Sete meses após o encontro com Julián Carrón, cinco mil professores (não apenas de CL) voltaram a vê-lo, para aprofundar o trabalho que brotou daquele desafio. Retomamos algumas passagens dessa assembléia que nasceu em plena sala de aula, mas que é fascinante para todos
por Paola Bergamini
“Oi, faz tempo que você chegou? Viajei ontem, para garantir.” “A gente saiu bem cedinho. Vim com alguns colegas... e o diretor.” Milão, 18 de maio, 10h15. Cinco mil professores lotam a platéia e as tribunas do PalaSharp; outros seiscentos assistem por videoconferência. O que motivou essa grande participação não foi o desejo de participar de mais um congresso sobre a escola, mas comunicar o que foi suscitado pelo desafio lançado por padre Carrón em 14 de outubro passado. Não por acaso, o tema é o mesmo: “Educar: uma comunicação de si, ou seja, da própria maneira de se relacionar com a realidade”. Nada de formalismo, esquemas, discursos. Mais uma vez, a questão é a pessoa, na sua relação com a realidade, com aquilo pelo qual vale a pena levantar-se de manhã e entrar na sala de aula para a aventura mais fascinante que existe: educar. Por isso, muitos abraçaram a fundo o problema, e convidaram colegas que ouviam falar de Comunhão e Libertação pela primeira vez.
“Recebemos mais de duzentos e cinqüenta relatos de vocês”, introduz Franco Nembrini, responsável pelos educadores de CL, que dividia o palco com padre Carrón. “Isso testemunha um trabalho em pleno andamento. Partiremos desses relatos e manteremos neste encontro o formato de assembléia. Em outubro, o que predominava era uma certa desconfiança, um cansaço. Hoje temos como ponto de partida uma tentativa que vem sendo feita, algo positivo. Uma tentativa de um eu que se pôs outra vez em movimento.” É o que conta Stefano: “O encontro de outubro provocou uma reviravolta na minha vida, foi uma rajada de ar fresco. Foi como voltar ao início. Eliminando a organização, a realidade reapareceu, com todas as suas facetas, com toda a sua beleza”.
O impacto com o mal
O primeiro elemento destacado pelos relatos enviados pelos professores é a dor que os cerca, também na escola. Os jovens passam por uma série de dificuldades, que, vez por outra, assumem a forma de depressão, anorexia e até suicídio. Ou de algum tipo de violência. É o que conta Lucia, de Verona: “A notícia saiu em todos os jornais: cinco jovens mataram um homem por causa de um cigarro. Elisa, uma garota do Movimento, é colega de classe de um dos agressores. Ela não conseguiu ficar tranqüila com aquilo. Escreveu um panfleto e uma carta. Envolveu todo o mundo a partir daquilo que encontrou. Ela fez com que nós, professores, olhássemos para a realidade. Juntos, redigimos outro panfleto e organizamos um encontro público. A partir disso, a pergunta que eu faço é a seguinte: como é que nós, que encontramos essa certeza que preenche o vazio, podemos manter a esperança das pessoas que estão ao nosso lado? Qual é o ponto de partida?”
Carrón: “Em primeiro lugar, devemos olhar para aquilo que acontece. Como a Elisa fez. Identifiquemo-nos com essa menina. Qual é o ponto de origem, de onde foi que ela partiu? Não de uma inteligência, de uma capacidade, de uma energia particular, mas da adesão a algo que vem antes de tudo isso. Acabamos de cantar: ‘A esperança que havia suscitado nele’. Esta é a questão: Elisa olhou para a realidade através daquilo que encontrou, daquilo que tinha nela mesma. Nós não nos deixamos tocar pela realidade e continuamos à mercê dos nossos pensamentos. É impressionante ver que o Senhor escolhe uma menina para nos fazer entender o método. É a simplicidade de resposta de um eu diante daquilo que Deus faz, graças à esperança que Ele suscitou. Mas, se nós não O deixamos agir, somos derrotados; a dor e o mal nos vencem. Ainda bem que o Mistério não pensou que o nosso nada era inútil. Por intermédio de uma menina de catorze anos, Ele entrou na história. Esse ‘sim’ foi o fato mais importante da história. Mas nós não acreditamos, e assim, diante de uma dificuldade, de um fracasso, somos derrotados. As pessoas falam tanto em família, em sociedade... Esses são fatores importantes, mas nós, afinal, temos um eu que saiba se comunicar? Para que possamos fazer isso, é preciso que não sejamos pessoas derrotadas”.
Saudade de uma unidade
Outra questão que apareceu. A coisa de que os professores mais precisam é de uma amizade, uma unidade que os convença. Mas esse desejo, muitas vezes, parece uma coisa impossível de se realizar, pensando justamente nas pessoas que você encontra todos os dias na escola, em seus amigos. O risco é engaiolar esse desejo dentro de uma preocupação organizativa. E tudo acaba se reduzindo às coisas que a pessoa deve fazer.
Carrón: “Nós, no fundo, achamos que esse ‘sim’ não é tudo. A unidade é tão necessária quanto impossível. Mas a unidade é uma conseqüência. A primeira unidade foi a que os discípulos viveram ao redor de Jesus. Como foi que aconteceu essa comunhão? Procuremos nos identificar com aqueles primeiros, que estavam tão próximos de Cristo. Eles não buscavam a unidade; eles a descobriram no relacionamento com Ele. Às vezes, nós somos de uma ingenuidade espantosa, a respeito das nossas capacidades! Só podemos viver a unidade se somos capazes de responder ao desejo do nosso coração; só assim conseguimos ficar juntos, ou seja, unidos Àquele que preenche a nossa espera. Quando vivemos isso, podemos ficar contentes e gratos, e o relacionamento com os outros muda, torna-se gratuito. O ponto central é este: que estejamos disponíveis a receber o Único que é capaz de gerar a unidade. Para isso, é preciso que partamos da experiência, sobretudo quando fazemos o trabalho da Escola de Comunidade. Chega de comentários! Às vezes, nós somos os maiores especialistas em analisar a escuridão, quando, na verdade, basta um isqueiro, para que ela desapareça. Não existe nenhuma análise que possa substituir a experiência de um isqueiro que produz luz. Para a pessoa que está disponível, nasce uma unidade, não o ceticismo. Graças a Deus, não somos poupados da vida!”
Sobre a questão da organização, Cinetta, de Roma, conta: “Depois do encontro de 14 de outubro, fiquei cheia de entusiasmo, mas logo em seguida, como sempre acontece, fiz tudo coincidir com as coisas que deveria fazer. Em dezembro, Nembrini veio nos encontrar, e suas palavras foram um desafio. Começamos uma Escola de Comunidade entre os professores, ou seja, arriscamos ser amigos, sem nenhum esquema e sem ter uma preocupação organizativa. E qual foi a primeira conseqüência? Deixamos de nos lamentar. Realmente, é verdade que a Escola de Comunidade é uma proposta para a vida como um todo. É isso que gera um sujeito novo?”
Carrón: “Basta começarmos a seguir, e as coisas voltam aos seus lugares. O problema é: de que forma eu estou quando chego à escola, um instante antes de subir o primeiro degrau? Se o que me determina é aquilo que me aconteceu, eu vou passar pelo portão e entrar na sala de aula de uma certa maneira. Caso contrário, serão as circunstâncias, todas as coisas que estão à minha volta, que vão me definir. Portanto, o contexto não muda; a novidade está em mim, na maneira como eu entro na escola. É na relação com a realidade que nós verificamos a nossa fé, se aquilo que encontramos suporta a impacto com a realidade. Nesse sentido, a fé serve para nos posicionarmos diante do drama da realidade. A mentalidade iluminista nos acostumou a cultivar os valores cristãos... sem Cristo. Mas nós precisamos é da Ressurreição, do contrário o que sobra é só o lamento”.
Dualismo
Outro nó que precisa ser desfeito: a proposta e a presença. É a questão que mais apareceu; metade dos relatos falavam desse ponto. Trocando em miúdos: é difícil falar da coisa extraordinária à qual pertenço.
Nembrini exemplifica: “Quantas vezes já não ouvimos de alguém: ‘Eu dou bem as minhas aulas, tenho uma boa relação com os jovens, eles me seguem. Mas quando e como posso falar a eles de Cristo?’” E Caterina acrescenta: “Cristo não pode ser um acréscimo desarticulado às coisas que eu faço, à aula que eu dou ou ao momento em que estou com os jovens. Para o que é que devemos olhar? Como é que nasce o Movimento?”
Carrón: “Comecemos a nos fazer esta pergunta: afinal, o que é realmente ensinar? Pois, se eu ensino bem, onde é que está o problema? Explicar significa ligar a unidade ao todo. Normalmente, quando falamos, o Mistério é algo estranho, que não interessa. No máximo, fazendo um esforço, nós o colamos por cima de algum jeito. Assim, o dualismo não é vencido. Voltamos a um ponto fundamental: a razão é tomar consciência da realidade segundo a totalidade de seus fatores. Por isso, já dissemos várias vezes que é preciso ‘ampliar’ a razão. Educar, portanto, quer dizer introduzir à totalidade. Isso significa exercer bem o ofício de professor! Do contrário, agimos como todo o mundo e depois colamos o Movimento por cima. Mas isso nunca será o Movimento. Minha maneira de ensinar reflete o uso que eu faço da razão. O desafio é este: compreender o detalhe na sua relação com a totalidade. Melhor ainda: o que é que tem a ver ‘isto aqui’ com a totalidade? Se um professor não faz essa pergunta a si mesmo, já entra na escola derrotado; e aí acaba precisando acrescentar alguma outra coisa, o Movimento, no caso. O que Giussani fazia? Explicava a totalidade do real, ensinava um uso novo da razão; tudo isso sem ter de colar alguma outra coisa por cima. Só se vivemos intensamente a realidade, o dualismo não nos derrota. Como é, então, que nasce o Movimento? Ele nasce de uma pessoa que vive tão intensamente a realidade que, naqueles que estão à volta dela, surge a pergunta: ‘Afinal, quem é este?’, e querem segui-la. O Movimento nasce da mesma maneira como nasce o cristianismo (‘como um belo dia’). O primeiro lugar em que você vive isso é a sala de aula, quando desperta a pergunta, o pedido de algo total, por meio da matéria que ensina. Dessa forma, você se diverte e os jovens vêem alguma coisa diferente, interessante. A educação é a comunicação de nós mesmos, de como nos relacionamos com a realidade. Devemos nos ajudar a desmascarar o dualismo. Ou será que queremos ficar sempre na soleira da porta?”
O Movimento e o esquematismo
Mas, às vezes, a organização prevalece. A pessoa participa de reuniões, da caritativa, de momentos de oração em comum... só que, depois, você aperta, aperta, e o jovem acaba dizendo: “Escute aqui: o jeito como eu passo o sábado à noite não lhe interessa. Não venha meter o bico!” Martino, de Pádua, porém, esclareceu: “O que é o Movimento para mim? Nossa história é linear: reuniões, retomada, caritativa, coral, almoço semanal entre os professores que acompanham os colegiais. Depois daquele 14 de outubro, alguma coisa se mexeu, pelo menos enquanto desejo de uma renovação. Tentamos responder de várias maneiras, mas parece faltar algo, pois nossa tentação ainda é de ajeitar, reorganizar a ‘categoria’ dos professores”.
Carrón: “‘O que move o homem em seu íntimo?’, pergunta Santo Agostinho. Em outras palavras: o que é que faz nascer alguma coisa? Da maneira como você vive na escola nasce a possibilidade de que algo desperte outra vez. Não é um problema de administração ou organização. Não são os gestos que arrebatam o eu, mas a proposta que eu faço aos jovens. É isso que gera o Movimento. O risco que sempre corremos é de que aquilo que encontramos, aquilo que Ele despertou, seja fechado por nós em caixas trancadas, seja sufocado; como conseqüência, o que nos sobra é apenas administrar. O problema está todo nisto: nós preenchemos o vazio que temos com as coisas que temos para fazer, para organizar. Mas isso não é justo com os nossos jovens. Precisamos reconhecer que um Outro é quem age, e que nós devemos segui-Lo. Essa é a aventura fascinante da vida. Dessa forma, as dificuldades transformam-se num desafio, em vez de ser um obstáculo”.
Uma verificação de como eu vivo
No final do encontro, dois avisos, nada técnicos. “Primeiro, a missão. Nós recebemos esta graça, que é para todos. Contribuamos, sendo os primeiros a percorrer este caminho. Ponhamos de lado nossas preocupações a respeito do Movimento. O importante é dizer sim àquilo que um Outro faz. Dessa forma, eu colaboro para a glória de Cristo. Em segundo lugar, a Escola de Comunidade é uma ajuda, um método. Não pode cair num mero nominalismo. Antes de mais nada, cada passo é uma verificação de como eu vivo.”
Às 12h30, o salão se esvazia. Perto de mim, uma professora diz à amiga: “Fiquei contente. Não sabia o que me esperava; você não explicou muito. O que mais me impressionou foi quando ele disse para ‘parar um instante, antes de entrar na sala de aula, e tomar uma decisão’”.
Tudo se decide nesse instante: o motivo pelo qual vale a pena viver. Para você, em primeiro lugar.
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