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Passos N.96, Agosto 2008

SOCIEDADE - TAIWAN

O senhor Xiao e seus amigos Shén fù

por Massimo Camisasca

Ou melhor, traduzindo, “padres”... Depois da entrevista com o Cardeal Zen, voltamos à vida dos católicos chineses. Dessa vez, visitamos Taipé, na ilha de Taiwan, onde se refugiaram os chineses que não se submeteram ao comunismo. Entre encontros e testemunhos, as anotações de uma viagem especial, marcada pela gratidão

Quando ele chega, a gente logo percebe pelo barulho metálico da sua bengala de três pés. Ele vem caminhando do fundo da igreja até a primeira fila de bancos, pois do contrário não ouviria praticamente nada. Tem 83 anos e está quase surdo o velho Xiao Bei Bei, ex-soldado do “generalíssimo” Chiang Kai Shek. Ele carrega uma história longa, como as viagens que fez durante a vida, iniciada no coração da grande China, quando ainda não se falava nem de Mao Tse Tung nem de comunismo. Teve a oportunidade de vê-los todos: primeiro, os “senhores da guerra”; depois, os invasores japoneses; enfim, os comunistas, que em 1949 o obrigaram a ir para a ilha de Taiwan, junto com o seu comandante e o exército chinês. Desde então, ele vive das recordações da sua pátria, que nunca mais voltou a ver. Uma lembrança supera todas as demais: a de quando era pequeno, e conheceu aquele estrangeiro alto e gentil que ensinava o inglês a ele e aos seus amigos: “Não faço isso por dinheiro, vocês não precisam me pagar nada”, dizia, “mas com a condição de que vocês perguntem por que eu fiz tão longa viagem para este lugar perdido da China só para ensinar-lhes o inglês”.
Foi graças a esse padre que o pequeno Xiao conheceu o cristianismo. Foi graças ao encontro com esse desconhecido, que se tornou seu amigo e companheiro de estrada, que lhe ensinou a sua língua, mas, sobretudo, ensinou que existe algo mais antigo do que a história dessa grande nação, mais antigo do que as perguntas de Lao Tse e do que os ditos de Confúcio. É o desejo que anima o coração de todo homem, ao qual só Cristo pode dar uma resposta.
Um dia, esse soldado – que estava em Taiwan há alguns anos – decidiu fazer uma longa viagem. Tomou o avião e desembarcou na costa oriental dos Estados Unidos. Comprou um carro e se meteu pelas estradas que atravessam uma grande superfície coberta de neve e chegou a um povoado desconhecido. Quando aquele padre, já ancião, o viu chegar, comoveu-se: “Eu sabia que um dia você viria me encontrar”. O soldado lhe disse: “Sheng fù (que quer dizer padre); fiz essa viagem para lhe dizer só uma palavra: obrigado”.

Lente de aumento
Hoje, todas as manhãs Xiao Bei Bei chega com seu tripé. Geralmente está atrasado e caminha lentamente até alcançar a primeira fila. Ouve pouco e também enxerga pouco: para ler os caracteres chineses, usa uma grossa lente de aumento. Mas, ao final de cada missa, ouve-se sempre a sua voz, clara, que diz: “Obrigado, Sheng fù”. Todo dia, é como se refizesse aquela longa viagem e dissesse obrigado a quem o fez conhecer a coisa mais importante da sua vida. Aquele padre americano já não está entre nós, e assim Xiao agradece os três sacerdotes da Fraternidade São Carlos: pe. Paolo Cumin, pe. Paolo Costa e pe. Emmanuele Silanos. Ele sabe muito bem que os padres estão ali pela mesma razão que havia levado à China aquele outro padre, trinta anos atrás. Os três padres acompanham a pequena comunidade da paróquia de São Francisco Xavier, na periferia de Taipé, ensinam italiano na universidade, encontram-se com seus alunos, que nada sabem de Jesus. Além disso, traduzem para o chinês as palavras e o método de dom Giussani. É assim que Maura, Bruno, Veronica, Giuliana (esses os nomes italianos que assumiram) e tantos outros começam a fazer perguntas que jamais fizeram antes e alguns começam a ir à missa, como Valeria e Caterina.
Taiwan é um lugar estranho, cheio de contradições.
Politicamente, os habitantes dessa ilha dividem-se entre os azuis, favoráveis à retomada das relações com a “mãe China”, e os verdes, que sonham com a independência, que provavelmente nunca virá. Tenho a impressão, estando aqui, que Taiwan está sendo cada vez mais atraída para a órbita do continente. Está na ordem natural das coisas que seja assim, com a transformação da economia da República Popular. Taiwan foi, durante as últimas décadas, um enorme porta-aviões norte-americano, a um passo da China. Mas hoje tem a mesma necessidade que tinha há trinta ou quarenta anos?

Vinde e vede
A sua religião é um misto de superstições populares, taoísmo, budismo, sabedoria confuciana. Mas a coisa mais importante é o culto aos mortos, a veneração pelos próprios antepassados, típica de uma tradição pagã. A senhora Gao também vai à missa todos os dias. Casada e com dois filhos, ensina alemão na universidade. Há oito anos optou por se tornar católica, porque os protestantes não permitem que sejam feitos os ritos em honra aos antepassados, e os católicos permitem. Mas a sua relação com a religião sempre foi um tanto sentimental, individualista. Até que começou a traduzir O senso religioso. Inicialmente achou-o duro, difícil. Depois descobriu que ninguém jamais conseguiu falar tão diretamente ao seu coração.
A diocese de Taipé foi fundada em 1952, mas é como se estivéssemos no tempo de São Paulo, no tempo dos apóstolos, no tempo da fundação da Igreja. E, tal como então, o cristianismo se defronta com o paganismo e as superstições. Além dos chineses, há por aqui muitas outras etnias. Há também treze tribos aborígenes. Mei Xiang é aborígine. Tem trinta anos de idade. Uma bela jovem, que há alguns anos casou-se com um aborígine de outra tribo. Ele era católico; ela, não. Sua avó era a feiticeira do povoado. As pessoas recorriam a ela quando queriam vingar-se de alguém. “Pode casar com esse homem”, disse-lhe a avó, “mas, advirto, não se torne católica”. Mei Xiang transferiu-se, há dois anos, para Taipé, junto com o marido e a filha. “Eu geralmente me sentia fraca, triste. Via meu marido e a família dele, a fé, a certeza que tinham. Eles me davam a força que eu não possuía. Eu me perguntava o que eles tinham de diferente de mim. Um dia, meu marido me disse: quer experimentar ir à missa? Como se dissesse: venha e veja”. Assim, Mei Xiang conheceu pe. Paolo e os padres da Fraternidade. Descobriu uma família bem maior do que a sua, onde as pessoas se ajudam a descobrir a beleza e o sentido da própria vida. Como isso é diferente e distante daquela religião do seu povoado, da religião da sua avó, feita de medo e malefícios! Assim, pediu a pe. Paolo o batismo; há um ano, foi batizada. Ouvi o seu testemunho. Quando falava, a comoção a fazia chorar. “Embora eu não seja melhor do que antes, a minha vida, agora, tem um sentido, que é a gratidão por esta minha nova família, que me ensinou um modo novo de olhar a mim mesma, a minha vida e a vida dos outros. É esta a palavra que quero dizer: obrigada a Deus por me ter levado a encontrar estas pessoas e obrigado a elas por me terem levado a conhecer Deus”.

Jesus que fala a todos
Quando encontro, em minhas viagens, pessoas como essas, compreendo cada vez melhor que Jesus tem uma palavra para cada pessoa do mundo. Sem deixar de ser Ele próprio, sabe falar com cada pessoa de modo diferente.
Ao grupo dos nossos amigos do Movimento (Julie, Steve, Naomi, Claudia, Vincenzo, Simona, Eleonora...) eu contava como nessas noites passadas em Taiwan eu não conseguia conciliar o sono, por culpa do jet lag (diferença de fuso horário). E às quatro da manhã eu ouvia as pessoas que começavam a preparar as suas bancas e a matar os animais para vender a carne no mercado. É no meio dessa agitação que surge a nossa paróquia. Eu pensava nessa gente e em tantas outras pessoas que, neste lugar e na grande China, não encontraram o que eu já encontrei. Por que estão aqui esses meus três amigos? Por que eu vim aqui? Justamente para que essa gente de Taipé possa encontrar o que eu encontrei. Porque há uma coisa mais dolorosa do que viver com a dor, e é quando se vive sem saber o sentido da vida. Essa é a coisa mais dolorosa. Nós somos enviados a todos os homens para que possam conhecer por que nascemos e por que vivemos. Nós somos chamados a ser a voz de Jesus que fala a todos, através da proposta que movimentou a nossa vida. Uma proposta que se expressa na gratidão, capaz daquela paciência que é a paciência de Deus, e uma proposta que nasce, antes de tudo, da gratidão por aquilo que encontramos.
A mesma gratidão que possuía aquele velho padre americano. A mesma gratidão que ainda hoje move aquele ex-soldado chinês. “Obrigado, Sheng fù”.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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