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Passos N.95, Julho 2008

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Notas da videoconferência realizada no dia 25 de maio de 2008 entre padre Julián Carrón e os membros do Centro Nacional de Comunhão e Libertação

Ana Lydia: Há mais de dois meses eu tenho trabalhado sobre dois textos que estão me ajudando a entender o que o Senhor construindo conosco. O primeiro é aquele de Dom Giussani sobre 1968, A longa marcha da maturidade, onde ele fala da necessidade da maturidade da fé que vence a imaturidade. E o outro, dentro do contexto da pergunta que você nos fez na Diaconia da Fraternidade – “Que conversão me pede o carisma hoje?” –, pensando em mim eu penso que a conversão que me pede é a de aprender a ser presença, tendo como base aquele capítulo de Educar é um risco onde Dom Giussani explica sobre a presença que chega até a oferta. A experiência mais bonita que estou fazendo, vivendo a amizade entre nós e agora de modo mais próximo com Cleuza e Marcos é que pensei que Cleuza pra nós é o ponto de fuga, como dizia Dom Giussani no texto A obra da ressurreição. E que ela seja pra mim o ponto de fuga tem a ver com a questão da presença. No texto Dom Giussani diz: “Essa consciência nova de si chama-se fé e se caracteriza pelo fato de que é como se eu não fosse mais eu, mas alguma outra coisa que está em mim”. Queria te pedir para nos ajudar a entender mais qual o caminho diante de todos os fatos que estão acontecendo. Como crescer na consciência de que tem alguma outra coisa em mim?

Carrón: Eu te agradeço por esta pergunta. Que conversão nos pede a fé? E eu acrescento: como nós sabemos que conversão nos pede a fé? Somos nós que a imaginamos? Formulamos cada um a sua opinião? Podemos fazer assim e, no fim, cada um segue o que tem na cabeça segundo a própria imaginação. Mas a conversão cristã é seguir aquilo que um Outro faz. Para João e André a questão foi acolher a presença que eles tinham diante deles, que o Senhor havia colocado ali para eles. E eu vos pergunto: qual é a maior obra que o Senhor fez acontecer em nosso meio? Como você disse foi o fato de ter nos dado a Cleuza, que é como o ponto de fuga. A conversão pra nós e pra todos é seguir aquilo que o Mistério faz por meio deles. Assim, você se torna presença, como João e André se tornaram presença, seguindo um Outro, seguindo aquilo que o Mistério faz diante de nós na Cleuza, no Marcos e nos outros. Esta é a modalidade mais concreta com a qual o Mistério nos chama a nos convertermos. Eu pensei sobre isso nestes dias e me perguntava: onde ficamos bloqueados? Ficamos paralisados quando pensamos que a conversão é algo nosso, pessoal, que cada um de nós imagina em um certo modo. E o que foi que o Senhor nos deu para nos converter? A Cleuza. Por isso devemos seguir isso, porque se nós não seguimos o que o Senhor faz, que pode ser o que chegou por último, se não seguimos isto nós não seguimos o Mistério e não podemos nos tornar presença. Ou o Mistério age na história e faz aquilo que vimos acontecer em São Paulo, e reconhecer isso se chama fé, porque fé não é só recitar o credo, mas reconhecer o que o Mistério faz diante dos nossos olhos na história. Se não seguimos o que Cristo realiza na história nós não seguimos Cristo. E por que não o seguimos? Porque não temos fé, não reconhecemos que é Ele que age e através destes fatos nos chama à conversão. E se não fazemos isso, o que fazemos? Encaixamos Cleuza e Marcos dentro da nossa organização e, assim, ninguém precisa se converter. Mas nós podemos nos tornar uma presença. Vocês que tiveram esta graça são chamados à conversão, não podem pensar em colocá-los em uma caixa sem converter-se. E isso vale pra mim também. Eu não tenho nenhum projeto sobre o Movimento. Quero seguir aquilo que Ele faz. Se eu vou a São Paulo é exatamente para seguir aquilo que Ele faz. E qual é o contrário do colocá-los em uma caixa? É que vocês se tornem amigos. É uma amizade entre vocês, é abraçar aquilo que Ele nos dá. O Brasil deve ser um exemplo de amizade para todo o Movimento. Agora todos estamos olhando para o Brasil, todos tendemos a olhar o que acontece entre vocês, que tipo de amizade, que tipo de mudança acontece aí porque vocês foram os mais agraciados de todos. Agora todos convidariam a Cleuza para falar nas comunidades e vocês a tem aí. Estamos todos curiosos para ver o que vai acontecer entre vocês e eu sou o primeiro. Isso se chama fé: o reconhecimento de uma presença presente na história hoje.

Otoney: Faço uma pergunta que nasceu de uma dificuldade da EdC. Qual a diferença quando se aplica o método da fé a um objeto natural (o exemplo de Carlo no livro) e quando se aplica o método da fé ao destino? É o mesmo método, mas os objetos são de natureza diversa.

Carrón: O método da fé é idêntico nos dois casos, mas quando eu devo seguir uma testemunha que me diz algo que soube por meio de um outro, é uma coisa. Mas se aquela testemunha me diz que vem do outro mundo, que vem do eterno, que vem do Mistério, é uma outra coisa. O método é o mesmo, mas para seguir a testemunha precisa que eu esteja disponível a uma abertura que se chama fé. Imaginem os discípulos. Seguindo Jesus eles começaram uma aventura que os levou aos confins do mundo, pensem em Pedro ou em Paulo. Eles foram levados a entender toda a vida, a colocar em discussão toda a vida. O método da fé tem a ver com todo o destino, com toda a vida do homem, não só um detalhe. Eu posso ouvir aquilo que me disse Carlo e não mudar nada, simplesmente acolher como uma informação a mais. E daí? Pelo contrário, se quero seguir aquilo que me diz João e André, se quero seguir as testemunhas de Jesus, o método é o mesmo, mas devo estar disponível para colocar tudo em discussão utilizando o método da fé que tem a ver com tudo, com o destino. Imaginem que tipo de mudança é pedida a vocês pelo fato de terem encontrado Cleuza e Marcos e todos os amigos, que tipo de mudança é necessária, porque eles não são testemunhas que contam pra vocês alguma coisa da Associação deles e vocês têm fé no que eles te contam. Isso não vos levaria a mudar nada de especial. “Tudo bem, soube da Associação deles”. Mas como Cleuza e Marcos têm a ver com o nosso destino devemos estar disponíveis a mudar tudo. E então se vê o método da fé. Mas para aplicar o método com respeito ao destino é preciso uma grande disponibilidade. Por isso precisamos pedir sempre a Nossa Senhora para sermos disponíveis como ela foi disponível diante daquela presença que tinha a ver com o seu destino, daquela presença que entrou na sua vida por aquele nascimento misterioso que determinou a sua vida até o fim.

Bracco: Fiquei muito marcado trabalhando o texto quando a um certo ponto diz: “Precisamos de pessoas voltadas para a verdade (...). Isso é ainda frágil em muitos de nós: podemos percebê-lo pela dificuldade que as pessoas têm de conceber a fé como um conhecimento novo; multiplicam-se atividades ou momentos sentimentais, mas, na maneira como as pessoas olham para si mesmas e para a realidade, a velha concepção continua a ser exatamente a mesma”. E neste período como isso é evidente pra mim, pois tendo voltado da Itália e tendo tido a ocasião de ficar mais perto da Cleuza e do Marcos e também poder olhar para você e para os outros que olham o que está acontecendo, pra mim foi como um apaixonar-me novamente por Cristo. E por isso ficou muito evidente como podemos ficar presos nas coisas velhas. Foi como entender que devo jogar fora as coisas velhas e devo apenas olhar aquilo que está acontecendo. E sobre isso fiz uma experiência que me marcou muito. No domingo eu estava pleno das coisas que tinham acontecido na véspera no encontro de Rímini, que era uma comoção a partir do real, e fui visitar meus pais. Havia acontecido o terremoto na China com milhares de mortos e, depois, recebi um telefonema sobre um amigo que provavelmente seria demitido do trabalho. E no aeroporto, enquanto eu me despedia do meu pai pra voltar pro Brasil ele me diz: “Reza pra mim porque preciso de sustento”. Eu senti uma tristeza por todas estas coisas, mas elas não estavam em contradição com toda a beleza do que eu havia visto. E eu me perguntei: mas o que significa isso? Por que não estou angustiado? E ali ficou mais evidente e bela a experiência em mim da verdade de que Cristo dá sentido a tudo. Também as coisas que me deixavam triste explicavam a beleza que estamos vivendo entre nós, as coisas que estão acontecendo. Cristo explica tudo e isso me deixava ainda mais contente. Cristo dá sentido a tudo.

Carrón: Eu te agradeço porque acabei de chegar de um encontro da verificação e o tema era o último encontro que Dom Giussani fez com esse grupo que é sobre a “letícia”. Ali se diz que só é possível a letícia se a pessoa é atenta à verdade, se a pessoa não se prende em uma imagem. Porque, como você disse, nós podemos ficar presos às coisas velhas, mas isso enche de tristeza porque não conseguimos colocar vinho novo em odres velhos. Precisamos de odres novos para vinhos novos, como diz o Evangelho. Se a pessoa está disponível a isso está tendendo à verdade. E o que é a verdade? A verdade é o que Ele faz. Sobre este fato que aconteceu no Brasil com Cleuza e Marcos, se não prevalece esta tensão a olhar o que Ele faz, nos deixamos prender pela imagem que cada um faz e pensa que esse é um obstáculo e então fica triste. Mas se a pessoa é apegada à verdade, pode permanecer com uma tristeza pelo que aconteceu na China ou com o seu pai, mas permanece um fundo de letícia. Como diz Dom Giussani, o que prevalece no fundo é a letícia. Porque mesmo para os chineses que morreram ou que sobreviveram e para o seu papai, existe aquela Presença que é capaz de abraçar tudo e que abraça também a mim. Isso é o mesmo que aconteceu em São Paulo. Por isso tudo depende da nossa capacidade de seguir aquilo que Ele faz no nosso meio. A condição da letícia, diz Dom Giussani, é seguir Cristo. Mas pra nós, agora, seguir Cristo não é uma frase. Seguir Cristo é seguir aquilo que Ele faz no meio de nós. Ou seja, deixar-se golpear pela realidade e não tentar organizar a realidade. Nestes dias eu contei várias vezes a discussão de Dom Giussani com alguns amigos quando eles voltaram dos EUA depois de terem apresentado O senso religioso na ONU. Eles tinham preparado toda uma estratégia para divulgar o Movimento nos EUA e Dom Giussani lhes parou dizendo: “Não, nós temos que seguir o que o Senhor fará”. E nestes anos Ele fez muito mais do que nós poderíamos imaginar. Nós devemos seguir aquilo que Ele faz. Esta é a possibilidade da letícia.

Marcos: Eu queria na verdade agradecer muito pelo nosso encontro aí na Itália. Primeiro pela forma carinhosa como nós fomos recebidos por todos. Segundo pela possibilidade de estar com você e com todos os amigos aí na Itália. Queria agradecer de modo especial pelo encontro em Rímini com os Jovens Trabalhadores porque pra quem esteve naquele encontro era impossível não ter enxergado Cristo presente. Depois do encontro o Alexandre nos disse uma coisa muito bonita, que naquele momento a gente conseguiu entender muito claramente a dimensão daquela frase que Dom Giussani dizia que “Deus teve piedade do nosso nada”. Quando você fala de olhar para a nossa experiência, pra mim é muito claro que a gente não passa de um instrumento na história do povo. E o nosso sentimento é de uma gratidão imensa por sermos usados como instrumentos dentro de uma obra tão bonita. E se de um lado você diz que Comunhão e Libertação tem que olhar para a nossa experiência porque ela ajuda a entender a ação de Cristo na história, da nossa parte o sentimento de gratidão é muito maior porque se a gente não fizesse esse encontro não entenderíamos nem a nossa própria vida. Então essa nossa estada na Itália só nos faz nos sentirmos cada vez menores diante desta coisa bonita que encontramos. A única coisa que posso fazer é agradecer muito a você e a todos os amigos que a gente encontrou e que nos ajudam a entender a nossa vida e o nosso destino.

Carrón: Somos nós que temos que agradecer a vocês porque a vida de vocês pra nós é como um presente.

Zerbini: Mas pra nós a vida também se tornou um presente depois desse encontro porque a nossa vida não tinha sentido. A gente tinha uma intuição, mas não um sentido. E o que temos para agradecer é muito grande, porque agradecemos pela nossa vida. E a gente reza todos os dias por você.

Carrón: Obrigado.

Cleuza: Sexta-feira eu passei o dia todo pensando em você e nas coisas que você fala nos encontros. Quando eu falo com as pessoas eu sempre digo “Carrón falou isso, Carrón falou aquilo”. E as pessoas me perguntam: “Mas você entende o que ele fala? Você entende italiano, você entende espanhol?”. Eu falo sempre que aquilo que você fala pra mim é como uma música estrangeira que a gente não entende a letra, mas entra no coração. Mas as coisas que a gente entende, que são poucas, servem pra minha vida e pra vida das pessoas da Associação e têm sido como um remédio hoje pras pessoas que têm sede de Cristo. Na Itália fomos na sua casa e em Rímini e esses não foram encontros, foram acontecimentos. E como o Marcos disse, a gente tem que agradecer todos os dias pelas coisas que você nos diz. Cada palavra sua eu repito pelo menos cem vezes por dia. Quando as pessoas vêm na Associação falando dos problemas a gente diz que todos os cabelos estão enumerados. Quando a gente fala do encontro de André e João, dizemos que devemos ficar atentos pra cada coisa da nossa vida. A última coisa que eu falo é o que você me disse, que a nossa vida tem que ser sempre uma novidade: “Carrón disse que quando a gente levanta cada dia tem que ser uma novidade. Quando a gente levanta, olha pro sol, olha pra vida, olha pra Cristo”. E a minha vida tem sido uma novidade. Todos os dias eu me sinto abraçada por Cristo e as suas palavras, aquilo que você nos ensina é um alimento pra nossa vida. Quando você fala de olhar eu olho pra sua vida, Carrón. Olho que você é um presente de Deus na nossa vida. E aí a gente sempre lembra de que “ainda que eu falasse a língua dos anjos ou a língua dos homens”, se não tivéssemos você como nosso pastor nada disso teria sentido, a gente poderia se perder no meio do caminho. Temos que agradecer a Cristo e a Dom Giussani por ter deixado você como um presente pra nós. Que Deus te abençoe. E a gente tem rezado todos os dias pela sua vida pra você continuar sendo esse espelho e sendo nossa luz e nosso caminho.

Carrón: Eu não tenho outra coisa pra olhar do que aquilo que Ele faz diante de mim. Não tenho outra coisa pra defender, não tenho nenhuma outra preocupação que não seja seguir aquilo que Ele faz no meio de nós. E por isso não tenho mais nada a dizer porque não me interessa outra coisa a não ser seguir o que o Senhor faz acontecer no meio de nós. E a coisa mais bonita que ocorreu foi esse acontecimento do vosso “sim” a Cristo, com toda a simplicidade de coração com que vocês o disseram. Sobre este “sim” eu falo todos os dias e falo a todos porque é o presente mais bonito que o Senhor nos faz agora. E por isso vos levo no coração todos os dias e me surpreendo quase constantemente falando de vocês sem nem mesmo pensar, como a modalidade de estar diante das coisas, como vocês estão diante de mim agora. Eu quero aprender a estar diante de todas as coisas como vocês estão agora diante de mim, ou diante daquilo que Ele faz através de mim. Por isso estou contente de ser amigo de vocês, de ter vocês como companheiros ao destino. Porque é isso que nos tornará sempre mais amigos uns dos outros. Muito obrigado, amigos.

Padre Douglas: Queria dizer uma coisa muito simples. Diante de todas as coisas bonitas que estão acontecendo comigo me vem a curiosidade de saber qual será a próxima surpresa de Deus, tão grande são as coisas que Ele tem realizado. E me veio também como uma pequena tentação de pensar: mas até quando as coisas irão bem assim? E imediatamente me lembrei de quando padre Virgilio estava doente, de cama, e pensei naquilo que experimentei diante dele que caminhava pra morte. Ele estava seguro na sua fé e foi uma testemunha de que seja feia ou bonita, a circunstância é sempre plena de Cristo. E isso me dá uma liberdade e uma tranqüilidade para dizer, como você, que não tenho nada para defender a não ser olhar o que Deus faz acontecer no meio de nós. E obrigado por tudo.

Carrón: Nós temos que evitar um risco, uma tentação, que é pensar que nós devemos fazer aquilo que deve fazer Cristo. Cristo sabe fazer muito bem o seu trabalho. Aquilo que vai acontecer amanhã pertence a Ele. Foi Ele que prometeu que permanecerá conosco até o fim do mundo. Isso é obra de Cristo, preocupação d’Ele. Nós não temos que perder nenhum minuto do nosso tempo com essas preocupações. O que devemos fazer é dizer “sim” diante daquilo que Ele faz. Senão nos preocupamos com aquilo que Ele deve fazer e não com a nossa parte. É Ele que vai pensar como deve ser amanhã. Nós podemos ter certeza do que Ele fará amanhã pelo que vimos hoje. Como você pode ter certeza, depois de conhecer a sua mãe, de que a sua mãe vai te amar pra sempre. Não pode imaginar a sua mãe como alguém que não te ama. Assim como não podemos imaginar Cristo sem pensar que Ele nos ama. Então, o que acontecerá amanhã é obra d’Ele. A nós cabe dizer sim.

 
 

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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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