Dos bispos à procura de respostas sobre a evangelização aos não-católicos mais céticos e distantes, todos ficaram surpresos com esse encontro humano
Ao final do seu discurso aos bispos dos Estados Unidos, o papa Bento XVI respondeu às perguntas de três bispos, anteriormente escolhidas pela Conferência Episcopal. Os bispos concordavam com o Santo Padre sobre o “desafio do secularismo em ascensão na vida pública e sobre o relativismo na vida intelectual”, como ficou demonstrado pelo fato de que “os católicos abandonam a prática da fé, às vezes, mediante uma decisão explícita, mas com mais freqüência silenciosa e gradualmente, afastando-se da participação na missa e da identificação com a Igreja”. Os bispos perguntavam, em suma, “como enfrentar tais desafios do ponto de vista pastoral, para podermos realizar a obra evangelizadora de maneira mais eficaz”.
Tais questões tocaram no ponto crucial, talvez o mais importante da visita do Papa aos Estados Unidos. Era uma pergunta sobre o método. O problema da evangelização está justamente aí. Há planos de evangelização na maioria das dioceses e em muitas paróquias norteamericanas. No entanto, as perguntas dos bispos sugerem uma preocupação com os resultados de todos esses planos. Qual está sendo a real eficácia, se aparentemente não se notam mudanças substanciais? O Papa deu respostas concretas a essas questões, mas talvez a melhor resposta que poderia dar seria esta: “Sigam-me”. A visita do Papa aos Estados Unidos fez muito mais do que fornecer os conteúdos de uma nova evangelização; foi uma extraordinária lição sobre o método necessário para desenvolvê-la eficazmente.
O primeiro componente desse método é o acontecer de um encontro humano, por meio do qual uma Presença excepcional desperta ou estimula os anseios fundamentais do coração, talvez em grande parte amortecidos ou longamente reprimidos, talvez buscando sem cessar serem satisfeitos. A atração dessa Presença cedo ou tarde levará a pessoa a se perguntar: “É possível viver assim?”.
Esse tipo de experiência é amplamente testemunhado por todos os que – católicos praticantes ou céticos empedernidos – acompanharam a viagem do Santo Padre. Muitos achavam que Bento XVI não estaria à altura do desafio de uma visibilidade tão estranha ao seu temperamento (sobretudo em comparação com João Paulo II, que tinha grande carisma comunicativo). No entanto, mesmo apenas vendo-o – para não dizer encontrando-o – até os mais cínicos foram obrigados a admitir que estava acontecendo algo inesperado e fascinante. Muitos (inclusive os crentes de outras religiões não-cristãs) chegaram mesmo a falar de uma origem divina da Presença que se manifesta através do encontro com essa pessoa de grande humildade; outros simplesmente choraram.
Naturalmente, o mais dramático desses encontros foi aquele com as vítimas dos abusos sexuais perpetrados por sacerdotes. É importante recordar que os participantes não foram escolhidos porque eram mais “abertos” à reconciliação com a Igreja. Todos falaram de sua total perda de confiança numa Igreja que havia permitido esse “abuso espiritual” sobre eles. Sobretudo, não achavam que Joseph Ratzinger fosse particularmente compreensivo frente às suas exigências. No entanto, o simples fato de querer encontrar-se com eles, apertando-lhes as mãos ou abraçando-os, ou ouvindo-os falar – todos sublinharam a intensidade desse contato físico: o coração deles começou a amolecer. A partir daquele momento, o conteúdo de muitos dos discursos de Bento XVI foi filtrado por esse insólito encontro.
A experiência americana
O Papa várias vezes elogiou a experiência americana e afirmou a bondade e o valor do sonho americano. Já no início do seu discurso na Casa Branca afirmou: “Desde os albores da República, a busca de liberdade, por parte da América, foi guiada pela convicção de que os princípios que governam a vida política e social estão intimamente ligados a uma ordem moral, baseada no senhorio de Deus Criador. [...] creio que os americanos poderão encontrar em suas crenças religiosas uma fonte preciosa de discernimento e uma inspiração para perseguir um diálogo racional, responsável e respeitoso, no esforço de edificar uma sociedade mais humana e mais livre”.
O segundo componente do “método de evangelização” do Papa pode-se definir como afirmação. Os americanos gostam de ser amados, mas o apreço do Papa pela experiência americana de fundar e governar uma natureza dedicada à liberdade foi visto como um juízo autêntico e não uma mera tática diplomática. Em certo sentido, era uma expressão da afirmação que as vítimas dos abusos haviam experimentado no encontro.
Poderíamos definir o terceiro componente do “método” de evangelização perseguido pelo papa Bento XVI durante a visita como a “criação da proposta cristã”. O ponto de partida é um juízo sobre as características do momento atual da história americana à luz das lições aprendidas da experiência da fé e dos seus dois mil anos de história. O Papa resumiu o desafio que a Igreja nos Estados Unidos enfrenta com palavras que lembram os seus discursos aos bispos latino-americanos em Aparecida, no Brasil. Apesar do contexto social completamente diferente daquele da América Latina, seduzida pela Teologia da Libertação, o juízo era igual: “creio que a Igreja na América, neste preciso momento da sua história, tem diante de si o desafio de encontrar a visão católica da realidade e apresentá-la de maneira envolvente e criativa a uma sociedade que oferece todo tipo de receitas para a auto-realização humana”.
Testemunhas da verdade
No final, o Papa esclareceu que o objetivo da sua visita não era o de propor uma análise do que é justo ou problemático ou errado na religiosidade americana e na busca do sonho americano. Era o Sucessor de Pedro, insistiu. Veio como testemunha de Jesus Cristo e da verdade da Sua identidade e da Sua missão. Era Cristo por trás do extraordinário encontro, que a presença pessoal do Papa tornou possível. A fé em Cristo é que nos permite julgar as circunstâncias que nos rodeiam e reconhecer o verdadeiro caminho para a liberdade. O Papa reforçou isso várias vezes aos católicos, aos outros cristãos, aos judeus, aos seguidores de outras religiões, aos agnósticos e ateus.
Nos Estados Unidos, o nome de Jesus encontra-se por toda parte; assim, o Papa especificou que o Jesus em nome do qual ele vinha é o fundador da Igreja Católica. Na homilia no Nationals Stadium de Washington, disse: “Cristo constituiu a sua Igreja sobre o fundamento dos Apóstolos como visível comunidade estruturada, que é ao mesmo tempo comunhão espiritual, corpo místico animado pelos múltiplos dons do Espírito e sacramento de salvação para a humanidade inteira”.
O julgamento final sobre o impacto da visita do Papa Bento XVI aos Estados Unidos dependerá justamente daquela liberdade que os americanos tanto apreciam. Encontrará coragem e apoio para dizer “sim” à proposição do Papa? Só a Providência o saberá...
No dia seguinte, a atenção do país voltou-se de novo para a campanha eleitoral à Presidência da República. Os políticos estão tentando descobrir como conquistar o voto católico. As palavras do Papa terão algum impacto sobre o voto deles? Talvez o comentário de E.J. Dionne, famoso observador da cena religiosa americana, resuma melhor do que ninguém a questão que se levanta após a visita do Papa: “Suspeito que os católicos americanos de todas as correntes políticas se verão às voltas com essa mensagem. No que me diz respeito, admiro a crítica expressamente católica de Bento XVI ao individualismo radical em ambas as esferas – moral e econômica – e a sua insistência sobre o fato de que a mensagem cristã não pode ser separada da realidade política e social. Ainda não vejo que o espírito deste tempo seja tão ameaçador à fé e à prosperidade humana, como Bento XVI parece pensar... Talvez faça parte da missão do chefe da Igreja Católica Romana trazer desconforto a um povo tão completamente modelado pela modernidade, como o americano. Se é isso, Bento XVI conseguiu”.
Credits /
© Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón