O Cardeal italiano Renato Raffaele Martino foi representante do Vaticano na ONU de 1986 a 2002, durante as duras negociações contra a Guerra do Iraque e responsável pelo Compêndio de Doutrina Social da Igreja. Em visita a São Paulo, falou sobre esperança, doutrina social, ética, mercados, relações internacionais e Jesus Cristo...
No dia 11 de junho, o Cardeal Renato Raffaele Martino, presidente do Pontifício Conselho Justiça e Paz e do Pontifício Conselho para os Migrantes e Itinerantes, esteve na cidade São Paulo, a convite da arquidiocese e do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP, para participar de um conjunto de eventos ligados às comemorações dos 100 anos da Arquidiocese de São Paulo.
O cardeal falou sobre a importância dada pela Igreja à ação social para levar a esperança à vida da cidade. Na conferência realizada nas dependências do Teatro da PUC, o TUCA, citando Bento XVI, o Cardeal Martino afirmou que a ação social “demonstra a presença de Deus no mundo”. Ele disse: “Na época moderna desenvolveram-se ideologias que pretenderam absorver em si mesmas todo o significado histórico e político da esperança cristã e tentaram relegá-la para a esfera privada, decretando assim o seu caráter supérfluo. Por esta razão, a esperança cristã está ligada ao problema de ‘Deus no mundo’. O mundo que elimina do espaço público a esperança cristã, elimina Deus do mundo e fica privado de esperança porque ‘um mundo sem Deus é um mundo sem esperança’”. E continua: “a doutrina social está colocada no ponto onde a esperança purifica as esperanças”... isto é, “a doutrina social constitui uma forte reivindicação do carácter público da fé cristã, reclamando o seu ‘estatuto de cidadania’ e, inclusive, que o cristianismo é indispensável para a construção da sociedade segundo a justiça e a paz. ... A esperança cristã muda o presente: assim a esperança torna-se ‘fiável’ e ‘segura’ somente no encontro com um Deus pessoal que é verdade e amor.”
Para os dirigentes de empresas
O Cardeal encontrou também um grupo de empresários num almoço organizado pela Associação dos Dirigentes Cristãos de Empresa (ADCE), durante o qual falou sobre a necessidade da regulação ética do mercado para que sejam respeitadas todas as necessidades e todos os homens.
“A economia não é o todo da sociedade”, lembrou, “pois não é o todo da pessoa humana. João Paulo II, na Laborem exercens, chamará “economicismo” a tentação de considerar a economia a totalidade, em vez da parte. A economia, portanto, é apenas um aspecto da dimensão humana e da ação social; não se explica por si mesma e tem por finalidade algo mais amplo, o bem comum (cf. Mater et magistra, nº 51, e Gaudium et spes, nº 74). Minha experiência a serviço da Santa Sé deu-me a possibilidade de entrar em contato com vários aspectos da realidade social e econômica. Baseando-me também nessa experiência, posso dizer que, se o ideal, ou o mito, do homo economicus aqui e ali ainda persiste com tenacidade, em geral assistimos a uma ampla convergência tanto dos estudiosos quanto daqueles que trabalham nessa área em torno da convicção da radical inadequação desse modo de explicar os próprios fatos econômicos. Se hoje o modelo do homo economicus está em profunda crise de identidade, ou até em via de superação, isso significa que a economia começa novamente a lidar, de maneira substancial, com a ética. Eu acrescentaria algo mais. Hoje é muito mais fácil ver as claras interconexões entre ética e economia do que na época da Rerum novarum”.
Depois, levantou, cinco instâncias que contribuem para regular os mercados, de modo que esses sirvam ao bem comum: (1) pelas próprias regras internas às transações econômicas, tais como transparência, conhecimento, confiança, concorrência lícita, democracia econômica; (2) pela ética pessoal de empresários e operadores, pois, lembra o Cardeal, “as regras externas valem sempre muito menos que as regras interiorizadas na consciência”; (3) a cultura e a tradição de um povo, com seus laços de solidariedade, modelos de comportamento, etc.; (4) o conflito legítimo entre as partes, incluindo aí a ação dos sindicatos e das associações da classe; e (5) a sociedade civil em seu conjunto, inclusive no nível internacional, através de suas várias associações e agências reguladoras.
Pontos altos
Mas esta visita teve dois pontos altos e, de certa forma, insuspeitos, pois nasceram de colocações espontâneas do Cardeal.
O primeiro quando, respondendo aos jornalistas que perguntaram sobre a função da diplomacia vaticana no cenário internacional, relatou o trabalho desenvolvido para evitar a primeira e a segunda guerra contra o Iraque. Pelo fato da Igreja Católica ser contraria à guerra, “mesmo sem evitar a guerra conseguimos fazer com que o mundo árabe não a interpretasse como um conflito entre cristãos e muçulmanos”.
O segundo ponto alto da visita ocorreu quando o Cardeal Martino rezou a missa na sede da Associação dos Trabalhadores Sem-Terra de São Paulo. Nesta ocasião ele disse aos jovens que estavam querendo entrar na faculdade, que o amigo que os tinha convidado a conhecer a Associação, de fato se tornou o caminho para que eles conhecessem Cristo. E concluiu fazendo votos que juntos com Cristo possam trabalhar para realizar seus sonhos e construir um mundo mais feliz.
(A íntegra dos discursos pronunciados pelo Cardeal Martino em São Paulo se
encontram no site do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP: www.pucsp.br/fecultura)
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