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Passos N.96, Agosto 2008

EXPERIÊNCIA - TÓQUIO

A tradução de O senso religioso para o japonês

por Márcia Akemi

No centenário da imigração japonesa no Brasil, é particularmente tocante ver como Márcia, filha de imigrantes japoneses, colaborou na tradução do primeiro livro de Dom Giussani para o japonês. Sinal de como os caminhos de Deus passam pelas vias mais imprevistas para os olhos humanos

Começamos a traduzir O senso religioso entre 1998 e 1999, quando eu morava no Japão e foi proposto a todo o Movimento a retomada do Percurso*. Trabalhei junto com a Sako e terminamos a primeira etapa após quase cinco anos, em 2004. Depois, surgiu o desejo de tornar pública a tradução para a língua japonesa e mais quatro anos se passaram para que fosse lido por algumas pessoas capazes de avaliar o trabalho e fazermos as correções sugeridas pela editora. Foi um trabalho muito lento por várias razões, mas principalmente a dificuldade do texto, nossa falta de prática como tradutoras e o ritmo de trabalho da comunidade. Como a tradução era feita para as reuniões quinzenais da Escola de Comunidade, levávamos quase um mês para trabalharmos o trecho e ouvir as opiniões e sugestões quanto à tradução.
O Movimento no Japão existe desde 1984, porém eles nunca tinham trabalhado este livro sistematicamente por não terem o texto traduzido (haviam feito algumas partes). Em 2007 terminamos a tradução de Na origem da pretensão cristã, e hoje estamos no Por que a Igreja.
As dificuldades da tradução são muitas. Em primeiro lugar a estrutura da língua. No italiano, como no português, o verbo vem no meio da frase, entre o sujeito e o objeto. No japonês, o verbo fica no final da frase, numa estrutura sujeito – objeto – verbo. Assim, as orações subordinadas, que não são poucas, são muito difíceis de se traduzir porque temos que transformar em orações mais simples sem mudar o sentido. Além disso, o japonês é uma língua que não tem plural, os verbos não flexionam segundo número e pessoa, não existem letras maiúsculas e minúsculas, etc.
Certas palavras e expressões foram muito difíceis de traduzir ou por não encontrarmos um termo exato (certeza moral, moralidade, contingência, correspondência, afeição, identidade, identificar-se com, ser companhia) ou por carregarem, como acontece conosco com a palavra liberdade, por exemplo, um significado diferente do usado por Dom Giussani (como senso religioso, juízo, razoabilidade, misericórdia, gratuidade). No primeiro caso a solução foi, o que no original era um substantivo, explicarmos com frases. No segundo caso, usamos o termo e na Escola de Comunidade era explicado o sentido.
Existem ainda certas palavras que em português ou em italiano são usadas sempre com um único sentido, mas que em japonês têm mais de uma forma. Por exemplo: eu (watashi, jiko, jibun, mizukara), vida (inoti, jinsei, seikatsu, sei, shougai); experiência (keiken, taiken), consciência (ishiki, jikaku, ryoushin). O trabalho neste caso era compreender qual o termo mais adequado para cada contexto. Dentre estas, a palavra “eu”, que se repete tantas vezes nos fez pensar muito, pois para os japoneses a afirmação do eu tem uma denotação negativa, já que o valor do eu está no pertencer a um grupo, clã, coletividade.
Fora estas diferenças práticas, tínhamos a questão do nível de linguagem de Dom Giussani. Há pouco tempo uma italiana, professora de espanhol e italiano em uma Universidade do Japão, nos disse que os textos de Dom Giussani eram de uma beleza que causava inveja. Dizia que ela para traduzir um texto assim teria que pegar um bom dicionário e gastar muito tempo. Apesar de não entender tanto de estilo e retórica, compreendíamos a desproporção que seria traduzirmos Dom Giussani.
Lembro-me de ter ficado muitas horas nas bibliotecas buscando palavras nos dicionários de termos filosóficos, teológicos e também traduções dos poemas de Leopardi, de Rebora, de poetas russos, etc., sem quase nunca encontrá-los. Então, arregaçávamos as mangas para traduzi-los também.
Foi um verdadeiro trabalho de conversão: recuperar sempre a razão do porque continuar, olhar sempre por “Quem” se fazia, pedir sempre ajuda do Espírito Santo, porque muitas vezes parecia impossível vencer certos parágrafos.
Uma das coisas bonitas que aconteceu é que todos os 40 exemplares que estavam à venda no dia da apresentação em Tóquio foram vendidos. Os japoneses não são de muitas palavras, mas esse fato me parece dizer alguma coisa.
Sako me contou que agora em Tóquio recomeçaram a Escola de Comunidade com O senso religioso. Antigamente as reuniões eram feitas na casa de uma pessoa, mas agora estão fazendo em um lugar público, na paróquia da Universidade de Sophia. Em Hiroshima e em outras partes por enquanto não houve nenhuma reação significativa, mas pode ser uma questão de tempo. Começamos a fazer a Ashiato (Passos em japonês) em 2002 e ficamos muitos anos sem nenhuma resposta. Só do ano passado para cá Sako tem recebido algumas cartas com comentários positivos. Se o Senhor permitiu que fosse publicado também o livro, com certeza esta obra de Dom Giussani também vai tocar os corações dos japoneses para que conheçam Jesus, o único que pode dar-lhes a felicidade e o significado da vida que buscam com tanta avidez. No tempo d’Ele!

Nota
* O Percursso é o conjunto das três principais obras de Dom Giussani, que apresentam o percurso da formação cristã; nde.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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