, por seus estudos, por aquilo que faz...), tudo mudou. No dia seguinte, André tirou a foto da namorada do perfil do WhatsApp e colocou uma da escultura que está fazendo na escola. Um jovem que estava “descartado” renasce e começa um percurso. Percurso de descoberta de si. Começa a viver o seu cotidiano como algo belo, importante. Eu disse ao ex-prefeito que não sei o que vai ser dele, nem da filha da mulher a quem levamos a cesta básica, mas me parece que uma mudança já está acontecendo. E lhe disse que o grande desafio é a educação, ou seja, como nascem e são educados os homens “vivos”. Ele respondeu: “Bem, mas essa coisa, esse ‘escudo’ que vocês conseguem fazer para proteger e acompanhar os jovens, a política não pode fazer”. “Essa coisa” chama-se cristianismo. Foi proposta por Jesus há dois mil anos: destrói todos os “não perca seu tempo com ela”, escolhe os pobres e, tomando-os continuamente pela mão, permite viver uma vida como homens. Nossa verdadeira contribuição, o gesto mais político que podemos fazer é ceder a essa proposta, dizer nosso “sim” a Jesus, porque sem isso não há cristianismo.
Marco, Carrara (Itália)

O “BEM COMUM” ENTRE AS MÃES DO CATECISMO

Caríssimo padre Carrón, preciso ser sincera, nunca gostei muito de política e, quando ouvi a sua pergunta na Escola de Comunidade de janeiro, pensei que não teria nada a dizer a respeito. Até que num domingo à tarde fui ao catecismo dos pais, na minha paróquia. Ali, ficou nítido como muito frequentemente é difícil dialogar: normalmente olhamos a partir de um preconceito. Imediatamente percebi que aquilo que achava ser para os nossos políticos era, antes de mais nada, pedido a mim: ser construtora de uma possibilidade de diálogo, de abertura, de amor ao “bem comum” que, para mim, naquela tarde, coincidia com fazer as mães da paróquia sentirem-se amadas e abraçadas... E isto me entusiasmou muito, por duas razões. A primeira, é que me obrigou a me perguntar: quem me permite levar essa posição ao mundo? E isso gerou uma gratidão profunda pela nossa companhia. A segunda, é que me fez fazer experiência de que também eu, na minha pequenez, sou protagonista da política, no sentido de que essa possibilidade de construir o bem foi confiada também a mim nas circunstâncias em que vivo no meu dia.
Lucia

UM CHAMADO DENTRO DAS CIRCUNSTÂNCIAS

É impressionante como tudo vai ficando claro pra mim, porque, de verdade, se torna experiência. Não é verdade que a realidade nos é dada para sofrermos ou é um castigo. Ela nos é dada para que possamos nos relacionar com Cristo através dela. É Cristo que vem ao nosso encontro dentro das circunstâncias da vida. Quanto mais lutamos contra a realidade, que nos é dada, mais a vida fica difícil e, quanto mais a acolhemos, mais nos aproximamos de Cristo. É um fato! Existe a graça, sem dúvida. O Espírito Santo que vem e age, mas antes vem a nossa escolha, a nossa liberdade. É preciso que estejamos com o coração escancarado, para recebermos a graça e isso é uma escolha. Entendo agora o que é a liberdade. Que coisa grande! Quando me dei conta que a situação dos meus pais (os dois estão com câncer) estava me levando pra baixo, eu decidi que não queria isso. Não queria ficar mal como fiquei no ano passado. Foi uma escolha. É claro que o Senhor, dentro da minha liberdade, “mexeu os pauzinhos” d’Ele, como quando a Lela me avisou que a Escola de Comunidade (EdC) na casa dela havia acabado, mas que o Waltinho lhe pediu para continuar fazendo os encontros comigo, e ela aceitou. E também quando recebo mensagens dos amigos, sempre preocupados comigo. E mais, quando vejo meus amigos rezando pelos meus pais, por mim e por toda minha família. Então, eu escolho fazer EdC e de novo é a minha liberdade que se move. Ano passado, apesar de outra circunstância difícil que vivi e que me deixou mal, não deixei de fazer EdC e era o ponto que me “salvava”. Provocada pelo texto, que falava mais uma vez em Zaqueu, eu me perguntava: “mas o que esse cara tampinha (pra subir na árvore pra ver Jesus, Zaqueu devia ser baixinho!), pra quem Jesus disse ‘desce da árvore que vou à sua casa’ tem a ver comigo, com a minha vida, com essa situação dos meus pais?” Uma pergunta cuja resposta dá sentido a tudo: é a mesma coisa. É Cristo que me manda “descer da árvore” e vem à minha casa, à casa dos meus pais... e dá sentido a tudo. Ele não muda a realidade, muda o olhar para a realidade e torna tudo possível. E tudo vai ficando claro. Cristo não veio nos curar, Ele veio nos salvar. Mas é justo pedir a cura dos meus pais, porque Ele pode tudo, mas é um pedido carregado da certeza de que Cristo venceu a morte e essa é a minha esperança e não a cura dos meus pais. O coração fica leve (não sei explicar), ainda que tenha a dor de ver meus pais doentes. Não quero perder isso! Imagina, tenho vontade de ir à missa, de rezar o terço indo para o trabalho. Que beleza existe no pedido! O pedido é o reconhecimento total da nossa dependência. É entrega! É confiar! É se render! Um pedido carregado do “seja feita a vossa vontade”. Que coisa grande é a vida quando nos reconhecemos, quando sabemos quem somos. Quando nossa esperança está no: “Não está aqui! Ressuscitou!”.
Flávia, Rio de Janeiro (RJ)

O ÍMÃ DO SÁBADO DE MANHÃ

Durante três sábados consecutivos aconteceu um minicurso de introdução à experiência da guarda de menores, na paróquia de San Carlo, na Ca’ Granda, em Milão, organizado pelas Famílias para a Acolhida. Sete anos atrás, estava sentada ali escutando os casais que davam o curso e começava a grande aventura para mim e minha família. Agora, Tiziana e Mariangela, pilares históricos da Associação, não poderiam dirigir o curso e nos pediram ajuda. Eu e Mariella ficamos um pouco apreensivas no início, mas profundamente próximas. Eu tinha um grande desejo de voltar ao início daquele “sim”, daquela inquietude e gratidão que, ao mesmo tempo, permitiu-me abrir as portas de casa e começar uma experiência de guarda que, em todas as fases de altos e baixos pelas quais passa, nunca deixou de nos interrogar e nos mudar. Hoje, quase vinte e nove famílias começaram o minicurso e, naquela sala, durante os sábados de manhã, seus olhos atentos, seus olhares abertos e desejosos de se envolver cadenciaram os testemunhos e as palestras. Muitas perguntas e um desejo grande de ser acompanhados neste início de bem que nasce. Depois do primeiro sábado, percebi que esperava com alegria o próximo encontro, como se fosse um ímã, porque havia algo que era bom para mim, não era um papel a ser desempenhado, não tanto um testemunho a ser “dado” porque somos bons ou estamos mais avançados no caminho, não tem a ver nem com aquilo que experimento. Sinto que é um acontecimento do qual participar e não quero perder isso. Percebi que o que estava em jogo no curso, mais do que nos conteúdos que emergiram nos testemunhos, nas modalidades dos relacionamentos que se desenvolveram entre nós, na atenção recíproca, nas iniciativas que nasceram de modo inesperado, em suma, em toda a vida que nasceu naquelas poucas horas e que me atraía como um ímã, era o fato de que para além de nós, o que estava em jogo era a medida de um Outro, a grandeza de um Outro, a ternura sobretudo de um Outro que tinha nos colocado ali. Dirigindo no caminho de volta, pensei naqueles rostos e disse a mim mesma que gostaria de poder acompanhar todos eles e apoiá-los nesta fase inicial do caminho. Duas semanas atrás nunca tinha visto a maioria deles, e hoje fico comovida porque olho para eles e os sinto meus. A guarda de uma criança realmente nos educa a dar espaço dentro de nós e a sentir o outro como companheiro de caminho. Descobri-me realmente filha dessa experiência, e não órfã porque não havia responsáveis mais “experientes”, mais apropriados para conduzir a iniciativa, senti-me junto com eles na raiz dessa experiência. Mas, sobretudo, quando voltei para casa, estava diferente no relacionamento com as pessoas mais próximas: marido, filhas, a mãe da menina da qual temos a guarda. O minicurso foi um renascimento, antes de mais nada, para mim.
Maria Elena, Milão (Itália)

“POR QUE ACONTECEU, PROFESSORA?”

Fui ao funeral de um aluno que estudou comigo oito anos atrás, um jovem de 27 anos. Ele caiu em uma fenda quando andava de snowboard. Alguns ex-alunos meus me encontraram através do Facebook. Quando cheguei ao funeral foi um momento realmente doloroso. Revi meus meninos, todos tinham nos olhos uma pergunta dramática; uma delas, chorando, me perguntou: “Por quê, professora? Por que aconteceu? Ele era um rapaz simples e bom”. Naquele momento, senti-me totalmente incapaz, abracei-a e disse que eu também estava triste e que também fazia a mesma pergunta a Deus. Na minha total incapacidade, aquela circunstância tornou Cristo presente para mim. Aqueles rostos tornaram Cristo presente para mim. Depois, cumprimentei a mãe dizendo-lhe quem eu era e que talvez não se lembrasse de mim porque já tinham se passado alguns anos. Ela me cumprimentou, me abraçou e disse que com certeza se lembrava. Então, repetiu o meu nome dizendo que eu era muito querida. Até essa circunstância de total inadequação mostrou-me a grande superabundância da Presença do Senhor na minha vida. Oito anos atrás pensava: qual será a minha serventia dando aula a estes jovens? Por que me coloca aqui? O Senhor já me usava para poder abraçar, Ele mesmo, os meus meninos de uma forma misteriosa, também dolorosa, mas sobretudo para poder me abraçar através dos meus alunos. Cristo dá significado à vida, ao tempo, ao trabalho com uma modalidade que não podemos sequer imaginar.
Paola, Milão (Itália)

EXERCÍCIOS. “A COISA MAIS BONITA QUE TENHO”

Nestes últimos meses, o fato que decididamente me mudou foi encontrar um amigo. Conhecemo-nos porque nossos filhos mais velhos frequentam a mesma escola. Imediatamente, nasceu uma particular curiosidade e simpatia pela sua história, tanto que quis reencontrá-lo, conhecê-lo e, assim, começamos a sair algumas noites. O tempo passou, alguns anos, e somos tão amigos que no ano passado ele foi aos Exercícios dos Jovens Trabalhadores. Para dizer como foi, conto um fato: depois de alguns meses muito doente, à beira da morte, no hospital me chamavam de “Lázaro”. Dois dias depois, minha mulher me levou o telefone e entre as muitas mensagens havia uma desse meu grande amigo: “Enquanto estavam operando você, prometi ao Senhor que não importava o que lhe acontecesse, continuaria a fazer o caminho que estamos fazendo juntos...”. Veio ao hospital me visitar na UTI e chegou com um sorriso e dois olhos radiantes de alegria e um envelope grande como presente. Dentro do envelope havia uma cópia em tamanho grande do livreto dos Exercícios da Fraternidade. Disse-me: “Trouxe a coisa mais bonita e cara que tenho, bom trabalho!”. Ver o milagre da conversão desse meu amigo converteu também a mim e foi humanamente mais correspondente do que o milagre da minha cura.
Beppe

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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