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Passos N.104, Maio 2009

DESTAQUE - MAIS FORTE QUE A CRISE

Eu não fecho

por Davide Perillo

Faturamento em baixa. Empregados dispensados. Empresas fechando as portas. Existe algo que nos permita enfrentar a pior situação dos últimos anos sem nos desesperar? Fizemos essa pergunta a um grupo de empresários que compartilham uma amizade. E eles nos contaram onde está a origem da esperança. Concretíssima e possível, mesmo para quem não faz o mesmo trabalho que eles

“Há exatamente um mês. Tínhamos apenas começado a cortar as horas-extras. Um dia, vejo uma moça que ainda estava trabalhando, apesar de ser tarde da noite. Vou até ela e pergunto: desculpa, mas por que ainda está aqui? ‘Não, olhe, já fechei o cartão de ponto; eu estava fazendo este trabalho e queria fazê-lo bem feito...’. Surpresos? Pois episódios como esse são contados em série. O vendedor que devia faturar o prêmio de final de ano e diz ao comprador, em dificuldade: ‘deixe quieto; me pague quando puder...’. O velho concorrente, depois de uma tarde passada juntos discutindo os problemas da sua empresa, no final diz: ‘olha, se eu conseguir salvá-la, quero trabalhar com você’. O empregado despedido que só vai embora depois de dar abraço no chefe...”
Fatos impensáveis num cenário tomado por tintas cada vez mais escuras, no qual, hoje, quem dirige uma empresa corre o risco de se ver sequestrado pelos seus operários enfurecidos (aconteceu com uma gerente de supermercado na França) ou o banqueiro de ser cercado pelas multidões (veja-se Londres, nos dias de reunião do G20). Mas acontecem. Aqui e agora. E geram um efeito estranho: num mundo onde vinte milhões de empregos estão sob risco de desaparecerem, onde há uma chuva de fechamentos e faturamentos próprios de um inverno siberiano (“menos 36%, desde o início do ano”; “eu, menos 40”; “nós faturamos só 1/3”), mesmo quem é empresário pode ver rostos sérios, tensos, mas serenos. Como os desses amigos sentados em torno de uma mesa.
Oito empresários, de setores e origens diferentes, donos de empresas que têm entre dez e cem funcionários. E duas ou três coisas em comum, que estão longe de serem secundárias, inclusive quando se trata de reativar as máquinas e enfrentar os problemas. A fé, antes de tudo. E a amizade, que os levou, sete anos atrás, a criar – no seio da Companhia das Obras –, o Clube Livre Empresa, que hoje conta com um mailing com mais de um milhão de endereços. E um modo incomum de conceber a si próprios e a realidade, para além do trabalho. Aliás, dentro do trabalho: no relacionamento com os funcionários e na busca de clientes, nas decisões a serem tomadas e nos riscos a enfrentar. Inclusive a crise, justamente. Que pode se tornar uma oportunidade, mesmo em tempos realmente difíceis.

GUERRA DE TRINCHEIRA. “Partamos de um fato: há seis meses não havia nada de errado; hoje estamos perto do desastre”, resume Matteo Brambilla, 53 anos, dono de uma empresa metalmecânica com quarenta funcionários e sócio-fundador do Clube: “Explico: em setembro, tivemos um faturamento recorde; agora em março, tivemos uma queda da ordem de 90%”. A crise é rapidíssima. E afeta o mundo todo, sem exceções. “A única referência possível é o ano de 1929, mas a globalização faz com que tudo se mova com muita pressa. Está em curso uma luta por uma nova organização econômica e política em nível mundial. Digo-o por realismo, mas também em termos de proporção: nós somos como soldados de trincheira, durante a guerra mundial.”
Guerra que está provocando mortos e feridos, se é verdade que, na província de Milão, segundo dados da Câmara de Comércio, estariam para fechar setenta mil empresas (uma em cada quatro) e as falências estão na ordem do dia. Em suma, o risco existe. E para todos nós. É melhor deixar isso claro e afastar qualquer tentação de imaginar-nos gente fora do mundo ou, pior ainda, modelos de bravura e heroísmo. “Por instinto, nenhum de nós tem vontade de abrir a boca”, diz Brambilla. “Estamos aqui para conversar e, quando for publicada a entrevista, colegas e concorrentes saberão que eu poderia também abaixar a guarda. No entanto, mais do que qualquer um estou certo de uma coisa: a minha empresa pode até fechar, mas eu não vou fechá-la. E depois, com crise ou sem crise, não podemos deixar de reconhecer a imponência de certos fatos.” Principalmente de um: “Neste caos, tivemos que adotar – talvez até sem perceber – um certo modo de fazer e de pensar. Não foi resultado de uma série de etapas dedutivas, do tipo: a crise está aí, nós somos católicos, portanto devemos fazer certas coisas... Não, nós também fomos surpreendidos”.
Em primeiro lugar, tomaram mais consciência de um dado, que não vale só para a profissão deles: “A gente compreende melhor que a empresa não é nossa, minha. E se torna central a pergunta: Senhor, tu me confiaste esta coisa, que talvez acabei herdando dos meus pais, e há alguns anos eu nem pensava em dirigi-la, o que queres de mim agora? O que devo fazer?”. Espiritualismo? “Não; realismo. Essa pergunta nos deixa mais serenos, porque dá a justa proporção da coisa; mas nos torna também mais determinados na ação. Manter a pergunta ativa não é coisa de tolo: faz prevalecer a positividade. E ajuda também a manter viva a empresa.” Em que sentido? “Dizer que não é coisa tua não é algo abstrato. Afeta o modo como a gente concebe o dinheiro, por exemplo: reinvesti-lo na empresa ou gastá-lo construindo uma mansão na Sardenha? Se a firma é uma realidade a que a gente serve, e não uma vaca na qual a gente mama, uma vez que você retira o seu salário, o lucro você reinveste ali. Veja bem, essa é, hoje, a diferença entre uma empresa e outra. Hoje a gente está em pé porque, com humildade, sempre deixou o dinheiro lá dentro mesmo.”
Realismo, enfim. É a primeira premissa também para Marco Montagna, dono de uma empresa imobiliária com encomendas de todo o mundo e um faturamento que passa dos sessenta milhões de euros. “Eu, antes, era mais distraído. Estava convencido de que a empresa já estava num nível em que bastava dar um pouco de gás e as coisas corriam fáceis. Não era verdade. De repente, me vi mergulhado na realidade. Comecei a sofrer, mas também recomecei a viver.”
Ou para Fortunato Grillo, 48 anos, que trabalha em transportadora e afins: “A primeira preocupação foi proteger a empresa, para não ficarmos atolados nas dívidas. Investimos lá o dinheiro da família. O máximo que pudemos. E os bancos nos dizendo que éramos loucos. Depois, procuramos manter o emprego do pessoal. Alguns ficaram em casa por alguns dias; para outros, demos férias antecipadas. Mas procuramos também saber que outras coisas eram capazes de fazer: pintura, serviços de manutenção etc. Em suma, por ora todos continuam trabalhando na empresa”. Depois, ver-se-á o que fazer.

REFAZER AS CONTAS. “Essa crise nos empurrou para as coisas essenciais, inclusive em relação aos números”, observa Ambrogio Beretta, 43 anos, do setor de cabos e transmissões flexíveis. “A gente teve que refazer as contas. Ver se estava tudo ok. E afloram coisas que ninguém esperava.” Exemplos? “A certa altura, nós da empresa pensávamos: não vai dar, o que estamos fazendo custa demais, matando os lucros. Precisamos tentar fazer mais com menos, porque é isso que a realidade exige de nós. Eu não queria tirar consequências imediatas. Mas dos dezoito funcionários, oito (dos quais dois operários) vieram a mim para dizer que poderiam até aceitar uma redução salarial, para não precisar dispensar alguém, disseram. E é gente que ganha mil euros por mês. Fico tocado, porque uma coisa que nós semeamos ao longo do tempo, e que nem é mérito nosso, acabou gerando esse nível de solidariedade.”
Também Anastasia Accattoli, proprietária de uma pequena empresa vinícola, parte daí, do relacionamento com os funcionários. “Nós já sentimos a crise antes. Tivemos que cortar as horas extras e ficar atentos a tudo, para economizar. Os funcionários reclamaram, de início: estavam habituados a ganhar um dinheirinho extra. Mas, logo depois, começaram a se envolver. Agora, acontece de trabalharem até além do horário normal. Esta manhã, um deles me perguntou: ‘o que me diz? acendo a caldeira ou esperamos até a noite, para gastar menos?’. É uma atenção ao detalhe, uma atitude de envolvimento, que antes não havia. E isso é importante para quem comanda uma empresa.” Brambilla acrescenta: “A pessoa vale mais do que o dinheiro. Se for possível, procuramos preservar os empregos deles. Mas quando precisamos mandar alguém embora, a gente conta para os colegas como pretende fazer. Na minha empresa, por exemplo, tenho quatro trabalhadores temporários. Segundo certa lógica, seriam os primeiros a sair, certo? Bem, eu, pelo menos numa primeira fase, disse a eles: ‘olha, não quero jogá-los ao mar, vocês estão no mesmo barco que nós. Enquanto der, vocês vão ficando. Faremos um pouco de cassa integrazione (medida que garante uma renda aos trabalhadores que temporariamente estão afastados do emprego; nde), mas vamos tentando’. Depois, talvez eu não consiga mais, mas pelo menos tento. Ou este outro caso: eu precisava dispensar alguém do departamento técnico. Um outro empresário, do nosso grupo, me disse: ‘eu posso contratá-lo, mas com salário menor’. O funcionário concordou. Eu segurei seu salário por mais três meses, enquanto ele aprendia um serviço diferente; em seguida, começou a trabalhar lá. Após algum tempo, arrumou um outro emprego e veio nos cumprimentar. Beijos e abraços de emoção e alegria”.
Eis aí um outro indício dos “fatos que tivemos de encarar”: um modo diferente de olhar o ser humano. E essa é uma coisa que as pessoas entendem. Não só os diretamente interessados, mas também os demais. “Pensando bem, as empresas ficaram como um dos poucos lugares de agregação não casual”, diz Montagna. “A escola, as amizades, até mesmo as famílias, às vezes, são lugares onde se torna difícil dizer as coisas uns para os outros. Na empresa, ao invés, a realidade impõe à gente uma disciplina, um modo de ver a realidade. É um ambiente onde a humanidade das pessoas ainda está ativada.”
“Veio até o mim o dono do barracão que nós estamos alugando”, conta Paolo Zanella, da área de robótica. “Tinha lágrimas nos olhos. Ele me disse: ‘investi tudo em maquinário novo e agora não tenho nenhum cliente; não sei mais o que fazer’. As pessoas veem nos pedir conselho, e a gente tenta ajudar, refletindo juntos. Mas, fazendo isso, a gente percebe que o próprio equilíbrio não depende de você. Não é uma questão de heroísmo. É que nos apoiamos em algo que vem antes da empresa, do trabalho e da crise. Mesmo quando nos falta o fôlego! Várias vezes tive de despedir diversas pessoas. Uma delas me disse: ‘sinto muito, de verdade; não tanto por perder o emprego, mas porque perco a possibilidade de relacionamento numa situação que, para mim, foi única’. Isso pega a gente no contrapé. E nos dá ainda mais consciência de que aquilo que encontramos é mesmo diferente.”
É por isso que muitos falam de “um novo início”, de um “período em que tudo está se reabrindo” (Paolo), e a gente está pronto para acolher o imprevisto. “Mas mesmo a capacidade de captar as possibilidades que se abrem é fruto de um relacionamento” – diz Pietro Zuretti, da área de mecânica, com 23 funcionários. “Atualmente, é raro que um de nós decida algo sem ouvir os colegas. Sexta-feira passada, fiz um cálculo: numa jornada diária tive que tomar cerca de trinta decisões. Nas mais importantes, sempre ouvi antes os amigos. Mas não para delegar a responsabilidade, e sim porque a gente recebe um feixe de luz a mais.”
Um feixe de luz. Como aquele que Montagna encontrou anos atrás, num diálogo com dom Giussani, “que numa frase me fez entender tudo; fui até ele e falei durante uma hora da ideia de abandonar o trabalho, porque o relacionamento com meu pai estava muito difícil. E ele me dava corda. No final, digo: ‘então volto para casa e digo ao meu pai que largo tudo, certo?’. ‘Certo!’, responde Gius. Eu me levanto. Ele me olha nos olhos e diz: ‘você não está seguro?’. ‘Não.’, respondi. E ele: ‘ainda bem, porque se largar tudo para trás, estará fugindo da realidade’.”.
Recapitulamos e percebemos que, no fundo, estamos girando em torno de dois fatores que lembramos no início. Um: a amizade entre eles. Decisiva: sozinhos, não teriam conseguido viver assim. “O que estamos vivendo tornou ainda mais urgente entender a natureza dessa companhia, que nasceu há dez anos, depois que Marco, Pesaro e eu tivemos um contato com dom Giussani e recebemos um apoio para enfrentar o nosso trabalho”, explica Brambilla. “A crise não só não afetou a amizade, mas até a tornou mais interessante.”
E o segundo dado é a fé. Que é, de fato, um fator de conhecimento. Até mesmo de competência. É algo que permite conhecer melhor o que é uma empresa. Quem são os funcionários. Quem é você. E dá uma certeza que “a gente não encontra por aí”, como diz Montagna. Isso fica evidente no relato de Paolo Camillini, produtor de tubos de plástico. “Não ver o fruto do próprio trabalho, para um empresário, é uma coisa pesada. Pode ser até mesmo fatal, numa situação como esta. Fico impressionado com a ajuda que me vem da Escola de Comunidade. Fica claro que o lugar em que Cristo lhe alcança é o único ponto de juízo sólido. É para você. Mesmo quando a gente não sabe para onde ele nos leva. Às vezes me sinto como aqueles que saíram do Egito e se viram no deserto: um grande sucesso para obter nada, e durante quarenta anos... Só que eles, nesse meio de tempo, estavam escrevendo a Bíblia. A gente pode até errar, mas está fazendo um caminho; não está num beco sem saída.”

PALAVRAS E FATOS. “Eu leio Giussani há muitos anos, desde os tempos de GS (Giuventù Studentesca)”, diz Beretta. “Mas agora pude dar corpo àquelas palavras, fazê-las minhas. Por exemplo, liberdade nos relacionamentos: a gente fala disso dezenas de vezes, mas só quando você a coloca em discussão com seus colaboradores é que a gente entende o que é a liberdade, que existe um espaço totalmente do outro. Comigo acontece isso: graças à crise, estou redescobrindo o texto a partir dos fatos.”
E os fatos, o que dizem? Nesse caos, onde está a nossa esperança? A conversa rola, olhares se cruzam. Fala-se de investimentos, de uma semente da qual se espera uma boa colheita, de produtos já desenvolvidos à espera dos pedidos. Mas falam sobretudo de si mesmos. “O primeiro fator de esperança é como eu mudei neste período”, diz Zuretti, curto e grosso. “Eu sempre odiei os orçamentos, porque deslocam os problemas para o futuro”, acrescenta Camillini. “E nós temos que partir da realidade. Um cliente apareceu. O produto existe. O problema acontece e empurra a gente a buscar uma solução. A realidade. Esse é o ponto de partida, não os sonhos.” “Quando a gente abre os jornais, encontra um monte de pessoas oferecendo receitas certinhas para a crise”, diz Beretta. “A receita é uma só: aguente firme. Que a minha consistência me mantenha como homem dentro das circunstâncias.”

ALGO QUE EXISTE. “Dias atrás, voltei para casa deprimido”, conta Brambilla. “Uma notícia trágica atrás da outra: fechamentos, falências... Um desastre. De tarde, porém, percebi que meu humor tinha melhorado. Perguntei-me: por quê? E me dei conta de que bastara um encontro, que me fez ver a possibilidade de retomada, de comprar uma parte de outra empresa. Qual é a diferença? Tinha acontecido algo. Havia uma coisa real nova. A diferença estava numa presença, não do fato de você dizer para si mesmo: vamos, para cima! A esperança nasce de uma coisa presente, que existe. Isso me leva a compreender melhor a natureza de Cristo. É um fato presente. Se não, não conta.” Mas ele está presente. E muda a gente. “Outro dia, voltando à noite para casa, minha filha me sai com esta: ‘papai, tudo bem que a crise está aí, mas você pode me dar um abraço, não?’.” E você, o que fez? “Dei um sorriso e a abracei.”

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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