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Passos N.104, Maio 2009

RUBRICA

Carta

TESTEMUNHAR O ENCONTRO
NOS FUNDOS DE INVESTIMENTO financeiro

Trabalho num banco americano, administrando o patrimônio de grandes famílias. Recentemente, eu estava um pouco confuso quanto ao meu trabalho, sobretudo porque o banco também é parte desse sistema em que o lucro rápido é a coisa mais importante, e depois porque via e lia em Passos muitas experiências que me pareciam mais edificantes, como por exemplo o trabalho de educação nas escolas, nas casas de acolhida, etc. Durante um jantar, eu e minha mulher expressamos esses conceitos numa conversa com amigos, que disseram que também no primeiro século havia cristãos engajados no exército romano, que tinham de testemunhar ali o que haviam encontrado. Numa recente viagem à América do Sul, um importante cliente de origem judaica quis ter uma conversa comigo e meu chefe, um veterano de Wall Street. Eu achava que ele ia reclamar dos seus rendimentos ou de algum produto que eu lhe havia proposto. Mas não, ele queria me ver e, diante do meu chefe, dizer que em vinte anos de diálogo com bancos e banqueiros nunca encontrara alguém que se interessasse gratuitamente pela sua pessoa, independentemente do trabalho, e que não conseguia definir a minha atenção e o interesse que dedicava a ele, visto que estava claro que eu não era movido pelo dinheiro ou pela adulação. A essa altura, contei que tinha tido a sorte, na minha vida, de conhecer pessoas – antes de tudo, os meus pais – que, por força de um encontro feito, veem todos os homens com olhar mais verdadeiro e mais profundo, e que eu tentava imitá-los. A partir desse simples episódio entendi que todos, nas situações e trabalhos em que se encontram, somos chamados a trazer à tona aquilo que encontramos, e isso muda a realidade, levando até mesmo um feroz especulador a perceber a possibilidade do bem e do amor; e a mim, a fazer melhor o meu trabalho.
Pietro, Genebra – Suíça

A REALIDADE É MAIOR
QUE OS NOSSOS PENSAMENTOS

Quando minha filha tinha 14/15 anos, eu imaginava que partiparia do grupo dos colegiais, que faria amizade com jovens conhecidos nossos, que ficaria longe das discotecas, etc. Porém, minha filha não entrou no Movimento, gosta de dançar e ir a discotecas, não se liga muito às “regras católicas”... Eu fiquei abalada. Brigava com ela, muitas vezes a acusava, diminuindo assim a sua humanidade e a possibilidade de encontrar Cristo, pelo menos da maneira como eu tinha na minha cabeça. Fiz experiência da minha total impotência e incapacidade de ser feliz pelo próprio esforço. Eu contestava a realidade, via-a superficialmente. Eu dizia para mim mesma: alguma coisa não está funcionando: por onde começar? Nesse estado, comecei a perceber um fato: de noite, enquanto aguardava que minha filha chegasse (tarde da noite), eu ficava destruída e me dizia: “Eu não consigo”. No dia seguinte, eu me levantava para trabalhar e ficava sempre bem, reconfortada por alguma coisa que acontecia na realidade. Por exemplo, num dia particularmente difícil, um paciente que havia se diplomado em Letras me surpreendeu contando que, no primeiro ano de faculdade, vendo os colegas de curso muito imbuídos do papel de intelectuais, reagiu assim: “Pessoal, nós nascemos para sermos felizes!”. Descobri, então, traços de humanidade imprevistos nos colegas e também em minha filha; em alguns momentos de maior fechamento, ela sempre me dizia: “Mamãe, me dê um sorriso!”. Coisas simples, que representavam um forte apelo a levantar a cabeça. Foi uma verdadeira revolução: a ajuda veio de fora, a realidade não é uma inimiga. Aquela humanidade que eu via em Carrón, que me fascinava, começava a se tornar experiência. Comecei a compartilhar coisas cotidianas com minha filha: o café da manhã, enquanto líamos o jornal, um diálogo sobre o conteúdo de algumas matérias, sobre autores de que ela gostava ou não gostava, sobre as dificuldades que sentia e o desânimo que às vezes a invadia..., me vi fazendo companhia a ela em coisas que antes eu não fazia; não é que eu estivesse de acordo com ela em tudo, mas estava ali, presente. Ela certamente percebeu a mudança, a seu modo ela compreendeu o nexo com a experiência cristã do Movimento. No funeral do meu pai, ela comentou: “Eu também gostaria de ter amigos assim”. Um dia, ela me contou o seguinte episódio: de manhã, o professor de italiano e latim entra na classe, faz um grande elogio aos autores clássicos e depois diz aos jovens que eles, não tendo esse saber, vão formar uma geração desorientada. Ela reage: “Mas, professor, deve haver alguma esperança!”. E ele: “Não fiz um discurso desesperado, mas também não falo da esperança dos cartazes de publicidade”. Ela: “Professor, eu conheço gente que tem esperança. Eu já vi”. Passar dos meus esforços, dos meus princípios, à surpresa de “alguém que entra e se senta ali”, é uma grande libertação, a única possibilidade de não maldizer o real.
Laura, Ancona – Itália

A “INVEJA” BOA
DO CRISTIANISMO

Ontem foi um grande dia no Ibirapuera. Estou exausta, mas faria tudo de novo se me dissessem que o Carrón estaria lá de novo no mês que vem. Carrón falou para mim, em primeira pessoa. Eu que estava cansada de tudo, desanimada com o início das aulas, com a vida toda... senti na pele a “inveja” de que Carrón nos falava, uma vontade de viver de novo aquele gosto pela novidade da faculdade, como aqueles jovens da Associação. E era impossível não se sentir tocada e abraçada por essa paternidade. Antes, estava chateada, com raiva das pessoas que não foram, porque sabia que muitos não estavam dando a menor importância para este encontro. Sabia que alguns iriam acampar no carnaval e preferiram abrir mão de ir a São Paulo. Mas agora que voltei não tenho mais raiva e sim uma dor, porque não sabem o que perderam. Não é só uma questão de imaginar “se Cristo aparecesse ali”... era Ele mesmo, no rosto do Carrón e dos amigos que encontramos. Não dá pra dizer que não era Ele. Fiquei muito marcada com essa frase do Carrón: “Quando eu era professor, dizia a meus alunos que o cristianismo se comunica por ‘inveja’, porque uma pessoa vê a outra com uma intensidade, com uma alegria, com um gosto, que ela também gostaria de ter. Por isso, eu estou aqui, porque encontrei um homem que vivia dessa forma e se chamava Luigi Giussani, que introduzia na vida uma febre, uma paixão e fazia com que as coisas do cotidiano adquirissem uma intensidade única”. Foi também por uma “inveja” e por uma curiosidade pela forma como alguns amigos viviam que, hoje, estou aqui.
Cristiane, Belo Horizonte – MG

SEM TRABALHO,
UM TEMPO DE GRAÇA

Caríssimo padre Carrón, recentemente perdi o emprego. A coisa mais evidente, nestes últimos dias, foi constatar como a precariedade do trabalho e, portanto, da falta de dinheiro na carteira abala todos os aspectos do cotidiano. É um ferrão vivo que nos acompanha da manhã até a noite, quando nos recolhemos para dormir. E foi impressionante descobrir onde estava realmente o meu coração, em certos momentos, onde estava de fato minha esperança e, afinal, o quanto Cristo era abstrato para mim. Toda essa situação me obrigou a ter uma lealdade radical comigo mesmo. O que posso dizer é que, embora pareça absurdo, esse tempo é dramaticamente belo, intenso, é um tempo de Graça. Cada coisa torna-se a ocasião para eu dizer a mim mesmo aquilo de que realmente eu preciso; e eu chego a dizer: “É de você, Cristo, que eu preciso; venha!”. Chegar a dizer “você” é uma libertação; e algo que poderia ser, normalmente, motivo de desespero se torna, pelo contrário, experiência aqui e agora de algo que me traz de volta a esperança quanto ao futuro. Porque, uma vez que encontramos o “tudo”, a única esperança é que essa descoberta permaneça também no futuro. Um dos fatos que mais me impressionam é que, depois de quase oito anos de casamento, pela primeira vez entre mim e minha mulher temos a Graça de experimentar a familiaridade com Cristo. Ele está presente, está vivo, nas pequenas grandes coisas de cada dia, e é reconhecido. A alegria que daí deriva, e que experimentamos, é realmente uma coisa do outro mundo já neste mundo. Um outro fato que me impressiona é ver quanta gente, quantos amigos estão se mexendo para me ajudar a encontrar emprego. E comento comigo mesmo: “Mas nada disso é óbvio!”, e se eu parasse nesse maravilhamento perderia o melhor. Dias atrás, conversando com alguns amigos, eu dizia que o que espero deles não é tanto que encontrem um emprego para mim, mas ultimamente o que espero é que me ajudem a não desistir desta vida, de buscar sempre o sentido das coisas, qualquer que seja a situação de momento. Isso, para mim, chama-se fé, da qual nasce a esperança; do contrário, ela é impossível.
Damiano, Macerata – Itália

Escola de comunidade
com jogo de baralho

Vivo a cerca de trinta quilômetros de Parma, tenho quatro filhos e passo o dia cuidando deles. Nos últimos tempos, ficou muito evidente que as circunstâncias me chamavam a ficar em casa ou, no máximo, a desenvolver atividades ligadas a meus filhos. Isso representou um sacrifício: aceitar uma condição que instintivamente eu não teria escolhido. Nesses meses, eu dizia a Jesus: “Tu me deste essa circunstância, ok!, eu aceito, mas se Tu me deixares sozinha, eu não aguentarei”. Um domingo, enquanto eu passava roupa e pensava em duas amigas minhas que eu sabia que tinham combinado de se encontrar, tive um irrefreável desejo de parar com o que eu estava fazendo e ir à casa delas, para comer uma pizza ou jogar umas partidas de baralho. Foi o que fiz. Durante o jantar, uma delas disse que, por alguns motivos, não conseguia mais ir à Escola de Comunidade; então eu disse: “Faça-a comigo, venha à minha casa na sexta-feira à noite ou durante o fim de semana”. Ela: “Claro!”. E a outra amiga: “Estou quase querendo ir também”. Acrescentei: “Eu poderia convidar também uma amiga que dá aulas de catequese comigo...”. Em cinco minutos, já éramos seis. Algumas dessas pessoas chegam a fazer trinta quilômetros para vir fazer a Escola de Comunidade comigo. Enfim, Jesus respondeu de um modo muito simples, mas ao mesmo tempo impensável. O primeiro encontro foi comovente, porque todas nós sentíamos que estávamos preparadas, todas percebemos que aquele momento era nosso. Na semana seguinte, não estava prevista a reunião, mas todas sentiam que fazia falta, por isso quem pôde acabou vindo à nossa casa para comer, conversar, falar dos fatos da semana e... jogar um baralhinho!
Alessandra, Parma – Itália

A MENINA DE ALAGOINHA,
UMA PROVOCAÇÃO
PARA TODOS

Na última Escola de Comunidade trabalhamos o panfleto do Movimento sobre a menina de Alagoinhas, a menina de 9 anos que abortou por ter sido vítima de um estupro praticado pelo seu próprio padrasto, aquele que para ela representava sua figura de pai. Após lermos, alguns se perguntavam: “mas como pode o bispo dizer que os médicos poderiam ser excomungados e o padrasto não?”. Engraçado que eu havia pensado muito sobre esse assunto, até mesmo pela repercussão que o caso teve. Mas, a primeira coisa que pensei foi que eu teria me escandalizado se ele tivesse dito que o aborto seria a única saída, que os médicos agiram da forma correta. Mas a questão não era essa, não são essas as palavras da Igreja e sim o que a mídia tentou fazer com que as pessoas pensassem. Primeiro, a excomunhão se dá através de um processo que dirá se aquele está fora ou não da Comunhão da Igreja, e se a pessoa que cometeu o pecado se arrepender de verdade e pedir perdão ela é perdoada... Imaginem só... Como podemos querer medir o imensurável? A misericórdia de Cristo não se mede, não tem tamanho, quem somos nós para fazê-lo? Por essa misericórdia e amor imenso é que Cristo perdoaria tanto os médicos quanto o padrasto. O segundo juízo que pude tirar desse absurdo foi que se aquela menina ficou grávida foi porque Cristo permitiu! Se nenhuma folha cai da árvore sem que Ele saiba, e se todos os fios de nossos cabelos estão contados, aquela vida, que começou no ventre de uma criança de nove anos começou porque Ele quis. Ele tinha um propósito e, o que me parece, não só para vida dela, mas para a vida de todos nós. É um Mistério. Está além da nossa humanidade, até porque a nossa humanidade poderia chegar a matar alguém que fizesse uma coisa dessas com um filho nosso. Mas, para Ele não! Deus deu Seu próprio Filho como prova de Seu amor, para morrer na cruz! Isso me fez pensar e rezar para que eu possa confiar sempre n’Ele, para que meus olhos e ouvidos não se fechem para a única verdade da minha vida. Para que eu fique tranquila, para que Ele nunca me deixe só... Para que eu possa ter esperança no futuro, por causa de uma Presença presente.
Luciana, Rio de Janeiro – RJ

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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