No dia 14 de março faleceu a fundadora dos Focolares. Chiara Lubich (1920-2008) foi uma das protagonistas de uma página exultante da história recente da Igreja. Por meio dela milhares de pessoas encontraram Cristo. A seguir a sua recordação escrita por um amigo
Os santos não são movidos por demandas externas, mas por uma urgência interior. Não pensam em criar uma ordem nova. É até anacrônico perguntar-se qual seria a especificidade da realidade que nasce deles. O que querem é simplesmente e totalmente seguir o Cristo. Embora a revelação da santidade num homem ou numa mulher seja um fato absolutamente gratuito, é também por meio dos santos fundadores que se realiza a renovação da vida da Igreja. A fé que cultivam torna-se uma forma da existência e eles realizam com os seus discípulos uma abertura para a totalidade, constituindo, assim, uma resposta profunda às necessidades que os homens vivem naquele tempo. Assim nasceram os movimentos eclesiais e as novas comunidades. Apareceram depois da Segunda Guerra Mundial, num momento em que os cristãos foram obrigados a buscar a raiz da própria vocação.
“O novo abre caminho”
Assim nasceram os Focolares. Assim apareceu Comunhão e Libertação. Seus dois fundadores, quase coetâneos, desapareceram nos últimos três anos, neste momento de transição da Igreja, caracterizado pelo fim do longuíssimo pontificado de João Paulo II e pelo início do pontificado de Bento XVI. Ratzinger havia escrito, há 20 anos: “Velhas formas saem de cena, o novo abre caminho, cresce no silêncio. Nossa missão é mantê-los de portas abertas, garantir-lhes espaço”.
Agora também Chiara Lubich retorna para o seio de Deus, que a chamara com uma força tão profunda que fez nascer em torno dela um povo formado por centenas de milhares de pessoas, força que deu à sua palavra e à sua ação um eco que chegou também aos ortodoxos e luteranos, muçulmanos e budistas.
Chiara Lubich nasceu em Trento (Itália), em 1920, o mesmo ano do nascimento de Karol Wojtyla. Tinha o temperamento do povo daquela terra: um caráter forte, de ferro, e uma doçura que se expressava, além de no sorriso, numa delicadeza persuasiva de relações. Às vezes, ao encontrá-la, me parecia ver nela a sombra de De Gasperi, um outro filho da terra trentina, que contribuiu como nenhum outro italiano para o renascimento do país depois da Segunda Guerra Mundial. Também Chiara, talvez como De Gasperi, sentiu que a reconstrução dos homens e das mulheres, das almas dos italianos, era a missão que Deus lhe confiara. Como toda pessoa marcada por uma vocação particular, mudou de nome (chamava-se Silvia), assumindo o de Chiara, a menina que, ao lado de São Francisco de Assis, havia iniciado uma nova expressão da Igreja no início da Idade Média.
O coração da descoberta
Chiara Lubich também foi um início. Pela primeira vez, na Itália, reunia-se em torno de uma mulher um grupo de pessoas que não queriam constituir nada de especial dentro da Igreja, mas tão somente renovar interiormente o seu tecido. Pela primeira vez nascia um movimento, uma agregação leiga, como outras que marcariam a história seguinte do século XX na Igreja católica e fora dela. Em torno de uma personalidade carismática reuniram-se milhares de leigos e padres, jovens e velhos, intelectuais e gente do povo, artistas e profissionais de todas as categorias. Reconheciam nela o ponto de descoberta de um Cristo vivo e presente. Chiara não foi idolatrada como outros gurus e profetas fora da Igreja católica, mas certamente foi, para um número enorme de pessoas, o meio decisivo para a mudança radical das próprias existências.
Qual é o coração da sua descoberta? Eu penso que podemos resumi-la nestas palavras: a humanidade de Jesus é a manifestação de um projeto misericordioso de unidade, que cura as feridas dos homens e, mesmo além das fronteiras da própria Igreja católica, alcança muitos homens, cristãos e não-cristãos. Surgido em meio às feridas da guerra, o Movimento dos Focolares não podia deixar de ser ecumênico. A tentativa era de reconstruir a unidade lá onde se instalara a divisão, no coração de cada homem. Criar um focolare, justamente. Um lugar em cujo centro havia fogo, a humanidade de Jesus, Jesus-no-meio-de-nós, como pregava Chiara. Desse fogo irradiava-se a união entre as pessoas, sobretudo a partir daquelas que decidiam viver para Jesus, optando por morar juntas. Também desse ponto de vista os Focolares inovaram. Mesmo sendo um instituto secular, seus membros, diferentemente dos outros institutos análogos, vivem juntos em pequenas casas.
Nos anos da década de 1950 eu havia chegado há pouco a Milão. Tinha cerca de dez anos de idade. Um dia, meu pai me convidou para assistir a missa dominical numa igrejinha no centro da cidade, dedicada a Nossa Senhora Menina (Maria Bambina). Uma igrejinha não-paroquial. Ele também fora convidado por um colega. Quem se reunia naquela igreja? De início, não entendi muito bem. Não era uma comunidade paroquial, não eram religiosos. Eram pessoas comuns que pareciam profundamente ligadas umas às outras, cheias de alegria, voltadas para algo absolutamente novo e fascinante. Em torno de uma mulher. Ouvi ali, pela primeira vez, o nome de Chiara. Conheci desse modo os focolarinos, antes mesmo de conhecer CL. Meu pai fez, então, a assinatura do jornalzinho quinzenal do movimento, Città Nuova (Cidade Nova), que naqueles anos ainda era mimeografado. Mais tarde tornou-se tablóide e, depois, revista. Seu diretor, Boselli, foi durante 20 anos um caríssimo amigo. Naquele domingo, pela primeira vez, descobri que na Igreja não existiam apenas as paróquias e os institutos religiosos, mas também agregações de leigos, compostas por homens e mulheres.
“O Batismo é o que conta”
Estive com Chiara várias vezes. Por exemplo, em Santiago de Compostela, durante a grande peregrinação por ocasião da Jornada Mundial da Juventude de 1989. Mas me lembro dela, sobretudo, pelo encontro que tivemos em preparação ao Sínodo dos Bispos sobre o laicato, em 1986. Fiquei impressionado com esta frase dita por ela: “O Batismo é tudo o que conta; o que importa é o homem novo que nasce dele, a sua dignidade. Muito mais do que as diferenças na Igreja, o que importa é o Batismo”. E depois acrescentou mais ou menos o seguinte: “Do Batismo nasce um homem diferente, uma ação nova, transformadora. É a idéia de movimento”.
A última vez que vi Chiara foi na praça de São Pedro, dia 30 de maio de 1998. Três grandes personalidades da Igreja encontravam-se ali, perante 500 mil pessoas. Os três sabiam que estavam na etapa final de suas vidas. João Paulo II e Dom Giussani, em especial, apareciam visivelmente marcados pela doença. Aquele encontro expressou, muito mais do que muitos discursos, a realidade da Igreja do século XX. Poucos dias depois, Dom Giussani escreveu a toda a Fraternidade: “Foi, para mim, a maior jornada da nossa história. Foi o grito que Deus deu a nós como testemunho da unidade, da unidade de toda a Igreja. Pelo menos eu a senti assim: somos uma coisa só. E disse isso também a Chiara e a Kiko Argüelo, que estavam a meu lado na praça de São Pedro: como é possível, nessas ocasiões, não gritar a nossa unidade? Nossa responsabilidade é pela unidade, até à valorização da mínima coisa boa que existe no outro”.
O SEU SIM AO DESÍGNIO DE DEUS Eis a carta que padre Carrón escreveu para Eli Folonari, a mais próxima colaboradora de Chiara Lubich e, com ela, a todo o Movimento dos Focolares. Caríssima Eli, Juntamente com os amigos de Comunhão e Libertação, compartilho a dor – sua e de todo o Movimento dos Focolares – pela morte de Chiara Lubich. Nada do que ela foi se perderá, na certeza que nos vem das palavras de Jesus: “Até os cabelos da vossa cabeça estão todos contados”. Cristo assimilou-a a Si pelo caminho da cruz, vivido por ela como oferta total pela vida da Igreja. Agora Chiara vê face a face o rosto do Pai, que suscitou nela um carisma para tornar vivo o acontecimento cristão como luz que sustenta a esperança. Assim, a maternidade espiritual floresceu nela a partir de seu sim ao desígnio de Deus, no seio da nossa mãe Igreja. Recordando a amizade de longos anos com Dom Giussani, que culminou naquele dia 30 de maio de 1998, na praça de São Pedro, com os testemunhos deles diante de toda a Igreja e do mundo, recomendo a alma de Chiara à misericórdia do Pai, na espera do lindo dia da vitória final de Cristo Ressuscitado, dia da ressurreição da carne para a felicidade eterna. Que Chiara e Dom Giussani sustentem os nossos passos, para uma fé sempre mais apaixonada e razoável no caminho que eles abriram para nós, seguindo o Santo Padre. padre Julián Carrón |
Abaixo, a carta que Marco Montrasi (Bracco), Responsável Nacional do Movimento Comunhão e Libertação, enviou a Diviol, um dos responsáveis pelo Movimento dos Focolares no Brasil, e a seguir a sua resposta. Caro Diviol, queria te dizer que eu e todos os amigos de Comunhão e Libertação estamos juntos com vocês nesse momento tão dolorido. Eu me lembro como se fosse ontem o dia em que morreu o Dom Giussani! Uma dor imensa... e, ao mesmo tempo, eu nunca me senti tão filho dele. Chorava e ao mesmo tempo tinha dentro um fundo de letícia, como uma certeza de que tudo aquilo que eu vivi com ele não ia acabar. Essa foi e é a experiência desses anos depois na morte dele: uma companhia mais potente que proporcionou uma consciência de presença de Cristo renovada. Tenho certeza de que Chiara agora estará mais presente e nos ajudará a entregar mais ainda a nossa vida para que Cristo seja conhecido e amado! Um grande abraço. Com muita afeição, Bracco Caríssimo Bracco, eu te agradeço, em meu nome bem como em nome dos membros do Movimento dos Focolares, pela “presença significativa”, sinal tangível da nossa estima recíproca, pela ocasião da partida de Chiara. Transmita a todos os membros de CL toda nossa gratidão por este gesto de comunhão fraterna cujo fundamento sólido é Cristo. Diviol |
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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón