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Passos N.94, Junho 2008

EXPERIÊNCIA / AUDIÊNCIA COM O PAPA

Uma presença original

por Julián Carrón

O texto integral da entrevista com padre Julián Carrón, presidente da Fraternidade de CL, realizada pela revista espanhola Alfa y Omega no dia 20 de março de 2008

Há um ano, era dia 24 de março de 2007, a praça de São Pedro, em Roma, ficou repleta de membros de CL provenientes do mundo inteiro para a audiência com Bento XVI por ocasião dos 25 anos do reconhecimento pontifício da Fraternidade de CL, da qual – há alguns dias – o senhor foi reconduzido à presidência para os próximos seis anos. Padre Carrón, o que permanece no senhor daquela audiência?
Roma foi a confirmação apostólica do valor do carisma dado a Dom Giussani para a vida da Igreja. Bento XVI destacou a origem pessoal do carisma e confirmou a sua permanência na experiência do Movimento. E nos relançou na tarefa missionária, que João Paulo II já nos tinha confiado, como testemunhas no mundo de uma fé radicada no Corpo de Cristo que é a Igreja.
Aquele desafio missionário é ainda mais decisivo hoje, se penso no que aconteceu no Brasil há algumas semanas. Durante um encontro em São Paulo com cinqüenta mil membros da Associação dos Trabalhadores Sem Terra de São Paulo, Cleuza Zerbini, fundadora do movimento com o marido Marcos, disse: “Carrón, alguns anos atrás o senhor tinha um movimento, Nova Terra. Quando conheceu Dom Giussani entregou o seu movimento a ele porque não tinha mais nada a procurar; tudo o que precisava encontrar já tinha encontrado. A história se repete mais uma vez. Hoje não existem dois caminhos: só tem um caminho. Hoje, a Nova Terra e os Sem Terra se uniram com o Movimento de Comunhão e Libertação”. Imagine a minha comoção, como a que senti quando Dom Giussani me chamou da Espanha para ficar a seu lado e guiar o Movimento. E, assim como naquela ocasião, me senti tão pequeno, tão nada, em São Paulo experimentei a mesma sensação. Mas esse novo fato que o Mistério coloca à nossa frente não me dá medo, pois Aquele que começou entre nós essa boa obra há de realizá-la. A nós cabe dizer sim à forma nova e misteriosa com a qual Deus se faz presente na nossa vida.

Como o senhor recebeu o renovado mandato de guiar o Movimento pelos próximos anos? O que isso representa para o senhor?
Aceitei a decisão da Diaconia da Fraternidade com o mesmo espírito com o qual aceitei a decisão de Dom Giussani, procurando obedecer à modalidade com que o Mistério me chama a responder. Hoje sou muito mais consciente da desproporção total frente à tarefa que me é confiada, porque antes eu via as coisas de longe, enquanto agora tenho uma consciência mais direta. E o que quero viver está bem expresso no trecho de Soloviev que Dom Giussani nos propôs como manifesto permanente do nosso Movimento: “O que temos de mais caro no cristianismo é o próprio Cristo, Ele mesmo e tudo o que d‘Ele vem, porque sabemos que n’Ele habita corporalmente toda a plenitude da Divindade”. Eu desejo não ter outra coisa mais cara na minha vida do que isso.

Tudo o que o senhor acabou de nos dizer, que significado tem para o futuro de CL?
Os fatos imponentes acontecidos neste ano trazem à luz mais uma vez a nossa responsabilidade, conforme o mandato do dia 24 de março de 2007: viver uma fé profunda e personalizada, que nos permita estar na realidade, como nos disse Bento XVI, com “uma espontaneidade e uma liberdade que permitam novas e proféticas realizações apostólicas e missionárias”, para colaborar com os pastores a “tornar presente o mistério e a obra salvífica de Cristo no mundo”.
Uma fé madura se expressa com obras nas quais o desejo do homem se encarna e, desse modo, oferece uma contribuição para a vida social. A fé católica não é só uma questão privada ou restrita a algum âmbito particular, mas possui um papel também público, já que é um fator que torna melhor, mais humana e mais positiva, a vida cotidiana e deixa em condições melhores para enfrentar os problemas e as dificuldades, nas relações entre as pessoas, na educação, no trabalho, até no empenho civil e político vivido como caridade.

O contexto cultural e político da Espanha e da Itália, feitas as devidas distinções, na sua opinião, o que representa para os cristãos?
Uma colocação de Dom Giussani de 1972 parece-me muito atual. Avaliando um momento igualmente dramático da nossa história – a crise de 1968, da qual certos fenômenos atuais são a última conseqüência – ele disse: “Deus jamais permite que alguma coisa aconteça se não for para a nossa maturidade, para um amadurecimento nosso. Aliás, a verdade da fé é demonstrada justamente pela capacidade que a pessoa ou a realidade eclesial (família, comunidade, paróquia, Igreja em geral) tem de valorizar, como caminho de amadurecimento, as coisas que surgem como objeção, perseguição ou dificuldade de qualquer tipo”. Mas é principalmente a frase sucessiva que me interessa frisar: “Este é o sintoma da verdade, da autenticidade da nossa fé: se o que está no primeiro plano é a fé, ou pelo contrário, um outro tipo de preocupação; se realmente depositamos toda a nossa esperança no fato de Cristo, ou pelo , esperamos dele apenas o que já decidimos esperar, e então, em última análise, ele se torna somente ensejo e ponto de apoio para os nossos projetos ou nossos programas”.
Portanto, a situação problemática que os nossos países estão atravessando é uma circunstância que o Senhor permite para a nossa educação, para uma verificação daquilo que cada um de nós ama e também para desmascarar a ambigüidade que pode haver em toda iniciativa humana, por sua natureza limitada.

O que implica esse seu juízo no que se refere à presença pública dos cristãos?
Na situação atual, em que – como vimos – não basta uma reação perante as provocações dos outros, somos impelidos a redescobrir a originalidade do cristianismo. É necessária uma presença original, não reativa. “Uma presença é original quando brota da consciência da própria identidade e da afeição por ela, e nisto encontra a sua consistência” (Dom Giussani). Como cristãos não somos escolhidos para provar a nossa capacidade dialética ou estratégica, mas para testemunhar a novidade que a fé introduziu no mundo e que nos “conquistou” primeiro, mudando nosso olhar sobre as pessoas e sobre a realidade.
O desafio que temos diante de nós é o de sempre: educar adultos na fé, segundo um método que torne razoável a adesão a Cristo. Como disse Dom Giussani no Sínodo de 1987, “o que falta não é tanto a repetição verbal ou cultural do anúncio. O homem de hoje aguarda talvez inconscientemente a experiência do encontro com pessoas para as quais o fato de Cristo é uma realidade tão presente que a vida delas é mudada. É um impacto humano que pode sacudir o homem de hoje”. O encontro com algo que corresponda às exigências do coração, que sacuda a razão do torpor no qual caiu e que seja uma resposta que moralismo algum consegue imaginar.

Sinteticamente, o que o carisma de CL pode oferecer de original?
É o que recebemos pela longa tradição da Igreja e que a genialidade humana e cristã de Dom Giussani tornou experiência presente, atraente para os dias de hoje: na fé a solidão e o ceticismo são derrotados e a vida se torna uma imensa certeza justamente porque um Outro age na história: seja qual for a circunstância e em meio a qualquer provação é possível viver assim. Esta é a contribuição que percebemos que podemos dar para a vida da nossa gente, na Espanha, na Itália e também no Brasil dos nossos novos amigos: mostrar a pertinência da fé com as exigências da vida – exigências de verdade, de beleza, de justiça, de felicidade – e, portanto, a utilidade da fé para a vida dos homens do nosso tempo. E o fazemos com o exemplo desarmado da nossa experiência, curiosos por encontrar e reconhecer tudo de verdadeiro e de autêntico que existe em qualquer pessoa, para caminhar juntos rumo à realização que cada homem deseja na profundidade do seu coração. Essa fé é esperança para a vida de todos.

Isso é suficiente para enfrentar o impacto de um mundo que progressivamente se afastou da Igreja e da fé e que quer se construir deixando de lado, quando não é explicitamente contra, o cristianismo?
Respondo-lhe com as palavras que Dom Giussani pronunciou depois da derrota dos católicos italianos no referendo sobre o aborto em 1981: “Este é um momento no qual seria bonito ser apenas doze no mundo inteiro. Quer dizer, é mesmo um momento no qual se volta ao início porque nunca ficou tão demonstrado que a mentalidade não é mais cristã. O cristianismo como presença estável, consistente, portanto capaz de pelo contrário tradere, de tradição, de comunicação, de criar tradição, agora não existe mais: precisa renascer. Precisa renascer como solicitação à problemática cotidiana, quer dizer, à vida cotidiana”. Existe algo mais original e mais entusiasmante do que isso?

(traduzido por Neófita Oliveira)

 
 

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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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