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Passos N.95, Julho 2008

SOCIEDADE - ISRAEL | ENTRE HISTÓRIA E POLÍTICA

Sobre o que falamos quando falamos de Israel

por Vittorio Emanuele Parsi

O sionismo e o anti-semitismo. O eterno conflito com os árabes e o apoio dos americanos. Afinal, o que torna tão difícil (e decisiva para o mundo) a vida em um país que acabou de completar sessenta anos? Uma situação única, e um risco que implica a todos nós, comentado pelo Professor de Relações Internacionais na Universidade Católica de Milão


Israel representa, provavelmente, o único caso de um Estado que, passados sessenta anos da proclamação de sua independência, ainda corre verdadeiro risco existencial. Paradoxalmente, enquanto as ameaças à segurança do “Estado judeu” segue num ritmo oscilante, no sentido de que períodos de relativa tranqüilidade alternam-se com outros de forte tensão ou de guerra, a luta pela sobrevivência é uma constante na vida de Israel. Creio que esse dado – a contínua negação do próprio direito de existir, por parte da maioria dos seus vizinhos regionais – é a primeira nota da imagem de Israel. É a primeira porque fornece a evidente chave de leitura da peculiaridade absoluta da sua situação e porque “organiza” todas as demais características.
Como é possível viver confrontando-se diariamente com a própria provisoriedade e a hostilidade ostensiva dos seus vizinhos? Israel não corre o risco de perder a sua Alsácia-Lorena, ou a sua Pomerânia, ou o seu Brandemburgo. Durante sua história, nunca esteve em jogo a dolorosa amputação desta ou daquela parte do seu território, e sim o cancelamento de todo o seu “mapa geográfico”, para recorrer à expressão empregada não por um intelectual extremista ou pelo expoente de algum grupelho fascista, mas pelo presidente da República islâmica do Irã. É uma condição que, mesmo na tormentosa e belicosa história européia, sempre foi uma exceção e não a regra. Se excluirmos a apocalíptica e circunscrita temporada dos totalitarismos, quando Hitler e Stalin (e até Mussolini) anexaram aos próprios “impérios” reinos e repúblicas surgidos depois de 1918, os últimos casos foram as divisões da Polônia, antes da Revolução francesa. E mesmo assim, esse ato de brutalidade inaudita provocou grande rumor na época, pela barbárie praticada.
Israel, porém, vive desde sempre nessa condição e, apesar disso, conseguiu manter a forma democrática das suas instituições, uma extraordinária liberdade de expressão e a vitalidade de uma sociedade aberta para o mundo, um farol nas trevas que reinam na região.

O peso do Holocausto
Entre aqueles que negam a legitimidade da existência do Estado de Israel é recorrente a distinção entre anti-sionismo (hostilidade ao Estado de Israel) e anti-semitismo (desprezo pelo povo judeu). No entanto, Israel é o “Estado judeu”, a pátria de todos os judeus que desejem voltar à terra de Abraão. É possível querer o desaparecimento do Estado judeu sem que isso represente uma ameaça mortal ao próprio povo judeu? Difícil acreditar. Com mais razão ainda depois do Holocausto. Não há qualquer dúvida de que o Holocausto é responsabilidade nossa, europeus. Mas desde 1948 cabe aos dirigentes políticos de Israel trabalhar para que semelhante tragédia não se repita. Cabe a eles tornar verdadeiro, dia a dia, o que os pais fundadores prometeram solenemente aos judeus de todo o mundo: “Nunca mais”.
O sonho sionista de um Estado judeu na Palestina nasceu antes do Holocausto; a Declaração Balfour sobre o direito dos judeus a uma “casa” na Palestina precedeu de quase vinte anos a chegada de Hitler ao poder. Mas foi a assustadora tragédia do extermínio em massa que fez com que a comunidade internacional autorizasse a transformação daquele sonho em realidade. A defesa do povo judeu e a defesa do Estado de Israel não podem ser facilmente cindidas, porque a realidade juntou-as indissoluvelmente. A terra de Israel é por demais rica de lugares santos para várias religiões, mas é preciso ir ao Museu do Holocausto para encontrar aquilo que é laicamente sagrado para um povo que se define por sua ligação religiosa, sem que esta implique a necessidade de uma profissão de fé. Quem quiser entender o quanto é artificial e ambígua a posição dos que gostariam que a própria hostilidade ao Estado judeu não fosse considerada hostilidade ao povo judeu, basta visitar esse lugar, que lembra a todos como foi terrível a estrada que levou o povo judeu à Palestina.
Israel é, pois, o único Estado laico e a única democracia na região. Mas é também a única democracia que diferencia o status dos seus cidadãos a partir da sua ligação religiosa. Qualquer judeu, onde quer que tenha nascido, pode retornar à antiga “terra prometida” (é a chamada “lei do retorno”), mas os descendentes das populações palestinas que ali habitavam e que fugiram ou foram expulsas depois da guerra de independência, de 1948 (que os árabes chamam de “tragédia”), não podem retornar às casas dos seus pais. Não pode existir justiça para os povos da Terra Santa, e invocá-la não serve para nada, a não ser para criar expectativas impossíveis de satisfazer, alimentando assim a violência. Todos os povos que brigam pelo mesmo rincão de terra têm suas razões e cometem seus próprios erros. Isso não significa, porém, que se deva deixar de valorizar politicamente as ações e as palavras das elites árabes e israelenses.
E quando observamos as miseráveis condições em que vivem os palestinos, amontoados uns sobre os outros nos campos de refugiados e que clamam aos céus, é difícil não considerar que eles foram traídos pelos próprios líderes e pelos líderes dos “povos irmãos”.
Ainda hoje a situação mudou muito pouco, exceção feita à corajosa e persistente tentativa de Mahmud Abbas de dar, finalmente, uma pátria também ao seu povo, tentativa que mereceria apoio bem mais generoso e decidido por parte da liderança de Israel.

A ordem possível
Os equilíbrios estão dramaticamente se alterando na Terra Santa. Por longos anos, a ordem regional apoiou-se sobre três pilares: a supremacia militar israelense, o apoio off-shore dos Estados Unidos, e uma Arábia Saudita financeiramente forte mas politicamente fraca. Depois do péssimo andamento da guerra com o Iraque, em 2003, e depois da derrota política sofrida por Israel na guerra de 2006 (contra o Hezbollah), o quadro sofreu mudanças dramáticas. A força militar de Israel não tem mais a capacidade de dissuasão que tinha antes de 2006; o debate nos Estados Unidos gira agora em torno da retirada das tropas americanas do Iraque; e os sauditas estão fortes também politicamente. Numa palavra, as fontes de uma ordem no Oriente Médio, fundada na hegemonia israelense, estão se esgotando.
Quem está conseguindo tirar vantagem desse quadro é o Irã, cujo presidente não esconde as próprias ambições de transformá-lo na nova potência da região. Mas uma hegemonia iraniana seria tão mal-vista pelos regimes árabes quanto a israelense. E mais: a simples perspectiva de uma hegemonia iraniana convenceria o governo de Israel da necessidade de uma guerra preventiva.
Embora seja difícil encarar no momento como viável a hipótese, é necessário tomar consciência de que a única ordem possível no Oriente Médio é uma ordem baseada no equilíbrio, cuja realização prevê o reconhecimento substancial (depois aperfeiçoado legalmente) da presença dos diversos atores regionais, partindo dos dois mais importantes: Israel e Irã. É uma escalada tortuosa e de resultado difícil. Mas é a única que pode levar à paz e que é conveniente a todos: aos israelenses, que sabem que a demografia corre o risco de derrotá-los bem mais pesadamente do que o campo de batalha; e aos iranianos, que, embora no momento se encontrem em nítida vantagem, sabem muito bem que o jogo só pode ser considerado vitorioso após o apito final do árbitro, nem um minuto antes.
Seria uma subversão dos habituais paradigmas com que olhamos o Oriente Médio até agora, mas não há outro caminho para se construir, finalmente, aquela paz que possibilitará aos povos de Israel e da Palestina – e aos dois Estados a que ambos têm direito – viverem um ao lado do outro, em segurança.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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